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Full text of "Litteratura, musica e bellas-artes"

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LITTERIITURII, MUSICl E BaUS-illllES 



LIITERATDM 



MUSICA E BELLAS-MTES 



POR 



JOSÉ MARIA DE ANDRADE FERREIRA 



80CI0 DA ACADEMIA REAL DA8 SCIENCIA8 
E DE OUTROS INSTITUTOS LITTERARIOS DE HESPAMHA B DO BRAZIL 



V\^^ 



C- 




TOMO I 



LISBOA 

EDITORES -ROUiANI) & SEMIOND 

3— RUA NOVA DOS MÁRTIRES— 3 

• 1871 






V.) 



Typographia de Sousa Neves— Rua da Atalaia, G7 



^fS'õ:i.a -/ ?c^ 



INTRODUCCÃO 



Debaixo do titulo de Litteratura, musica e bellas-arles 
collegi o que reputo de melhor nos meus estudos críti- 
cos, acerca d'estes differentes ramos, estudos que tão dis- 
persos andavam em variadíssimas publicações periódicas 
saidas a lume em épocas bem distantes já. 

O volver do tempo é de certo um seguro elemento de 
imparcialidade para o julgamento de nossas obras, e por 
isso, relendo hoje estes meus escriptos, e outros muitos 
que condemnei ao esquecimento, doze ou quatorze an- 
nos depois do seu primeiro apparecimento, quasi me 
julgo um estranho apto para os apreciar e julgar, como 
se foram saidos de penna alheia. 

E realmente, quando outro mérito não possuíssem 
estes trabalhos sobre os nossos escriptores, sobre os nos- 
sos homens públicos e artistas mais notáveis em tão op- 



6 INTRODUCÇÃO 

postos empregos da imaginação, ou sobre o effeito na- 
turaldas luzes do mundo culto, reflectidas nas nossas 
lettras e artes, e até esparzidas em todas as outras insti- 
tuições que naturalmente se desenvolvem com os pro- 
gressos intellectuaes, um mérito resulta inquestionavel- 
mente d'este conjuncto de apreciações singulares ou com- 
plexas, que é entrever-se, atra vez de tantos esboços bem 
pronunciados, ainda que não completos, nem ligados, a 
nossa historia litteraria e artistica contemporânea, sur- 
dindo aqui e alli, nos seus vultos mais característicos e 
concepções mais fecundas e impulsivas. 

Este merecimento encerra-o de certo esta obra. E o 
influxo de circumstancia que animou alguns d'estes qua- 
dros, no que elles o poderiam receber do espirito e sen- 
timento de occasião, como que se hade egualmente tran- 
smittir ao leitor, què assistirá agora, como nós assístihios 
então, á iniciação dVsses talentos, ou ao triumpho de in- 
vencíveis audácias litterarias. 

E debaixo d este ponto de vista que este meu livro 
se tornará sympathico ao leitor de hoje, ainda mesmo 
áquélle que não aprofunde os segredos das lettras ou das 
artes. 

Não é só uma galeria critica este meu trabalho, é 
também um trecho da historia do movimento dos nossos 
talentos, nos últimos ijuinze annos, manifestada no que 
élla possue de mais brilhante e attractivo para as intelli- 
gencias esclarecidas, no poema, no romance, no drama, 
ha eloquência politica e sagrada, na musica, nas artes 
do desenho e nas artes scenicas, n'uma palavra, em tudo 
que podem produzir de instruclivo, e também de delei- 



omiODiiGcIo T 

tavel, as cogitações do espirito e os raptos da imagina- 
ção. 

E com que saudade, d'este quasi desterro das lettras 
«a que fatalissimas circumstancias me votaram, eu não 
lanço os olhos a essas paginas em que puz o melhor 
da minha vida, e que ao presente offereço, como meu 
testamento litterario, áquelles que ainda as quizerem 
ler e acolher com boa sombra 1 

A que caprichos está sujeita a vida do homem! 

Feliz aquelle que acertou com a sua vocação, e a pô- 
de seguir, chegando a ver reflorir todas as suas espe- 
ranças ! 



ANTÓNIO FELICIANO DE CASTILHO 



Dos estudos das lettras gregas e latinas.— Falsos princípios da iitteratura 
mythologica.— A imitação em lucta com a natureza e missão da verda- 
deira poesia.— Do clássico e do romântico.— A escola moderna e o gé- 
nio poético de todos os tempos.— A paraphrase dos Amores de Ovídio 
pelo auetor dos Ciúmes do 5ardo. — Ovídio e o seu poema.— Analyse do 
poema e da paraphrase. 



Serão os estudos clássicos despresados pela nossa época? 

Eis uma pergunta que pode resumir, sem esforço, o qua- 
dro das tendências litterarias e, por conseguinte, o quadro 
dos systemas de ensino d'esles três últimos séculos, quando 
se queiram explicar os princípios que toem determinado as 
diversas alternativas por que tem passado o gosto das bel- 
las lettras, durante o curso de todo este tempo. Seria o re- 
sumo da historia dos eíTeitos da renascença grega e latina, 
que, pelo excesso natural em todas as reacções, levaram o 
culto da. antiguidade a inaugurar a imitação das suas obras 
como único e tyrannico dogma para todas as concepções da 
iitteratura e das artes, e egualmente seria a historia dos ef- 
feitos da restauração das tradições nacionaes ou o chamado 
movimento romântico, que deu em resultado esta indifferença 
apparente para com os auctores antigos. 

Mas não ha indifferença, e ainda menos desprêso para com 
os bons modelos da Grécia e Roma ; porque, se houve épo- 
ca em que se estudasse a antiguidade, os seus historiado- 
res, os seus poetas, os seus philosophos e os seus orado- 
res, é esta nossa época. Porém, estudo escrupulosamente 
analytico, sem paixão nem idolatria, de certo, mas por isso 



10 LITTERATURA 

também sem nenhum dos desvios a que levam o espirito os 
resultados de taes influencias, que oftuscam sempre a rasão 
e a precipitam em aberrações, que depois intentam tornar 
em princípios de escolas que nâo. podem deixar de ser fal- 
sas, e de estylos que hão de ser sempre viciosos. Bastam as 
obras de Levesque, Beauforl, Niebuhr e Merimèe, de auda- 
ciosa reconstrucção histórica, e os excellenles quadros de 
critica litteraria de Baranle, Schelegel e Fouriel, e a vasta 
collecçÉo de versões de Patin e Nisard, para demonstrar 
que estes nossos tempos apreciam, como devem, a antigui- 
dade, tanto no que ella pôde amestrar-nos, como lição da ex- 
periência, como no que offerece de fecundo para os voos da 
imaginação moderna. 

Quem ousaria negar que os allemães, principalmente, são 
os mais admiráveis operários de todas as minas clássicas? 
Ninguém, como elles, se tem dado a escavar tão fundo os 
campos da antiguidade; e depois de percorridos, explorados 
e revolvidos por elles, ninguém irá tomar-lhes a dianteira 
n'esses trabalhos de investigação, e longa e insistente porRa 
erudita. Os únicos nomes de Voss e Ghristiano Heyne resu- 
mem a confirmação de tudo o que se possa aflirmar a este 
respeito. 

 antiguidade não esqueceu, como dizia ha annos um emi- 
nente critico francez, analysando a versão da Iliada, por Eu- 
génio Bareste; nem tão pouco se apresenta como uma no- 
vidade, em cada obra que nos possa offerecer o espírito 
investigador consagrado á historia, ou o linguista applicado 
á trasladação dos primores poéticos dos séculos de Péricles 
6 de Augusto, ou o philologo dado á comparação dos gran- 
des períodos de transformação litteraria. Nunca a Âllemanha 
e a França, a Inglaterra e a Bélgica tiveram, como agora, 
mais eruditos e escrupulosos talentos occupados n'este gé- 
nero de applicação, convertido, depois nos lyceus e nas uni- 
versidades, em lições oraes, que a analyse da alta critica 
de Villemain, Walckenaer e Daunon desenvolveu em perspe- 
ctivas, onde os génios privilegiados apparecem como glo- 
riosas personificações da fecunda marcha dos factos e das 
luzes, chamada diffusão dos conhec/imentos humanos. 

A verdade, porém, é que os auctores clássicos decaíram 
do seu dominio, mas não da sua valia. Não reinam como ty- 
rannos despóticos nos espíritos: occupam apenas o logar 
que lhes pertence no pantheon das leltras. Hoje esludam-se 



UTTERATURA 11 

OS monumentos da litteralura gref^a e romana, como magní- 
ficos exemplares de magestosa simplicidade de estylo, e co- 
mo origens que encaminham o philologo em muitas das suas 
deducçSes mais ilUistradas; mas nâo se decoram e imitam 
como modelos de cujos perfis o talento inventivo moderno 
não possa afastar-se, nem uma linha, sem incorrer nos ana- 
themas dos aristarchos de alguma nova Crusca ou Sorbona. 
A critica moderna respeita os séculos de Péricles, e de Au- 
gusto, como respeita os séculos de Le3o X e de Luiz XIV, 
e as quadras tão fecundas e florescentes, para todas as crea- 
ções do espirito e da imaginação, dos reinados de Carlos Y, 
em Hespanha, da rainha Isabel, em Inglaterra e de D. Ma- 
nuel, em Portugal. É inqnesiionavelmenle de todos estes pe- 
ríodos, que s3o como grandes illuminações resplandecendo 
no decurso das edades, que se forma a historia litteraria: 
são os seus capítulos mais luminosos. Mas a excellencia de 
qualquer d'elles não lhes poderia dar em tempo algum o di- 
reito de despotismo sobre os outros. A poesia, principal- 
mente, que não é outra cousa senão o reflexo dos movimen- 
tos de alma, illuminados pelos esplendores da phantasia, 
nunca pôde ser nem uma copia, nem uma reproducçâo. É 
preciso que reproduza o estado do nosso espirito, para ser 
verdadeira. E é por isto que a poesia mytbologica nunca foi 
uma poesia popular, porque não a podemos considerar se- 
não como a expressão, na índole e na forma, de uma civi- 
lisação que passou. Que sabe o nosso povo, ardente e con- 
templativo filho da península hispânica, creado ao acalentar 
das lendas das mouras encantadas, penteando-se com o sea 
pente de oiro, e das boas ffidas que nos fadaram, com a sua 
varinha de condão, que sabe elle d*essa comitiva de divin- 
dades pagãs, que formam o mylho de outras crenças reli- 
giosas, que são o emblema de oppostas idéas scientificas so- 
bre as forças da natureza, que resumem emfim e symbolisam 
uma civilisação hierarchica e sacerdotal, materialista e exte- 
rior, completamente distincta da indole, instinctos e progres- 
sos das nações modernas? 

É mister dizel-o e insistir constantemente n'esta asserção 
porque é exacta: a escola mytbologica fazia uma espécie de 
violência moral aos tempos modernos; e esses esforços ori- 
ginaram a litteratura falsa, esterílisadora, abortiva e piegas» 
em que o poeta não podia deixar voar a alma ou palpitar o 
coração, que não fosse regulando esses desabafos pela bitola 



12 LITTERATURA 

dos preceitos aristotélicos. Nenhuma paixão merecia as bon- 
, ras de poética, sem que primeiro passasse pela chancellaria 
da deusa Vénus; e o amante apaixonado, se quizesse tornar- 
se querido da sua bella, tiíiha de apetrechar-se de carcaz e 
de boa provisão de frechas, aliás expunha-se a passar pelo 
desayre da sua ternlira ser tida por... menos clássica. A tra- 
gedia, da mesma sorte, não podia sair dos domínios das 
Clytemnestras è dos (£dipos, únicos entes privilegiados que 
reuniam em si os grandes dotes patheticos da ternura e da 
piedade. E porque Voltaire se lembrou um dia de que na 
historia moderna também poderia haver desventuras dignas 
das sympathias das platéas, a censura académica gravou-lhe 
o ferrete de tragedias mixtas, na sua Zaira e no seu Tan- 
credo. Se até aos heroes da epopea foi prohibido sacudirem 
a fronte mais de três tezes, só porque foi este o numero de 
movimentos que Achilles e Ene.is deram á cabeça em certas 
occasiões solemnes, segundo o leslemunho de Homero e Vir- 
gílio!... O imitatoreSf servum pecus! 

Eis a que apuros de ridículo chegara o fanatismo da imi- 
tação 1 

Em regra, tudo que é systemalico é convenional, e tudo 
que é convencional degenera em mais ou menos falso. Este 
principio, tão verdadeiro em politica e moral, torna-se ainda 
mais verdadeiro e absoluto na poesia, porque a poesia, não 
podendo deixar de se inspirar do elemento humano, tem 
por força de reflectir a actualidade, para que o sentimento 
e a inspiração sejam os verdadeiros fogos que a animem. 
A poesia, diz Edgar Quínet, apesar de lhe chamarem fic- 
ção, tem muitas vezes mais precisão da realidade do que a 
própria historia. Como será possível prescindir do ele- 
mento positivo, do elemenle verdadeiro, na mente do poeta? 
Se cada época não tivesse as suas necessidades de desafogo 
intimo, se cada povo não se sentisse impressionado, segundo 
os acontecimentos da vida externa que o impressionam, nunca 
o talento poético teria produzido Childe Harold, e os poemas 
de Ossian, e de Anlar, três obras que são, duas d ellas a 
imagem épica do viver de dois povos, e a outra a expressão 
vehemenle da lucta interior de um século. Se o principio da 
imitação devesse ser um dogma em litleratura, Dante copia- 
ria Homero, Milton reproduziria Dante, e Camões plagearia 
Milton, e a posteridade, em vez de admirar a Divina Come- 
dia, o Paraizo Perdido e os Lusiadas, teria apenas de ce- 



LITTER ATURA 13 

der á influencia soporifica de uma espécie de Ulisséa conti- 
nuada. Gabriel Pereira de Castro seria o único engenho que 
haveria resolvido o problema dos destinos da poesia. Mas 
isto era renegar a inspiração, faculdade divina do talento; 
seria renunciar a originalidade, a qualidade mais digna e no- 
bre de todos os productos da actividade humana. Era o 
statu quo trazido para os domínios intellectuaes, o que 
corresponde á negação até dos mesmos progressos da scien- 
cia. Para melhor dizer, a escola mythologica dispensava a 
imaginação, o que equivale a dizer que dispensava a própria 
poesia. 

A. arte, como a natureza, não se repete: já o disse ma- 
dame de Staêl. Mas esta máxima, tão verdadeira em assum- 
ptos de imaginação, havia esquecido aos escriptores do sé- 
culo XVII, e até aos mais audaciosos reformadores do século 

XVIII. 

Cousa singular! O século xviii apresenta o espectáculo ex- 
traordinário de uma audácia sem limites nas regiões do pen- 
samento, e de uma excessiva timidez nos domínios da phan- 
tasial Voltaire, que é a expressão prodigiosa d'este duplo 
caracter, como philosopho nada detém a sua analyse teme- 
rária, e como poeta e critico pára diante de qualquer con- 
strucção nova de lingua, toda a imagem arrojada o intimida, 
as próprias audácias sublimes de Corneille o amedrontam. 
Este contraste entre um idioma que empobrece e se despoja 
das próprias galas, e um pensamento que se abalança a tudo; 
esta opposição entre uma imaginação sem azas e sem voos, 
de uma poesia sem ideal, sem amor, sem fogo, que não se 
ergue nem até ás magestosas alturas do culto de Deus, nem 
ás magnificências da natureza animada, e uma phílosophia 
que aspira a transmudar a face do mundo, é ainda um dos 
lastimáveis resultados, não só do génio da analyse, que, im- 
pellido pelo sopro da philosophia materialista, havia esteri- 
lisado as faculdades imaginativas, mas egualmente um resto 
de influencia das doutrinas que aconselhavam a copia dos 
antigos como única theoria litteraria acceitavel. 

O principio fundamental doesta escola resnmia-se na im- 
mobilidade, porque, como theoria, a imitação nas artes, não 
quer dizer senão a negação do progresso. Nas épocas de 
Péricles e de Augusto resumiram toda a perfeição. Fora 
d'estes séculos de selecção, o engenho poético, novo Lúci- 
fer precipitado da mansão dos escolhidos, foi desberdado do 



14 LITTERATURA 

raio da inspiração. A todos que vieram depois só ficou a ta- 
refa de adorar os idolos consagrados, e imitar-Ibes, de lon- 
ge, as graças e os sorrisos, se acaso iiouvesse felizes que tanto 
podessem lograr. 

Segundo esta convicção, parece que a noente do poeta 
se esteiilisára, e que este, timido, pelo deslumbramento 
das bellezas homéricas e virgilianas, ou convencido da sua 
impossibilidade para alcançar produzir obra que se lhes po- 
desse comparar, se ficara de joelhos e mãos erguidas na 
adoração admirativa de taes portentos. O que nos não di- 
zem os sectários d*esla doutrina é se o espirito humano pa- 
ralysou em todas as suas outras faculdades, desesperado de 
poder caminhar mais além. Por acaso, as sciencias, e todos 
os outros auxílios e complementos da civilisação, permane- 
ceriam n'esta desesperança de poderem conquistar o fructo 
das suas largas e generosas ambições? Pararia a humanidade 
eGfecti vãmente? Mas não, que ahi surge a historia, e nós to- 
dos, para protestarmos, com os documentos na mão, com 
os progressos das sciencias, com os progressos das artes, 
e com os próprios progressos, das lettras, contra essa dou- 
trina estéril, á força de mingua de forças, que não é outra 
cousa a humildade com que se prostram os seus partidários 
ante o passado, e a desanimação com que volvem para si 
os olhos, reputando-se incapazes de produzirem melhor ou 
egual. 

O progresso é a lei geral da humanidade, e, como todas 
as outras potencias do espirito, a phantasia poética não 
pôde ter dobrado as azas e abatido os voos. Le monde mar- 
che! é esta a these luminosamente desenvolvida pelo racio- 
cínio vigoroso de Eugénio Pelletan, e todos os dias encare- 
cida pelos exemplos dados pelas forças' renasceu tes da acti- 
vidade do homem. Caminhar e progredir é a vida, a lei e 
a necessidade da raça humana. A mulher de Loth só porque 
se entreteve a olhar para traz, ficou estatua. A paralysação 
do pensamento é como que a petrificação do corpo. X im- 
mobilidade equivale á morte. Este exemplo biblico pôde ser 
a parábola dos sectários do estacionamento nas lettras: vol- 
tados para o passado, e entretidos em admirar os monu- 
mentos do génio antigo, são estatuas no meio da marcha rá- 
pida e impulsiva da imaginação. Dão a lembrar aquelle caso 
de Raphael Riario, cardeal de S. Jorge, que, julgando ser 
uma obra antiga a estatua do Amor adormecido, de Miguel 



UTTBRATURA 15 

Angelo, a comprou por 200 ducados, mas sabendo depois 
que era trabalho do auctor do Moysés (note-se, do immoF- 
tal auctor do Moysés), desfez a comprai... Sao espíritos 
que desconfiam do presente e do futuro, concentrando-se na 
admiração do passado. Estranho culto este, que, para exal- 
tar os mortos, passa por cima dos vivos, despresando-os t 
É com o holocausto dos modernos que sacrificam aos anti* 
gosl O nosso Manuel de Faria e Sousa empregou o melhor 
da laboriosa e encyclopedica erudição que possuía em pro- 
var, no grande in-folio dos Commentos de Camões, que os 
mais excellentes logares dos Lmiadns eram imitados da 
Eneida e dos poetas italianos antigos. Pobre Luiz de Ga* 
mões, se fosse este o teu único mérito I 

O padre Lebossu fez mais ainda que Faria e Sousa, por- 
que tentou sujeitar o futuro das lettras á esta idolatria do 
exclusivismo litterario: arrebatado pela leitura da Ilíada, 
da Odysséa e da Eneida, e notando n*estes poemas narra* 
tivas combinadas de certa maneira, um certo maravilhoso» 
tempestades, e sonhos, formulou uma espécie de receita 
para a composição geral dos poemas épicos de todos os 
tempos e de todos os povos I . . • 

Vejam se isto não era uma monomaoia! 

A imitação é sempre um symptoma de decadência. É ge- 
ralmente nas épocas eruditas, isto é, n'aquellas em que o 
espirito do homem, privado dos favores da inspiração, se 
concentra no estudo e exame dos bons modelos antigos, como 
querendo supprir com o fogo do estro alheio as forças crea- 
doras que lhe fallecem, que predomina este systema. Aris- 
larcho e Quintilliano apparecem muito depois de Homero e 
Virgílio, e o próprio Laharpe começa a publicar o Lycéo 
quando já téem expirado de todo os echos de acclamação 
que proclamam os auctores da Phedra e do Tartufa. 

Estas reflexões que ahi ficam lançadas ao correr da penna, 
não importam o elogio directo, e sem restricção, da escola 
chamada romântica, como aquella que naturalmente se con- 
trapõe ao fanatismo da imitação clássica. Gondemnamos este 
systema, não pelos auctores tomados por modelo, que res- 
peitámos e de quem reconhecemos a utilidade indispensável 
ao aperfeiçoamento da educação litterária, mas condemna- 
mol-o como tbeoria exclusivista ; e se a escola moderna ti- 
vesse por íima imitação servil dos escríptores que são ti- 
dos por seus coripheus, como por exemplo SchiUer, Victor 



16 LITTER ATURA 

Hago, Lamartíne, Manzoni, Espronceda, o duque de Ribas» 
visconde de Almeida Garrett, egualmente a condemnariamos, 
porque em todas as manifestações da arte, a imitação, ele- 
vada a theoria absoluta, produz sempre a morte da própria 
arte e torna-se o cadafalso do talento. 

E n'este ponto estamos de perfeito e amplo accôrdo com 
o que diz o illustre paraphrasta dos Amores de Ovidio, n*uma 
parte do seu prologo. N este notável trecho, assim como 
nos commentarios, apostillas e notas que seguem no corpo 
da obra, reina inquestionavelmente, amenisada sim, e talvez 
envolvida nas graças de uma ironia de espirito eminente- 
mente culto, mas reina de certo uma intenção de polemica, 
em que a saudade dos séculos áureos exacerba o animo do 
illustre escriptor, e o dispõe para despedir não poucas fre- 
chas aos bardos da nova insurreição litteraria, que se téem 
desmandado no culto excessivo dos patriarchas da sua reli- 
gião. Nas palavras do sr. Castilho, os vates foragidos pa- 
recem desafogar, e vingar-se da proscripção a que foram 
votados, palavras que aliás os nossos tempos devem ar- 
chivar, porque as dieta muito saber, e um digno e en- 
tranhado sentimento de amor ás boas lettras. Mas escute- 
mos o grande poeta: 

«A litteratura clássica era universal, era única. 

aJá as águias de Roma tinham desapparecido, e ainda os 
cysnes romanos dominavam por toda a parte. 

ft£m pleno christianismo, a Europa escriptora era ainda 
pagã. 

«Devia chegar tempo em 'que a reacção, por mil causas 
determinada, acabasse com o predomínio. 

Outras idéas, outra moral, outras sciencias, outras insti- 
tuições, e por consequência outro pensar e outro sentir, 
trouxeram novas artes, nova litteratura. 

«Era revolução: devia ser destruidora, ambiciosa, intole- 
rante. Nada do pretérito d'onde saía, tudo para os futuros 
indefinidos que lhe sorriam á imaginação. 

«Como o Capitólio caíra, caiu o Parnaso; como se havia 
proscripto a idolatria, também as lettras gregas romanisadas, 
e como taes encarnadas já em todas as linguas cultas, foram 
postas nas listas de proscripção dos Syllas e Marios da nova 
escola. 

«Deslembrou ou escureceu-se o que essas boas anciãs, 
sempre juvenis, as musas, tinham contribuído para o aper- 



leiçoamento deatas mesinas lioguas : (;aQâemnaram*n'a9 ao 
peior de todos os suppUcios, ao ridículo. Foz-se do Oiympo 
•despovoado om porto fraiico ; sobro as ruíDas do Paottieon 
4ripud)ou-se ao sabor de todas as pbantasias. 

«Gaobou-se mais do que se perdeu? Perdeu^se mais dp 
-que se ganhou? Ganhou^se muiCo, perdeu-se muito. Outro 
século fará o balanço; mas a traaaformação era inevitável; 
^ra providencial; harmonisava com mil outras metamorpho- 
;ses, todas mais ou menos progressivas: acceitamo*la como 
um progresso. 

«Hoje que a primeira febre e os ódios injustos da insur- 
reição estão passados, póde-se já pedir a amnistia para 03 
mates foragidos. 

«Nao são elle$ os parentes e 0$ predecessores dos trovar 
dores e bardos da nossa edade?. Predestinados pelo génio 
mesmo da natureza» para viverem em todos qs tempos, coa- 
^idadãos de todas as gentes» reivindiquem os seus impra- 
:scripliveis direitos de cidade. No meio do estrépito dos alaú- 
des românticos, resoem novamente as lyras clássicas.» 

Resoem embora, acrescentaremos nós, mas como uma 
harmonia pura, que venba unir-se demais aos nossos con- 
certos, e que sirva para lhes segurar a pureza de afinação 
a todos os instrumentos, e não para os chamar a um único 
tom e determinar a natureza dos themas musicaes. N'esse 
ponto è que as lyras clássicas já não podem revocar o an- 
tigo domínio, porque para isso seria preciso transmudar as 
condições especiaes das épocas presentes, que, como bpm 
disse o sr. Castilho, téem outros gostos e predilecções, 0^ 
quaes o illustne paraphrasta de Qvidio acceita como um pro- 
gresso, e acha até providenciaL 

Mas como é que o sr. Castilho, que confessa que esta re- 
volução litteraria se operara pela pedirem outras metamor- 
phoses, todas mais ou menos progressivas, e derivadas de 
aspirações que exprimem e caracterisam o espirito moderno, 
como é que affirma' que a phase poética, inaug.urada de- 
pois, é uma pbase- que se esterilisou na impotência dos seu& 
próprios esforços? 

<cA poesia moderna, asseveramol-o affoutamente (diz o 
erudito vate), já pasce menos do que rumina, ou, se que- 
reis mais nobre comparação, passou os seus dias de traba- 
lho, produziu o seu mundo, viu que estava bom, e .n'essa 
visão beatifica se fiçou.i» 

TOMO 1 2 



lo íjUnttLAttlikk 

É n*TStò qtíe sé niodèiâ os evspíritos ^consagrados, com exã- 
gèfãç3ô qtiasr exclusita, ao eullo das lettras antigas. A poe- 
sia romântica está snjeita a passar por crises de estéril i(ÍNide^ 
ou lethargia, como toda a escala vegetativa e animal as pa- 
dece de hrbernaç3o, mas não se tnSra d'esse facto um es- 
tado compteto de atonta ^ À poesia romântica põde desfatle- 
cer, nlas nSo morre nem se exhanre, porque é veixladeira, 
porque se nutre e íftspíra de princípios activos, porque 
é a expres&fão do nosso sentir e pensar. E é por isto que a 
escola moderna n3o produziu o seu mundo, e, vmJo que 
elle estava búmy se ficou rCessa visão beatífica, como com 
delicadla e eplgrammatica ironia assevera o sr. Castilho. Se 
o fim da escola moderna fosse achar somente uma fófma 
poelíèa, se fosse resolver uma simples e mera questío de 
arte, n^este caso poder-se-hia aflSrmar aíToitamente qué, 
achado o seu mundo, n'essa visão beatifica se ficou; mas as 
tendências, mas as necessidades, mas os intuitos doesta trans- 
formaçSo poética, que ní3o são outros senio om resultado 
das idéas espiritualistas e de liberdade do christianismo, 
combinadas com as tradições da inspiração popular das 
nações modernas da Europa, \^o itíais longe, porque re- 
ceberam raizes das tradições e elementos dos idiomas e 
das litteraturas meridionaes. São as inspirações estheticas, 
filhas da civiiisação christã, actuando no génio dos povos 
do novo Occidente. kO romantismo, escreve Victor Hugo, 
tantas vezes mal definido, n^o é, avaliado absolutamente (e 
é esta a sua definição real), senão o liberalismo em littera- 
tura. Esta verdade foi já comprehendida por qnasi todos os 
espirites esclarecidos, e este numero é grande; e em breve, 
porque a obra está adiantada, o liberalismo litterario será 
tão popular conio o liberalismo politico. A liberdade na arte 
e a liberdade na sociedade, eis o dúplice fim que deve coo- 
graçar no mesmo empenho as intelligencias consequentes e 
lógicas.» 

Flegel explica este impulso de renovação nas artes e nas 
léttras de uma maneira assas metaphysica, mas egualmente 
verdadeira. O desenvolvimento do espirito, àh este critico, 
que por não caber dentro do molde estreito dos sentidos, 
tende a procurar as mysteriosas e elevadas harmonias que 
se combinam com a porção mais pura do nosso ser, é o 
principio fundamental da arte romântica. E é efiectivamente 
este indefinido de ascensão para espheras de perfeição des- 



LITTERATUEA 10 

conhecida, é este impulso interior qne nos eleva a alma nos 
maiores arrebatamentos de uma contemplação qne os sopros 
da melancolia bafeja, como se o véu de trísie/^a da con* 
vicção do nosso nada viesse envolver-vos a imaginação 
nas sombras de uma desesperança infinita, é esta necessi* 
dade, emQm, de desafogo de nós outros, geração abalada de 
profundas e acerbas convulsões moraes, que imprime um 
caracter peculiar na litteratura moderna. 

O espectáculo das perturbações civis, as violentas agita* 
coes que téem trazido calastrophes lamentáveis ao seio das 
famílias, a vida de príncipes immolada em cadafalsos, como 
holocausto de instituições sobre que se ergueu o braço ar- 
mado das revoluções, a lembrança de augustos ínfortuni os, 
parte de uma sociedade politica destruída e deixando do^o - 
rosas impressões, a necessidade de desafogar muita dór mo- 
ral, numa palavra todo este espectáculo de fragilidade hu- 
mana e transformação social resume as causas doestas ten- 
dências peculiares dos espíritos, causas que nunca deixam 
de transpirar na litteratura, como a sua expressão mais na- 
tural e característica- «Todos os tempos são influenciados 
por um espirito e uma paixão, escreve Villemain, no seu 
Curso de litteratura. O espirito, só, opera as cousas triviaes 
da vida activa: e a paixão prepara os grandes pensamentos. 
O espirito impelle os homens que trabalham na scena do 
miundo; e a paixão inflamma os poetas e os escriptores emi- 
Dentes, e os próprios philosophos. A paixão da fé (que esta 
expressão nos seja relevada), o sentimento religioso, elevado 
ou descido até á paixão, dominava a alma de Fenelon e de 
Bossuet, e ambos lhe deveram a sua eloquência. 

«Pois também o espirito religioso, mas tomando outra 
fórma, o espirito meditativo, melancólico, será a paixão da 
nossa edade. As melhores obras da época presente trazem 
comsigo o «cunho d'este influxo. Doesta sorte, o romance do 
Réné, que citamos aqui com intenção puramente philoso- 
phica, é talvez o mais belio livro de imaginação produzido 
de ha meio século para cá. £ porquê? Porque foi um honoem 
de génio que o escreveu, e o mundo todo que o compoz. 
É este o género de originalidade permíttido ao nosso século: 
é a inquietação meditativa, natural a uma civilisação avança- 
da, que se patenteia em todas as expressões d'este drama 
singular. São pensamentos que não tinham sido percebidos 
até então. No século iv (desculpeim-nos estas divagações), no 



20 UTTBRATinU 

século IV notava-se nas obras dos christaos o vislumbre de 
uma paixão nova, de uma insaciável curiosidade dos destinos 
do homem, de um desdém da terra, de um impulso para 
o céu: eis o que se manifesta nas obras de Gregório Nazian- 
zeno e de Agostinho. No fim do século xvni, debaixo de ou-» 
tra forma, é o mesmo desgosto da vida commum, é a mesma 
esperança de uma perfeição desconhecida; é, finalmente, ao 
mesmo tempo a agitação e o aborrecimento, que predominam 
as almas. Parecenos que esta natureza de sensações verda- 
deiras, reaes, não sendo uma paixão de gabinete, se deve 
communicar de certo á poesia, e que nada apparecerá de 
elevado e verdadeiro, nas artes de imaginação, na eloquên- 
cia ou na poesia, que não seja impresso doesto caracter.» 

Q mesmo Cháteaubriand explica este sentimento, que 
Villemain attribue ao espirito religioso, e talvez derivando-o 
das suas causas mais genéricas e próprias. 

a Resta fallar, diz este escriptor, do estado da alma que, 
segundo nos parece, não foi ainda bem observado: é o es- 
tado que precede o desenvolvimento das paixões, quando 
as nossas faculdades juvenis, activas, inteiras, mas compri* 
midas, não trabalham senão sobre si mesmas, sem fim, e 
sem objecto. Quanto mais os povos avançam em civilisação, 
tanto mais este estado vago das paixões augmenta; porque 
acontece então uma cousa assas lamentável : o grande nu- 
mero de exemplos que se nos offerecem aos olhos, a mul« 
tidão de livros que tratam do homem e dos sentimentos que 
lhe são próprios, tornam-nos senhores de todos os segredos 
da humanidade, sem possuirmos a sua experiência. Senti- 
mo-nos desilludidos sem havermos gosado: ainda restam 
desejos, e já fugiram as íUusões. Â imaginação é rica, abun- 
dante e maravilhosa, e a existência pobre, ávida e sem en- 
cantos. Com um coração cheio, habita-se um mundo vasio ; 
e sem termos disfructado a mínima cousa, sentimos o fastio 
de tudo. 

«Â amargura que derrama sobre a vida este estado da 
ahna, é incrível: o coração revolve-se e contrahe-se de mo- 
dos infinitos para empregar as forças que sente serem-Ihe 
inúteis. Os antigos conheceram pouco esta inquietação se- 
creta, esta acerbidade de paixões suffocadas, que fermenta 
todas juntamente. Uma larga e tumultuosa existência poli^ 
tica, os jogos do Gymnasio e do Campo de Marte, os acon- 
tecimentos do Fórum e da praça publica, preoccupavam-lhes 



LITTERATURA 21 

todos os momentos e não lhes deixavam logar nenhum a 
esta enfermidade do coração. 

«Por outro lado, os antigos também eram inclinados ás 
exaggerações, ás esperanças, aos temores sem termo, á mo- 
bilidade das idèas e sentimentos, á perpetua inconstância 
que não é senão um desgosto constante, disposições que 
nós adquirimos na sociedade das mulheres. Ás mulheres, 
independentes da paixão directa que originam nos povos mo- 
dernos, influem também nos outros sentimentos. Ha na sua 
existência um certo abandono que ellas transmittem á nossa : 
tornam-nos o caracter de homem menos decidido, e as nos- 
sas paixões, enfraquecidas pela mistura das suas, adquirem 
alguma cousa de incerto e de terno.» 

É exactamente* este o caracter e a origem do sentimento, 
a que outros diamarão paixão romanesca da nossa época. 
São estas as suas causas, são estes os seus efleitos, effeitos 
exacerbados pelos desgostos de uma existência enlutada de 
grandes catastrophes publicas, e transformações sociaes. 
Este vago de paixão, este fundo de tristeza indeOnida, este 
esvoaçar de esperanças sem norte que as bafeje e enflore, 
que é um dos essenciaes característicos da poesia moderna, 
encontra-se nas obras todas ^do auctor do Génio do Chris- 
tianismo, e é uma das suas mais profundas personalidades do 
sentimento moderno, porque Cbâteaubriand é ao mesmo 
tempo o poeta, o nobre, e o partidário das instituições mo- 
sarchicas que, no meio das ruinas da revolução de 1793, 
busca o refugio da solidão dos sertões do Novo-Mundo, 
onde o espectáculo grandioso dos aspectos da natui-eza pri- 
mitiva, d'essa reproducção continua da imagem do inflnito, 
lhe ensina os elevados destinos moraes da humanidade, e 
grava na mente as figuras homéricas com que, nas horas 
solemnes de recolhimento e fé viva, elle levanta a sua ma- 
gnifica epopéa religiosa! 

Lamartine é o mesmo. A meditativa e suave inspiração 
da sua musa chrístã pôde comparar-se á lâmpada do san- 
ctciario, que arde ainda por entre os restos dos mosteiros de- 
molidos pelo furacão revolucionário. Disséreis aquelle seu sus- 
pirar o génio da tristeza, que scisma sobre os estragos dos 
desatinos humanos, e converte todos os enthusiasticos voos 
da alma, e as próprias palpitações do coração, (^ hymnos 
de glorificação á divindade infinita. Sempre este lyrísmo 
que a saneia e casta unção da musa do christianismo puri- 



22 UTTERATCmA 

fica, que o sopro ardente das tradições patrióticas enche de 
saudade, e que os transportes das paixões da vida animam 
de palbeticos dramas. 

Victor Hugo também vem reunir-se a esta familia de ge« 
nios que personificam e traduzem as angustias e os desejos 
do século presente. N'elle é a existência, com todas as suas 
tempestades e bonanças, que se retrata e palpita nas estro- 
phes do poeta, e o investe da tríplice missão de interprete, 
evar^elisador e apostolo do seu tempo. 

E n'esle s^^nlido quanto errados andam aquelles que cha- 
mam ao romantismo um sentimento moderno ! Onde houve 
homem que soíTresse, onde e^cistiu coração que ardesse 
n'um aSecto puro, onde appareceu tradição patriótica que 
iaflammasse o animo nacional, onde se viu a imaginação po- 
pular crear uma mythologia legendaria, ahi se ateou este 
suave angustiar da alma, esta visão esplendida do futuro» 
este contemplar saudoso do passado, este sentir acerbo dos 
destinos da humanidade. 

Se n'outras eras o romantismo não formou escola, se não 
conseguiu determinar uma face característica, foi porque a 
isso se oppoz o predommio das lettras académicas. N^essas 
eras, a poesia deixava de ser nacional para ser mythologica. 
Mas toda a vez que o génio nativo pôde desaffogar livre, 
appareceram os cânticos dos hebreus, muitos dos quaes a 
liturgia christã aproveitou; appareceram as sagas poetisadas 
pela phantasia lyrica dos scaldos» como no Coiéto de Ragnar 
Ladbrock, 6 o Canto fúnebre de Haktm; appareceram aS 
eddas da antiga Islândia; as tradições runicas entoadas em 
canções pelos bardos scandinavos, e as lendas caledonícas 
cantadas por Ossian ; appareceu o poema de Niehlun§em, os 
poemas cavalleirosos do rei Arthur e da Tavola-redonda, o 
Canto de Roldão, todos os outros poemas cyclicos de Car- 
los Magno e o romanceiro do Cid ; appareceram os fragmen- 
tos dos bohemios; o Robín Hood dos anglos saxonios; as 
lendas dos serbos, e toda a vasta e amorosa plêiada de me- 
nestréis e trovadores provençaes da edade-media, desde Be- 
trand de Born até ao conde de Poitiers, entrando n*este nu- 
mero de apaixonados alaúdes o do rei Alfredo, que entra dis* 
farçado de menestrel no campo dos dinamarquezes, e At* 
cardo Coração de Leão, que encosta á janella da prisão a 
sua harpa de trovador, como diz com enthusiastica saudade 
um historiador d'essas épocas de poesia, de gloría e de amor. 



£ ainda aiém da edade-media» nas evM. aiitig«a, oas ema 
bíblicas» o Bentimento i:om0nlico se.maDífe^ta^ Job. (jdoi&ap- ' 
4ú-se de sees Infortúnios, ecú^ tristeza fíio tQin copsolaçâo» 
é o primeiro romanlíco da antigoidadis. 

O santo rei David, quando do alto do Gadron deplora $p- 
bre as cordas plangentes do sen psaUerio« as desgraças da 
filha de Sião. apparece-nos de certo como o primeiro geoip 
inspirado doesta patlietica familia de poetas elagiacQs» de qae 
o aúctor das Medi(açõe9, séculos depois^ é^^o glorioM^ sqo 
'Oessor. . 

E não será Izaias, esse génio trtsie e fatídico» que fu)iQioa 
^ impiedade do povo hebreu com os raioa da $w ^loqueo^ 
<}ia inflamaiada de imagens que nenhum esiylo lop^erno. fen^ 
excedido, não será o peeta terrivel que Qoa annuocia já a 
'^rojado e propbelico auctor da L^gendán dos Séculos? . 

£.lod(te os outros proplietas que são $efi30 outros ta^toa 
românticos, na accepcão mais esp^iritoalisla e Apaixonada da 
palavra? 

£ quando se léetn as phrases do religiosos q/m^ Pfsrgqn* 
tado pelo emprego que fuera da ^ua Içsnga solidão^ ri^pp^nr* 
4e : Cagitmi dies antíiUos, et c^nuQS mtsvnQ^ in menta ^C* 
bui. Dão «e abre ui» infinito diaqte dQ pM$a,miQnto^'É a 
inspiração romântica accesa pelo jsentjflAento religiQW. 

Mas em muUos ão$ escriptos- doa. saoios padres n^^a 
mais se ibanifesia este sentimento com o caracter ideai e 
e6(Mritualista que lhes mfirmm a$ luctaa da fói com os W 
pulses lAquietoâ da curiosidade que interroga a nossa dupla 
€ mysteriosa naiureaa^ duvidas <|ue a fé acaba por/iaCffícár 
« converter em hymnos de adoracãp. Nem Bp^SMOl, nefln 
Boordalde &o isentos doestas incertezas, áqnáQ depois saem 
<Dai8 triumphantto em suas crenças religiosas. 

Mas seja um .luminar da eloquência chrístã, no quarto seca* 
to, .«(lie nos proporciooe a exemplo d e^ta ideaUsmo. Seja Sf 
fincgorio Nazianzeno, o arcetbispo de Gonsiiantinopla, quando^ 
€em Qcoraçao a trasbordar de amarguras, jái longe do fiau^to 
ém cortes e das intrigas dos ooncilips* pccupadQ: unicamente da 
«cultura de um jardimi volve de novo i paii^aq pr^ilecta dp 
poetar, ^ue tanto Ibe bavia enflorado dQ.dí|c^nlos os prir 
meiros diuis da mocidade. Estas poesias sâo verdadeira^ (pa- 
ditagões religiosas. Q^^ suave e meiga melancbolía nfiOF^p^ 
pir^ esta, de que abi trasladamos o segijiinte trecho! 
.'4itoatem, aiorfioentado de meuspesarea* achí|va-me as^irár 



24 LfTTEftATUItA 

.tàdô á sombra de um bosque umbroso, só e devorando meu 
coração; porque no cAmuio de meus males, acho lenitivo 
em conversar no sacrário de minha alma. As brisas da tarde 
misturadas com o trinar das a^es, derramavam um doce 
somno do alto da copa das arvores, onde os rouxínoes can- 
tavam, alegres com os últimos raios do sol, que estava a 
desapparecer. As cigarras occoltas debaixo da herva, fazjam> 
resoar toda a selva: um regato limpido me banhava os pés, 
cotrendo suaveibente atravez do bosque, que refrescava. Mas 
eu não sentia senão a minha dõr, e quasi não altentava n'este 
j^ainel da natureza, porque, quando o animo está ferido 
de angustias, debalde o prazer o disperta. Do turbilhão 
éa minba alma agitada, deixava eu escapar estas palavras 
que se combatiam: «Que tenho eu sido? Quem sou? Que 
virei a ser? Ignoro-o. Nem m'o podorá dizer aquelle que 
86 reputa mais sábio que eu. Envolvido em souEibras, va- 
gueio por aqui e por alfi, nada profundo, nem mesmo o so- 
nho dos meus desejos, porque a mente se anniquilta, tanto 
què a perturbação dos sentidos pesa sobre nós;, e aquelle 
homem que parece mais sábio que eu, talvez se deixe illu- 
dir pela mentira* do seu coração. Mas, em summa^ que soo 
eul Porque, emflm, o que eu era desappareceu de mim, & 
boje sou outro e bem differente. 

<E que s^ei amanhã, se existir ainda? Nada de duratel; 
porque eu passo e me precipito, como o curso de um rio. 
Dize-me, se julgas ser mais que isto, e, detendo-te aqui, olba^ 
antes que eu me dissipe de todo. Não voWem duas vezes 
as mesmas ondas que já passaram : não se torna a ver o 
mesmo homem que uma vez se viu.» 

Aqui temos, pois, o sentimento fundamental da escola 
moderna n^esta mistura de pensamentos abstractos e sensa- 
ções intimas, n'este contraste da inspiração das perspectivas 
da natureza com as inquietações de um peito atormentado 
pelo enigma da vida. São de certo estes os froctos de uma 
poesia contemplativa. É n'estas tristezas do homem que se 
engolpha no abysmo de tão penosas cogitações ; é n'esies 
TÕos de um idealismo desconhecido dos poetas antigos, por- 
que tem por ponto de partida e por alvo os dogmas de uiaa 
religião que não eram os d^elles, e que nos abrem um fa* 
tttro de immorlalidade, de recompensa ou de condemnação 
eterna; é emSm em toda» estas aspirações, jdéas e arreba*»^ 
ttinento^, que a Índole da nova^eseola tem \um vantagens 



LITTBRATUKA 2S 

r^eonhâcída UàbvQ a sua rival, porque» n'este pojito, o ro- 
maBtbmo vive eom a humanidade e é ^expressão ardenle 
de uma religião ç^piritualista. 

E' 03a baverá n^esias hesitações das meditações de S. Gre- 
gório, sobre a instabilidade dos nossos dias, e acerca do fu- 
turo de uma vida melhor, já um anciado desabafo de me- 
lancholia, que Gilfoert exprimiu, quasi da mesma sorte, pas- 
sados séculos? 

Au banquet de la vie, infortune convive, 

.J'apparus un jour, et je meurs. 
Je mèurs... et sur la tombe oú lantement j'arrive, 
' . Kul ne viendra verser des pleurs. 

Àdieu, champs que j'aimais, adieu, douce verdure, 

Âdie»^ riant exil des bois, 
Ciei, pavillon de Thomme, admirable aature, 

Âdieu par la demière fois ! 

Assim vemos que as sentidas elegias do desditoso Mille- 
voje, La chute des feuitles, Le bois détruit, Le poete mou- 
rant, Larabe au tombeau de son coursier, são lamentos, 
são incertesaS) são. inepirai^s e saudades que já a musst de 
otttros tempos arrancava do corado e da mente a outros^ 
QaDtora&. 

. E máim oqs almas bafejadas pelo sopro do cbristianisooip 
a pbaníasia poética levanta esta natureza de voos; debai^a 
doNproprioiofluxo.do potytheismo» o^nio dos philosopbos 
e dos poetas, doestes philosophos pelo pensamento e pela 
coraoio» se< maflifestaifii' €sias tendências irresistíveis. Soera- 
t^e Rlatão, se fisessem versos, poetariam como Yictor Hugo 
fi. iamartine. :: . 

O pro^^río Vipgilio, esse. génio naturalmente grave, serio 
6. meianòoilico, presagia este sentimento espiritualista nai sua 
^gloga it^, á memoria de Galius* , tio apaixonada» e na qual 
desabafam já os lamentos do auctor da infortunada Dido; e 
m egloga aiPoUion, tão religiosa e sjtbíHiQa, q«ie prognos- 
tica egualmeote as bellezas severas e sagradas do vi livro da 
Emiáa. . 

B ^ episodio ãBí líedéa de Apoílonius, de que Virgilio se 
inspiroQ jpara a creaçâo da sua Dido» assiim como da Ariadna 
deGatuHoi nS^.apresieiíta também verdfadeiros relan^os da 
paiK8ô iinodema, e. até já, um vago e iad^Soivel fundo de 
«ei^ibilidaâe, <}ualidade qoa» estranha. nos antigos?! . 

£ tm S6ná libaUo, o mais affectuoso poçta latino» depois 



26 LITTERATtnRA 

de Virgilio, um coração melancólico e apaixonado* como Ber^ 
nardim Rib^ro, Beftin ou Malfiaire, quando dirige á siiat 
Delia estes versos repassados de temurav noíV iquaes-íftaò 
pedia para si seh^ uma choça e a pobreza, ntisturando Do 
ideal da sua illusoria ventura estas imiagens agrarias? 

Ipse boves, mea, sim tecum modo, Deli^t possinjL- 

Jungere, et íq solo pascere monte pecus ; 
Et te dum liceat teneris retinere lacertis, 
Moilis et inculta set mihi somnus humo ! 

E que sentiniento mai;$. romântico nos pòdp offerecer a 
actualidade do quo os ancores de Catullo com a sua Lésbia! 
Como que se presente a inspiração seutimental, mas que 
não exclue o império dos sentidos, de Alfrçdp de Musset, 
n'este pensamento do lyrico latino: 

Quum desiderio migo niteali, 

Nesçio cjuid carum lui)eyocari, > 

Et sollatiolium sui doloris. ' i 

Â(p3i temos, portanto, o sentimentov a inspiração romaria 
tfca, influindo até no coração e no espirito do* poeta. B se 
este sentimento existiu sempre, e ainda mesmo nas prop^MS 
ena^ do predominio do paganismo, como querem qae na 
actualidade, que as disposições do animo pioetíco o alimen- 
tam,, athahe elle o sm mimdo é se ficasse n'essa vis(U> f^ea* 
tificaf ' 

Não flcou de cerio, porque o esfpíritualísmo e o amor» 
poeáia cujas fontes brotam ambas da aima, são as éter* 
nas e características inspirações da musa moderna. E èm 
quanto o coração do homem palpitar, :6 á meote afcfra- 
sada lhe arrebaftar essas palpitações ás regiões infinitas do 
ideai, a poesia romântica ha de existir; ser fecunda e uni* 
versai. 

As palavras de VlUemain, (aliando de Os^ian, $2ío <;oiaa 
â suprema sancçãoque nòs poderemos procurar a esta af> 
firmativa. «E qual é a lição de gosto que sáe doeste eiam^V 
pergunta o illustre critico. Êò conhectiÉento da necessidade 
H&e a litteratura seja naciohal e contemporânea Bm toda$ as 
^as tentativas;' Quando mesmo, para i Iludir o goslo dos 
còntemporaneds, a imaginação basca uma flc^o longiqua* 
quando se transforma, se disfarça, e occuita debaixo de uma 
folsâ apparencia, é. pelos aooidentes actmés que agrada e 



UTrEKATmA. tt 

consegue ser poderosa. Fugi, pois, da imilação; fugi da lit- 
teratura falsa e artificial; sede do vosso tempo pela vida e 
pelas sensações, que também haveis de merecel-o ser pelo 
talento. Sede homens antes de ser escriptores.v 

Aqui temos uma grande opinião, que, em breves palavras» 
resume e decide a questão. Sede homens, antes de ser es- 
cripíores. Esta sentença abrange tudo que se pôde dizer em 
abono da escola moderna. 

Âpproximemonos, porém, agora do assumpto que moii* 
vou estas considerações. 

Ovídio é o cantor de todos os prazeres da vida, e, prin- 
cipalmente, do amor, mas do amor lascivo, que se ateia e 
apaga na satisfação dos estimulos sensuaes; amor como O 
sentiam os romanos, e ao qual a Grécia, nos voos lúbricos 
da sua imaginação voluptuosa, havia creado um culto, er* 
giiendo-lhe templos em Amathonta, Lesbos, Paphos, Cy* 
thera e Gnido. 

Porém, Uvidio, génio fácil e abundante nas Heroides, pbait* 
tasia opulenta e inventiva nas Meiamorphoses, tornára-se 
QH)notono e plangente nas Tristezas^ e por isso com rasão 
disse Gresset : 

Jc cesse d'estiiQer Ovide 
Quand il vient, sur des faibles toos, 
Me chanter, picureur insipide, 
De longnes lamentations. 

É na Arte de Amar, e, sobretudo, nos três livros dos 
Amores, que este fecundo engenho poético accumula os the** 
soaròs da sua imaginação e encontra os assumptos predile- 
ctos das inspirações d'aquella formosíssima musa erótica. 
Sem possuir a paixão de Propercio, nem a sensibilidade e 
a elegância concisa e conceituosa de Tibuilo, o seu eslylo^ 
eom particularidade n'esta obra, que é da sua mocidade, 
possue a espontaneidade, a frescura, a florescência da edade 
em que as illusões nos sorriem e desabroxam com a aurora 
da vida. Os Amores são a historia do mancebo, CQJos dotes, 
que tão perigosos foram para as mulheres do toa tempo, 
predíspozeram as aventuras de que depois a pbantasia do 
poeta formou quadros formosos de graça e voiuptuosidade, 
mas a historia do mancebo que, ainda em annos impúberes, 
perscrutina e explica já os arcanos do peito feminil, o que 
(as que Marmontel assim o appellide: 



28 LITT^RATURA 

Enfaut gâté des muses et des grâçes, 
De leurs trésors brillant dissipateur, 
Et des plaisirs savant législateur. 

 expressão do amor, nos poetas antigos, não a idealísa 
o perfume da castidade, nem a eleva o sentimento do pu- 
dor. E a rasão é porque a mulher, no seio da civilisação 
d'aquellas sociedades, apresenta-se meramente como um in* 
slrumento de prazer. Esta consideração, aprofundada, resu- 
me talvez a analyse da existência moral e social do povo 
grego e romano; porque, no modo porque era avaliada a mu* 
Iber, estão implícitas, mas quasi incluidas, as teis das so- 
ciedades pagãs, e os princípios dós seus cultos polytbeis- 
tas. 

A ausência da castidade no amor é o primeiro indicio 
das civiiisações e litteraturas que o christianismo não puri- 
ficou. E não só em épocas antigas, senão em modernas. 
Não tratando das poesias e outras obras com que Anacreonte, 
Horácio, Apuléo, Petronio, Marcial, Memmio, Cinna e o pró- 
prio Virgílio consagraram as maiores torpezas de lubricidade 
e os costumes devassos do seu tempo, os próprios cantos 
amorosos dos poetas pagãos, antigos e modernos, como Oví- 
dio, Catullo, Propercio, Chaulieu, Panard, Parny, Bertin e 
Pyron, estão bem longe de respirar o delicado e modesto 
recato, a pudica reserva, que é como a urna de alabastro 
que, sem o encobrir, envolve na suave e mysteriosa penum- 
bra dos receios e esperanças o amor, e o conserva rodeado 
dos arcanos e perfumes, sem os quaes este sentimento fica 
sendo um instincto animal. 

É difficil, diz um grande pensador moderno, convertendo 
n'uma ironia amarga a verdade doesta observação, é difScíl 
exprimir com mais engenho o que sentem os brutos; e é 
de certo para que se reconheça a differença que vae dos 
seus amorets aos amores dos animaes, que aquelles amáveis 
estylistas fizeram elegias. Chegaram a converter em sciencía 
o que ba de mais natural no mundo; e a arte de amar é 
ensinada por Ovídio aos pagãos do século de Augusto, e 
pe|o Gentil Bernard aos pagãos do século de Voltaire. As 
sociedades polidas, mas idolatras, de Athenas e Roma, igno- 
raram a celeste dignidade da mulher, revelada tempos de- 
pois aos homens [)or Jesus, que a eternisou nascendo de 
uma filha de Eva. E por isto que o amor, n^estes povos, se 
dedica unicamente ou ás cortezãs ou ás escravas; e as mu- 



LITTERATURA 29 

Iberes, nos poemas dos vates mais celebrados, n3o possuam 
a elevação, e ideal, não as cinge nem d'ellas irradia aqueila 
auréola de prestigio que lhes dera a consagração do senti- 
mento e a phantasia do espirito christão. Nenhuma d'essa6 
Delias, Gynthias, Lycores, Lesbias e Némesis, amáveis cred- 
turas que a imaginação sensual da antiguidade nos apresenta 
como o encanto de todas as seducções da voloptuosidade, 
nenhuma d'ellas nos apparece inundada de luzsuavissioia 
6 fulgurando-lhes na fronte a estrella da immortalidade, que 
o amor puro, ardente e espiritualista do Dante, do Tasso 6 
Camões accendeu na fronte de Beatriz, Leonor, e Gatharina 
de Âthaide. <Se exceptuarmos (e servimo-nos aqui de um 
trecho do próprio sr. Castilho, publicado como introduoçSo 
a algumas odes de Anacreonte, no Archivo Pittoresco, e ad- 
«duzido pelo seu erudito commentador), se exceptuarmos 
c(diz elle) a Ândromacha e a Penélope de Homero, alguma 
€scena de Sophocles, o inspirado iv conto da Eneida, o 
«episodio de Ceyx e Alcione das Metamorphoses, um pouco 
«de Tibullo, e quasi todo o Proserpio (quanto a nós o unieo 
«apaixonado amante de toda a antiguidade); se exceptuarmos 
«estes, os poucos mais, que rasgam como relâmpagos a pro- 
«funda noite do materialismo polytheista. o amor, nâo indi- 
«gno de se o£ferecer, o amor fino e delicado, o amor dos 
«Lamartines e Hugos, não era ainda conhecido nem futu»- 
«rado.» 

£ como não havia de acontecer d'este modo, se na mo* 
Iher, envilecida pelas instituições sociaes, se operavam todos 
os effeitos doesta causa, que resumia a sua degradação mo- 
ral? «As mulheres (servimo-nos aqui de uma das excellen- 
tes notas do sr. José Feliciano de Castilho, á obra de sea 
«illustre irmão), as mulheres, por tal guiza tratadas, tão 
«pouco se não récommendam por sua moralidade. Por uma 
«Cornellia, veneranda mãe dos Gracchos, que somente da 
«pecha de ambiciosa pôde ser censurada ; por uma Octavia, 
«excellente irmã de Augusto e mãe de António, ostenta-nos 
«a historia uma Servilia, mulher de Lucullo, expulsa por 
csuas devassidões; uma filha de Silla, casada com Milão, e 
«por este surprehendida com o historiador Salustio, que é 
«condemnado a uma pesada muleta e a ser fustigado. Catão 
«repudia sua mulher, por indigna; cede outra para enrique- 
«cer. Suspeita-se que Tulliola, filha de Cicero, tem relações 
«criminosas com seu próprio pae. Mucia^ mulher de Pom- 



3D LITTERATURA 



fipeo, irmã dos dois Metellos» perde todo o pudor. Saxia, 
«enamorada de seu genro, faz-llie repudiar sua filha e vive 
«eom tílle como sua mullier, depois de ter ciiegado ale o 
«parncidio. A irmã de Clodio, ainda creança, presta-^se ás 
cincestuosas caricias do irmão, casa comMetello, e conserva 
iícora Celio, a quem empresta diniieiro, relações vergonho- 
tsas: temendo que este a invenene, crta-o perante a justiça, 
«6 abi se mencionaram publicamente as infâmias d^ella e os 
«l^anhos que ella mandava preparar em seus jardins, a Gm 
«de melhor escolher entre a numerosa juventude que ali 
«concorresse t Marco António conduz em triumpho, no seu 
«carro, a prostituta Cytherida, saída dos prostibuios de 
Roma, etc. 

' «Dos poetas eróticos facilmente se sacaria a hisioria da 
«arte do prazer, em que eram mestras as bellezas romanas 
.«(Vide Bolliger, Sabina, ou a manhã de ufna dama romã- 
tna, Leipsíck, 1806. allemão). De noite, punham no rosto, 
«para lhe conservarem a frescura, uma cataplasma de migas 
«de pão ensopado em leite e agua ; as escravas, incumbidas 
«dos pormenores do toucador, passavam horas esquecidas 
«a caiar e pintar o rosto da senhora, e a suavisar-lhe a peite: 
«punham-lhe os dentes que faltavam; tingiara-lhe de verme- 
4n\ho ou preto as sobrancelhas e os cabellos, segundo a mo- 
«da; adaptavam-lhe uma cabelleira ou crescente de alem- 
«Rfaefio, tirada da cabeça de uma mulher sycambra. Occu- 
«p»va-se uma escrava a encaracolar os anneis dos cabelios, 
noutra a perfumal-os, a terceira a adornal-os com flores ou 
«com os longos alGnetes; mas pobres d^eilas, se a senhora* 
«mirando-se ao espelho de prata polida, acha que dissimu- 
«laram mal os seus defeitos, ou não fizeram sobresair bas- 
«tante as suas bellezas I não só a fidalga as arranha e mor- 
«de, mas tem á mão um comprido alfinete com que espi- 
«caça o seio nú da escrava infaabil ; ás vezes mesmo ordena 
«ao escravo incumbido dos castigos (lorarius) que suspeuda 
«pelos cabellos a culpada, e a fustigue até a senhora, enfa- 
«recida, dizer: bastai 

«Emfím, eisahi a janota romana penteada, untada e apa- 
«mada; tem as unhas cortadas; acaba de lavar no leite as 
«mãos e de limpai as aos cabellos louros de um escravo mo- 
«ço; traja o vestido de matrona, de fazenda de lã branca, 
«bordado de franjas de oiro e de purpura. Tem, é verdade. 



UTTSaATmA SI 

«túnicas de variadas cores, mas guará jhas para as suasex- 
ccorsões Docturaad» quando se Ibe mette em cabeça vagar 
cpeltis ruas de Roma, para que os rapazes a iomem pdr 
cafBa liberta ou níulher da vida airada. Oòbrem-na 4e pia- 
•frAlas 6 pedras preciosas» dâs rakihas estrangeiras; o qm 
«fiiz dizer que só tíma mulher traz sobre si um património. 
«Cada um dos dedos (excepto o do meio) vae carregado de 
«ânnets, que variara segundo a estação (tudo isto talvee mer- 
«cado ao preço da honra). Embrulhasse emflm no seu manio, 
«6. tá sáe, levada n'uma liteira por oito robustos escravos, 
«i|ue elia mesma escolheu no mercado; duas escravas mo- 
scas vão ao seu liado, levando páro-sees de cauda de pavão; 
«e no encalço dois rapazes com coxins. 



«Se nos causa espanro vermos os athenieoses conduzSlrem 
«isetrs Alhos e muJteres a aprender o bom tom na morada 
cde Aspasia» menos não deve assombrar-nos observar que 
«as matronas romanas protegiam as meretrizes, e conserva- 
«vam junto a si, sob o mesmo tecto, as qbe ibe corrompiam 
«imariâo e fllboB. Estas matrona^s (brada uitla nolulber per- 
«dida bm certa comedia de Planto) querem que nós precise- 
€fi(ios d'diãs; se a ellas nos chtgtmos, logo nos arrepende- 
rmos: em publico são todas mel para nós; apeúas viramos 
€€08tús^ aqui d^el-rei que somos libertas. i> 

«Basta. Este quadro da romana de Augusto, tâo outra da 
.«sua avó Sabina, prova que a mulher d:'essa sociedade, des- 
«présada- e despresivel, menos fonte que ludibrio da raça 
«humana, não fim mas instrumento, despojada de toda essa 
«aíureola de pudor e grandeza que o cbristianismo lhe res- 
«lituiu, aucíoKs^va, em vez de um cúltò respeitoso e sin- 
«cero, desatterições e menosprêso; e que, se lhe arremeça- 
-(tT&m floreé, erartí malniequeres e não amores-^perfeitos; 
^eram espinbos sem rosas, e não rosas sem espinhos: N'essa 
«época tudo era gtande; os vicios como as virtudes. 

«Se d'isito vos convencerdes, achareis qde Ovidio não me- 
«rece a geral íibpu;taçã() com que o opprimem; ha muitas 
«vezes nas suas palavras uma suavidade, uma cortezia, um 
«perfume, que alembra o sentimento cbrístão; mas se, mãiis 
^frequente, revela desestima ao sexo, é essa, não sua, mas 
«da sociedade e do tempo em que surgiu. i> 



32 LttTBftATDlIA 

Esta mesma consideração nos acúdio ^emf>re aaier 0^- 
dio. Ovídio, posto que, cedendo ao influxo; d^esfta socieda- 
de do tempo de Ângusto, a mais libertina e devassa de to- 
das as sociedades, mostra-se, nSo ha duvida, um espirito 
delicado e elegante; e, convidado pelos impoíâos de galan- 
teio, em que era mestre, e aproximando-èe instinctivamein- 
te de séculos mais polidos pela força virtual do seu génio 
que o impelle para épocas de mais nobre e generosa apre- 
ciação moral, manifesta já uma finura de sentir que não era 
a <!ommum do seu tempo. No entanto, a não ser GoriniMi, 
que é em seus versos a p^sonificação da belleza amável, 
todas as outras mulheres dos três livros dos Armres^ a <:aii- 
dida Pitho, a loura Chio, Lésbia, Cypasse, e Naripe,: são «or- 
tezãs e escravas, mercado íàcil de impudicos desejos. 

Porém, mesmo por este caracter especial, a obra de O vi- ' 
dio não se nos apresenta unicamente- como um viçoso .ra- 
malhete de pequenos poemas, senão Gomo uma galeria de 
quadros, em que os costumes descompostos da sociedade 
romana são patenteados, de véu erguido, e com o coBorido 
ardente d'est&s scenas de impudor; e foi esta natureza de 
assumptos que obrigou o sr. Castilho o uma páraphrase; 
porque, diz elle pela boca de seu erudito irmio, o sr. imè 
Feliciano de Castilho, obras taes como as Metamorphoses e 
os Factos, devem ser traduzidas, e as como -os Amores, pa- 
rapfara$eadas\ 

Mas de certo não será esta a opinião dos idotatra^ dasie- 
trás clássicas, que vêem um sacrilégio ém tudo (|ue nid seja 
conservar, com religiosa fidelidade, no ^ppirito e ria fóima, 
tudo que produziu o engenho poético d^aquellàs eras. Eiioí 
inquestionavelmente dominado dos mesmoís princípios de 
respeitoso culto, que o illustre paraphrasta nos fliz no pro- 
logo: «não ha licenciosidade na litteratura latina, cpie se não 
-possa ler em todas as línguas da Europa; já. em» verso, e já 
mesmo em prosa, sem disfarce nem Todeios.í> .Asserção tal- 
vez audaciosa; porque, se se pensou assim, comoi se. enten- 
deu ser antes conveniente a paraphrase? 

Os críticos píchpsos e chicaneiros acharão porvBàfura con- 
tradição n'este ponto, e ainda mais quando o sn CastiliK> 
diz affoutamente, que menos lhe importou o mmo Ovidio ti- 
nha concMdo e expresso o& seus amores, do que o como 
os expressaria, se a nossa fora a sua linguagem e os; mos 
e gosto litterarios de então os mesmx>8 que hoje sãò^» 



UTTERATURA 33 

NÓS applaodimos um tal systema de interpretação, visto 
(fne elle nos deu t3o prodigiosos' resultados de metrificaçSo 
lyríca, e por isso reconhecemos com sobejo direito o nosso 
poeta de chamar ás elegias do vate sulmonense as minhas 
canções ovidianas, e estamos até tentados a confessar» sem 
adulação, que mais feslejamos estas do que aqnellas, posto 
que nos custe a atinar (dizemolo com sinceridade) o como 
Ovidio, pagão e do século de Augusto» conceberia e expres- 
saria, n'estes nossos tempos de sentimentalismo, os seus 
amores, e a conseguiUo, como seria que o amante de Go- 
rinna, assim amodernado, nao se nos apresentaria muito 
outro e demudado! 

Todavia, foi n'isto que se revelou a virtude, o dom es- 
pecial do talento do sr. Castilho. Ovidio foi cingido e ador- 
nado de novas galas pelo seu illustre paraphrasta, e com- 
tudo nâo ficou outro nem demudado; e a explicação é fá- 
cil. O sr. Castilho, que por aquelle systema com o qual Theo- 
philo Gautier adivinha nas tendências Fitterarias e artislicas 
a pátria intellectual dos grandes talentos, e acha que André 
Chenier é grego, Victor Hugo hespanhol, e Ingres florenti- 
no, por esta nova metempsycose o sr. Castilho 6 romano, 
e romano do bello século de Augusto. Foi á sombra das ri- 
sonhas veigas do Tempe. em grata palestra com Virgílio e 
Horácio, Propeicio e Tibullo, que o auctor da Primavera 
sentiu desprenderem-se-lhe e aclimarem-se-lhe os primeiros 
v6os da imaginação. Cuida elle haver transportado Ovidio 
para estas nossas épocas, quando é Ovidio que o retém 
abraçado, e o conserva assim n'este dulcíssimo amplexo de 
intimidade espiritual, como a um de seus irmãos mais pre- 
claros d*essa estyrpe immortal de poetas do Lacio. 

E que importa que na forma, no apanhado das roupas, 
na disposição das galas, se procurasse, nos formosos qua- 
dros dos Amores, a elegância moderna, se o pensamento 
foi sempre respeitado, e apenas velado de ligeiras e diapha- 
nas roupagens, quando a decência o exigia? 

Mas nem mesnio assim os idolatras da antiguidade per- 
doariam ao sr. Castilho, se elle lhes não tivesse dado já bri- 
lhantes e aoctorisadas provas do quanto ama todas as pro- 
ducções do engenho antigo, conservando-lh'o intacto qnasi 
na essência e forma, nas Metamorphoses, nos Fastos, e ago- 
ra na Arte de Amar. Estas versões s9o um modelo de fide- 
lidade. Tanto o poeta como o philoiogo se comprazem em 

TOMO I " 3 



34 UTTERATURA 

contemplar n^ellas, o philologo mais um monumento, que 
trazido para o nosso idioma, com a religiosa solicitude com 
que o archeologo transporta para a sua pátria uma voluta 
ou um cypo do Parthenon, nos proporciona a presença mais 
proKÍma e nossa de uma obra indispensável na vasta fabri- 
ca da historia litteraria; e o poeta um modelo, onde, coili- 
gídas, deparámos com as infinitas bellezas que soube crear 
e inundar de viva luz o estro dos antigos. 

£ por isto que, nas obras litterarias, e, sobretudo, nas 
do poeta, o estylo é tudo, e que, transmudado este, ouamo- 
dernado, o que tanto vale, não fica a idéa completa da en- 
toação e toques originaes do quadro primitivo. O traduzir 
os antigos deve de ser como o retratar, dizem os apologis- 
tas das lettras clássicas: e nós estendemos o preceito ao an- 
tigo e ao moderno. Não é com o que praticou Ducis, que 
se pode fazer idéa da índole poética e género dramático de 
Shakespeare. Se fosse possível admitiir nas operações do 
pensamento a photographia, só os seus resultados nos sa- 
tisfariam na reproducção das obras dos grandes génios. 
Oxalá que assim como ella pôde vulgarisar os prodígios do 
cinzel grego e do pincel romano e florentino, podesse tam- 
bém traduzir, para todas as intelligencias, as concepções 
admiráveis do génio poético. Desesperados de conseguir es- 
te esmero de verdade, muitos dos mais escrupulosos cul- 
tores da antiguidade teem feito as suas versões em prosa; 
e n'este sentido os trabalhos de madame Dacier, Desfontai- 
nes, Dugas Montbel, e agora a vasta collecção dos clássicos 
latinos de Nisard, hão de ser em todo o tempo procurados, 
quando se deseje conhecer de perto a physionomia dos es- 
criptores que formaram os primeiros séculos da litteratu- 
ra. Uma traducção livre ou uma paraphrase, aos olhos dos 
idolatras das boas letras antigas, afSgura-se sempre sacrilé- 
gio não fácil de perdão. Pretender-se adornar ou ampliar 
aquillo que se reputa modelo (exclamam estes adoradores 
do bello antigo), não pôde deixar de tornar-se attentado, e 
attentado tanto maior, porque tem a condemnação na pró- 
pria incoherencia que encerra. Pois que sé deseja conseguir 
com a versão dos clássicos? Será conhecer a historia anti- 
ga ou o machinismo e physionomia da civilisação d'aquel- 
las eras? Não de certo, porque para isso serviriam melhor 
os historiadores e os philosophos que os poetas. Será en- 
tão copiar e acceitar os seus principies moraes, políticos 



LITTERATURA 35 

OU religiosos, os quaes davam uma feiç3o tão peculiar á sua 
poesia? Tão pouco; porque o espirito das edades modíQca- 
se no seu curso incessante e progressivo, segundo as exi- 
gências das novas sociedades que se succedem ; e seria ab- 
surdo/ ainda mesmo nos dominios ideaes das letras, que- 
rer voltar a esse tempo de paganismo, quando tudo nos 
impelle para outro rumo e outros destinos. Que será pois 
que se procura nos auctores antigos ? Procura-se o estudo 
da forma, a simplicidade magestosa d'aquellas linhas sin- 
gelas e grandiosas, que, como o Júpiter Olympico de Phi- 
dias, traduzem a serenidade da omnipotência do génio. Esta 
elevação épica, esta graça simples e pura, que não busca 
nos artiQcios de complicados processos de estylo os segre- 
dos da sua excellencra, é a herança que nos cabe dos anti- 
gos, é a herança que devemos procurar obter, e que impor- 
ta façamos os maioros esforços para conseguir e enthesou- 
rar. 

Mas esta qualidade é exactamente aquella que desappa- 
rece de todo nas versões livres, e por isto uma paraphrase, 
no conceito de alguns bons contrastes em litleratura, fica 
sempre sendo trabalho que atraiçoa dois méritos: o da obra 
original, porque, veslindo-a e enfeitando-a com adornos pe- 
regrinos, a transmuda; e o do paraphasta, porque atando- 
Ihe a imaginação, apesar das liberdades que tome, ao pen- 
samento inicial do quadro primitivo, mal lhe deixa ostentar 
o vigor e gentileza dos voos a que as forças próprias o con- 
videm. 

São estes reparos que alguém poderia fazer talvez ao sr. 
Castilho, se com effeito os Amores não fossem uma collec- 
ção de poesias, cuja indole pede ligeiro disfarce, como dia- 
phano cendal lançado sobre as formas nuas e provocadoras 
da Vénus Aphrodita. E, sobretudo, se nos lembrarmos de 
que esta liberdade de interpretação, de que esta faculdade 
de vestir com donaires seus as elegias do vate sulmonense, 
deu logar a todos os engenhosos brincos de inspiração ly- 
rica, de metrificação multicor e scintillante, mimos e gra- 
ças de dizer que admirámos nas canções ovidianas do sr. 
Castilho, o applauso não pôde deixar de nos rebentar fran- 
co do animo e dos lábios, porque nunca mais rica, mais 
esmerada e opulenta obra doesta natureza saiu dos prelos 
portuguezes. N'este sentido todo o elogio fica áquem dos 
desejos. Depois de se ver e analysar tão portentoso esfor- 



36 LITTERATCRA 

ço de accumulação de riquezas poéticas, de combinações 
rbythmicas» de fulgor e opportunidade de imagens, ufana- 
se o leitor de fatiar tal idioma, que para tão diversas e ful- 
gorosas pompas opulentou recursos. Não é só uma pa- 
raphrase o trabalho do sr. Castilho, é uma esplendida e 
abundante poética, exemplificada nas difDculdades mais as- 
sombrosas da metrificação, reunindo os segredos de todo 
o machinismo do estylo lyrico, grupo de graças, não três, 
mas cem, mas mil, e todas ellas de uma gentileza praxite- 
lica e de um primor e acabado, que nem que as modelas- 
se o cinzel de Phidias. Que linda não é a canção á morte 
do papagaio, espécie de caleidoscopo lyrico de infinitas e 
multíplices cores, em que, como os matizes cambiantes da 
ave da America, fulguram todos os brilhos do colorido poé- 
tico ! 

Morreu da bella aurora o bello filho, 

?ue ovante espanejava em nossos lares 
odas as cores do materno brilho, 
Todo o verde dos indicos palmares. 

E O Circo de Roma? Ha nada aproximavel ao movimen- 
to dramático d'esle formoso episodio, cuja acção é tão enér- 
gica e vivamente expressa pela variação e propriedade dos 
rhythmos! Parece-nos assistir eífectivamente a uma d'aquel- 
las sumptuosas funcções da antiga sociedade romana, e o 
coração e o espirito, em desencontrados impulsos de ancie- 
dade, seguem todas as peripécias da carreira, e como que 
acompanham até á meta os fogosos contendores. Que pena 
temos que o espaço nos vede reproduzil-o aqui por extenso! 

São todos os géneros de que se triumpha, todos os pri- 
mores que se conseguem, n'esta tela de exquisito lavor lit- 
terario. E muito mais a admiração recresce, quando se no- 
ta a conceituosa concisão doesta poesia, que nunca empre- 
ga uma palavra de mais, nem obscurece uma idéa, ainda 
que a imagem venha velal-a. Gomo modéio doeste género, 
o trecho que vamos transcrever, é prodigioso. Corinna vae 
a um banquete, e Ovidio presenceia que ella lhe é infiel. 

Sóbrio, entre os vinhos com que a mesa ria, 
Eu fui do caso infando testemunha. . 
No mover dos sobr'olhos, teus e d'elle, 
Vi ciaras expressões; as frontes de ambos 
Prescindiam da voz; olhos vibráveis 
Eloquentes de amor; letras c'o vinho 
Escrevíeis na mesa; os próprios dedos, 
Movidos com disfarce, as imitavam. 



UTTBRATUIIA 3T 

Da lingiiagem fallada o senso occalto 
Decifrei; tudo os zelos interpretam ! 
Cada palavra, que entre vós trocáveis, 
Na accepçâo usual e conhecida^ 
Outra elicerrava, só de vós sabida. 

Terminado o banquete, os soltos convidados 
Deixam ermo o salão; dois ficam reclinados... 
Sois vós; disfarço, espreito, observo tudo emflm. 

Estes versos, na sua bclleza concisa è pintoresca, resu- 
mem, só de per si, todo o episodio da infidelidade da bolla 
Corinna. Formam um quadro. 

Como arrojo lyrico, a Aventura meridiana apresenta omi 
trabalho admirável. A versão é feita em quartetos de seis e 
doze syllabas: o primeiro verso rima com a segunda syl- 
laba do segundo; o segundo com o quarto; e o terceiro» 
em écco, com a segunda syllaba do quarto. Âs rimas sao 
alternadas, ora graves, ora agudas. ^É mister ser conhece- 
dor, para apreciar toda a difficuldade doesta versão, aliás 
fidelissima. E talvez julguem que estas dificuldades de metri- 
ficação se denunciam na canção? Pois nem um hiperbato for- 
çado, nem um hiato, nem uma collisão de sons ásperos ou 
dissonantes, nem uma palavra sobeja, nem uma violência 
ou impropriedade de rima revelam os obstáculos vencidos. 
Todos os versos são fluentes ; não ha uma palavra escusá- 
vel, um adjectivo supérfluo; e a cadencia e a euphonia dos 
sons chegam a emparelhar com a melodia metastaziana. No 
pensamento, esta canção lembra a musa leviana e ás vezes 
sensual de Alfredo de Musset. Ha o espirito moderno no 
sentir doeste quadn», que o mysterio das sombras torna 
mais provocador e voluptuoso. 

A canção á immortalidade do poeta suggere-nos uma 
idéa, que, como argumento complementar da comparação 
da poesia antiga com a moderna, nos parece dar a victoria 
a esta ultima. Victor Hugo, na sua poesia Le poete, trata 
este mesmo assumpto, que todavia tanto se distanceia e 
varia, segundo as duas épocas, mas que se apresenta de 
uma nqaneira muito mais larga e elevada na producção (fo 
poeta francez. É n'estes pontos de contacto que se contra- 
prova o quanto a inspiração moderna leva vantagem á musa 
. dos antigos, que, sem aspirações para um futuro de luz 
infinita, nem azas que a deixassem voar pelos horisontes 
sem fim do espiritualismo, se flca nos domínios estreitos 
do sensualismo pagão. Confrontemos algumas estrophes. 



38 LITTERATURA 

Falle primeiro Ovidio nos formosos versos do sr. Casti- 
lho: 

Porque, mordaz inveja, assim me infamas, 

Me exprobras de passar no ócio a vida, 

£ fructos de alma inerte aos versos chamas? 

Porque me argues de que na mareia lida, 
Quaes os priscos heroes da pátria ^cnte, 
Kão siga os postos na estação florida? 

liem das verbosas leis o impertinente 
Cabos revolva, aprenda e prostitua 
Ao fogo ingrato meu ingenbo ardente? 

Tem jus sobre isso tudo a morte crua... 
Sequioso, de gloria, ao mundo inteiro 
Quer meu génio estender a fama sua. 

Será Homero á morte sobranceiro 
Em quanto o Ida, e Tenedos durarem 
E o Simoente ao mar correr ligeiro, etc. 

Depois continua esta referencia a todos os bellos enge- 
nhos gregos e romanos, e em seguida conclue assim: 

Bronzes devora o tempo desabrido. 
Mina, carcome o mármore lustroso, 
Mas do canto ao poder foge vencido. 

Régios triumphos, sceptros do or^lhoso, 
Thesouros com que o Tejo se enriquece, 
Kada sois ante o estro, o dom fogoso!. 

Em cousas vis o vulgo se interessa! 
A mim Phebo me outorga seus favores, 
E cheios copos da Gastalia off'rece. 

Myrlho, que teme os invemaes rigores. 
Ha de sempre c'roar-me; sempre lido 
Serei dos extremosos amadores. 

Depois de ter aos vivos perseguido, 
Yae morrer sobre os túmulos a inveja, 
E dá-se o preço a cada qual devido. 

Assim pois, quando entregue ás cbammas seja, 
Tomaao em cinza o véu da humanidade, 
Ovante vivirei, sem que me veja 
Em risco de perder a eternidade! 

Agora a poesia de Victor Hugo: 

Quil passe en paix^ ao sein d'un monde qui Fignore 

L'auguste infortune que son àme devore ! • 

Respectez ses nobles malheurs; * 

Fuyez, ò piaisirs vainSj sou cxistence austére ; 
Sa palme qui grandit, jalouse et solitaire, 

Ife peut crofitre parmi vos fleurs. 



LITTERATCJRA 39 

11 souín*e assez de maux, sans y joindre vos joies ! 
Chaquc pas qui reníoncc en de sublimes voies 

Par une doleur est compté. 
11 pleure sa ieunesse avant l'áge envolée, 
Sa vie, bumble roseau, qui se trouve accablée 

Du poíds de rimmortalité. 

II pleure, ô belle enfance, et ta grâce et tes charmes, 
Ft ton rire ionocent et tes nalves larmes, 

Ton bonheur doux et turbulent, 
Ft, loin des vastes cieux, Taile que tu reposes, 
Ft, dans les jeux bruyants, ta couronne ae roses 

Que flétrírait son front brúlant ! 



Ah ! si du moins, coucbé sur ie char de la vie, 
L'hymne de son triomphe et les cris de Tenvie 

* Passaient sans troubler son sommeil! 
S'ii pouvait dans Toubli préparer sa memoire! 
Ou, voilé de rayons, se cacher dans sa gloíre 
Gomme un ange dans le soleil! 

Mais sans cesse 11 faut suivre, en la commune aréne, 
Le flot qui le repousse et le flot qui Tentralne! 

Les hommes iroublent son chemin! 
Sa voix grave se perd dans leurs vaines paroles, 
Et leur foi orgueii môle à leurs jouets frivoles 

Le sceptre qui pese à sa main! 

Pourquoi traíner ce roi si loin de ses royauraes? 
Qulmporte à ce fi:éant un cortége d'atomes? 

Fils du monde, c'ait vous qu'il fuit. 
Que fait à Timmortel votre éphemére empire? 
Sans les chants de sa voix, sans les sons de sa lyre, 

N'avez-vous point assaz de bniit? 

Laissez-le dans son ombre oh descend la lumiére. 
Savez-vous qu'une muse, épurant sa poussière, 

Y charme en secret ses ennuis? 

Et que, laissant pour lui les éterneltes fétes, 
La colombe du Christ et Taigle des prophètes 
Souvent y visitent ses nuits ? 

Sa veille redoutable, en ses visions saintes, 
Voit les soleils naissants et les sphères éteintes 
• Passer en foule aufond duciel; 

Et, suivant dans Tespace um cboeur brulant d'archange8, 
Cherche, aux mondes lointains, quelles formes étranges 

Y revôt TEtre universel. 

O pensamento dos dois séculos imprime um caracter di- 
verso nas dnas poesias, no entanto ba um ponto em que a 
ascensão natural do talento aproxima os dois grandes gé- 
nios, e é quando ambos presentem a immortalidade na mis- 
são augusta do poeta. 

Seria obra de uma analyse extremamente longa e minu- 
ciosa notar aqui todas as bellezas do texto, aclimatadas com 
tanta arte e imaginação pelo engenho do illustre paraphras- 



40 LITTERATURA 

tâ, e outras tornadas mais formosas ainda, depois de trans- 
plantadas para o nosso idioma. O valor doeste trabalho é 
incalculável, e o seu alcance, para o estudo exemplificati- 
vo, na sua riqueza e variedade de formas, deve de ser de 
summo aproveitamento. 

O sr. Castilho já nos tinha revelado os segredos do ma- 
chinismo poético no seu bello Tratado da Metrificação; mas 
nas Canções Ovidianas converte todos esses preceitos em 
exemplos de inspiração felicissima. O metro habilmente va- 
riado; fluência e valentia de verso; riqueza de combinações 
rhythmicas naturalmente nascidas da indole e movimento 
da idéa; jogo harmonioso das vogaes; cadencia de acentua- 
ção métrica; opulência de rimas; tudo attesta a grande scien- 
cia da contestura -e harmonia da versificação em que o sr. 
Castilho é sem egual. Nem uma aspereza, repetimos, nem 
uma collisão desagradável ou pouco euphonica, nem uma 
deficiência de rima, nem uma exuberância de epilhelos, que 
são os avelorios da mingoa das verdadeiras galas da ima- 
ginação poética, nem uma violência ás leis da prosódia, 
n'uraa palavra nenhum d'esles pequenos defeitos que fervi- 
lham nas poesias dos primeiros génios poéticos de todos 
os tempos, se encontram, sequer, no seu trabalho. Até o 
emprego dos exdruxulos, assas difÓcil na nossa lingua tanto 
carecida d'elles, e que, combinados com os agudos e gra- 
ves, formam uma das bellezas de harmonia da lingua ita- 
liana, aié isso nos proporciona um dos melhores estudos, 
porque é sempre cora extrema naturalidade que elles ap- 
parecem e se combinam alternadamente. A própria rima, 
que n'oatras mãos menos versadas nos segredos da consonân- 
cia métrica e opulentas de seus sons, se tornaria um mar- 
tellar monótono e pesado, usada pelo sr. Castilho, em to- 
das as variações das pausas e medidas métricas a que elle 
a sujeita, é como uma verdadeira musica, cujas vozes, vi- 
bradas de distancia em distancia, correspondem, por inter- 
vallos calculados, ao mesmo machinismo e natural desen- 
volvimento do pensamento poético. Faz até lembrar aquel- 
les vasos de bronze artisticamente collocados pelos antigos 
sobre o tympano dos seus amphitheatros que, percutidos 
a compasso, chamavam aos fundamentos da harmonia as 
vozes dos cantores. 

Algumas palavras ainda sobre o erudito trabalho do sr. 
}osé Feliciano de Castilho, a sua Grinalda Ovidiana^ e va- 



LITTERATURA 41 

mos rematar. Somos (l'aqueUes a quem custa a ver um im- 
n^nso séquito de notas, apostillasecommentosJoDtoauma 
obra poética. Ver logo o poeta e o censor, Homero e Aris- 
larcho, o génio creador e a posteridade no mesmo livro, 
parece-nos um trabalho superabundante» que tira ao leitor 
todo o trabalho de pensar e julgar. 

N^outro tempo, o sr. António Feliciano de Castilho era 
de certo da nossa opinião, quando escrevia no seu prologo 
das Metamorphoses estas palavras: «Supposto, por algumas 
vias, possa convir a um escriptor o dar rasão de si, e de 
seu escripto, sempre comliido é innegavel, que nesse hu- 
manar-se e descer á familiaridade de toda a gente^ como 
que desauctorisãj e, em grande parte, annulla o seu próprio 
personagem poético. Quando de um grande varão só nos fi- 
caram os seus versos, cria-se e ama*se uma illusão maravi- 
lhosamente favorável á sua gloria; por quanto toda a vileza 
e mesquinhez da prosa, que era a parte miserável e cadu- 
ca, por onde se aparentava com o pó, com o vulgo e com a 
vida, desapparece, e só fica, para nos representar o seu 
nome, a parte nobillissima, etherea, immortal do seu sujei- 
to—o génio.» 

É isto mesmo que nós sentimos. Uma analyse, que tudo 
explique, que tudo revolva e elucide; que, como escalpello 
de anatomista, disseque as fibras mais ténues do corpo 
que nós suppunhamos divino, e que, por isso, se nos affi- 
gura verdadeira profanação todo o exame, toda a inquiri- 
ção da autopsia intentada sobre formas, que a consagração 
do prestigio sublima; uma tal analyse faz-nos o effeito do 
magico que, depois de nos ter o espirito suspenso nos por- 
digios da sua prestidigitação, nos viesse explicar logo como 
taes milagres se operam, 

Queremos ver os milagres, mas não queremos conhecer- 
Ihes as molas que os fabricam; queremos presencear as ma- 
ravilhas da scenographia, sem inquirir de que arte se vale- 
ram o pintor e o machinista para nos illudir; queremos go- 
sar, emfim, as delicias do paraiso, sem provar dos fructos da 
arvore da sciencia, que travam sempre depois do néctar e 
ambrozia da meza dos Deuses. 

O sr. José Feliciano de Castilho dir-nos-ha que todo o 
grande engenho poético tem tido o seu Pisistrato, o seu 
Wolf, o seu Christiano Heyne, e nenhum de certo mais il- 
lustrado e competente, no nosso conceito, para tão exigen- 



42 UTTERATCmA 

te tarefa, que o analysta do trabalho de seu illustre irmão. 
E sobretudo, se considerarmos o serviço que elle faz de- 
certo á litteratura portugueza, buscando, com tanto zelo 
patriótico e esclarecida erudição, em os nossos auctores, as 
referencias, as analogias, os logares remotos ou similban- 
tes, que o decurso do seu profundo exame lhe suggeriu, 
se considerarmos isto tudo, torna-se impossível deixar de 
louvar e aceitar a sua obra de critica panegyrica, não só como 
completo auxiliar para a inlrepetração de toda a parte his- 
tórica do texto, senão como um indicador solerle e noticio- 
so das immensas preciosidades litterarias escriptas na lín- 
gua de Camões. 

N'uma palavra, a paraphrase dos Amores de Ovidio do 
sr. António Feliciano, de Castilho, acompanhada da Grinal- 
da Ovidiana do seu erudito jrmão, formam um bom livro, 
um livro cuja apparição marca época em todos os paizes, 
onde as letras sejam uma profíssão e um culto; e nós, di- 
rigihdo os nossos reparos a tão eminentes escriptores, ain- 
da mesmo que alguma vez a razão venha collocar-se da nos- 
sa parte, não nos resta senão o sentimento da estima e 
respeito, que nos obrigam, em todo o caso, a pedir-lhes 
perdão dessa nossa pequena victoria, como Carlos V ao 
papa: Sanctissime pater, indulge victori. 

^ > 

Seteití)ro— 1860. 



LUIZ AUGUSTO REBELLO DA SILVA 



Comêco da Sociedade Escolastíco-Phílomatica.— A nossa mocidade littera- 
ria de ha trinta annos.— O renascimento romântico e os effeitos exage- 
rados do romanticismo.— O romance histórico.— Os auctores da D. Brartn 
ca, e do Mestre Gil.— O impulso partido de AUemanha e de França ge- 
ncralisa-se entre nós.— Byron e os seus poemas.— Influxo de todas es- 
tas causas nos nossos escriptores.— O Rausso por Homisio.—A ullima 
corrida de touros em Saít?.a/tfrra.— Rebello da Silva orador politico.— 
Fundação do Curso Superior de lettras. 



Quem passasse, em alguma das noites de fevereiro de 
1838, pela rua da Atalaya, não poderia deixar de fazer re- 
paro no primeiro andar de um prédio de acanhada e sin- 
gela frontaria, que ainda hoje lá existe, pois atravez das 
vidraças das janetlas do primeiro andar d'esse prédio veria 
uma iltuminação desusada, e, poder-se-bia dizer até esplen- 
dida, a attender á parcimonia de luz que habitualmente 
bruxeleia nas pequenas casas d'aquetla rua do interior do 
Baírro-Alto. Vozes acaloradas, como de homens que apos- 
tropbavam, ou que ensaiassem as diversas entoações decla- 
matórias de um empolado sermão, soavam de dentro, sendo 
não poucas vezes interrompidas ou abafadas pela clamorosa 
algasarra de muitos individuos, que todos disputavam, ao 
que parecia. 

 estranheza da scena, e uma luz que soluçava mortiça 
n'uma enferrujada lanterna de folha, na escada, e que comO/ 
que convidava a subir, dizendo-nos que a funcção era publica 
6 a entrada franca, tudo isto picava a curiosidade ao cami* 
nhante e o incitava por fim a entrar. Chegado acima via 






44 LITTERATURA 

' uma pequena sala disposta á maneira de parlamento. Â pre- 
sidência occiípava o topo da casa: renques de bancos, coi- 
locados como na platéa de um thealrinho particular, en- 
cliiam o resto da sala, deixando apenas uma estreitíssima 
nesga de espaço para a galeria publica (nem isso faltava!) 
que eram duas fileiras de assentos de pinho, que ficavam 
logo á entrada da porta principal, para maior commodidade 
do visitante estranho que concorresse a presenciar estas 
polemicas oraes em miniatura, comparadas com o que já 
succedia então nas nossas assembléas politicas. 

Uma multidão de indivíduos occupava os logares todos. 
No meio, de pé, via-se o orador, bracejando com energia 
e inlimativo accionado; e. se nem sempre prendia a atten- 
ç3o do auditório pelos primores oratórios de uma eloquên- 
cia já auctorisada em triumphos succcssivos, nunca mais 
audaciosos tbemas, nem arremettidos com mais temerária 
e reformadora philosophia, o curioso depararia em logar 
algum de discussão. 

Esta casa era o berço dá Sociedade Phylomaticíi, so- 
ciedade que depois tanto floresceu, abrangendo em &eu gré- 
mio toda a mocidade lettrada de enlâo. As matérias que lá 
se discutiam eram nada menos do que a influencia da ct- 
vilisação na historia; a reacção romântica e os eff eitos da 
litteratura no occidente da Europa, e diversas outras; e os 
mancebos oradores que primavam n'estas dissertações e 
controvérsias, exercitando já as forças de uma palavra que 
depois se tornaria o ornamento e esplendor da tribuna par- 
lamentar ou de algumas cadeiras scientiíicas, eram muitos» 
como Thomaz de Carvalho, Vieira de Carvalho, Andrade 
Corvo, e entre estes e outros mais, Luiz Augusto Rebello 
da Silva. 

Rebello da Silva contava a este tempo 17 annos; os seus 
estudos reduziam-se ainda aos simples preparatórios que 
um moço doesta edade costuma ter apenas adquirido, em- 
bora o amor ás lettras o chame já para o terreno difflcil 
das altas questões pbilologicas. No entanto, n3o foi custoso 
de perceber n'elle desde logo o homem de agudo tino e 
espirito vasto, que na ascençao virtual do próprio talento 
encontraria as concepções mais elevadas e o dom de as 
generalisar com os fulgores de uma eloquência imaginosa e 
abundante com que facilmente daria forma pomposa ás flo« 
res da sua phantasia. 



UTTEAATDRA 45 

E que época de fogo para os espíritos da javentode nSo 
foi esta em que os primeiros arreboes de uma aurora litte- 
raria começavam de manifestar-se e fulgir I O movimento 
poético, que rebentou em França, trazendo á sua frente 
Cháteaubriand, mad. de Staêl, Lamartine e Victor Hugo, só 
por este tempo evidenciou os seus effeitos em Portugal. A 
guerra civil, terminada em 1834, havia-lbe suíTocado muitos 
dos seus mais nativos e fogosos intuitos, mas também fora 
o triumpho dos princípios liberaes que, como um impulso 
correlativo, trouxera com mais força e victoriosas as novas 
doutrinas. Almeida Garrett, o poeta soldado, o exilado no 
seio da princesa altiva das armadas^ no coito da foragida 
liberdade, como elle denomina a nobre Albion, no seu Ca- 
m^s, inspirára-se de todo esle movimento que então tra- 
zia em fermentação as imaginações em Âllemanha, França 
e Inglaterra, com a apparição das obras de Byron. Este 
movimento, excitado pelo ancíoso desejo de elevar o ideal 
da natureza humana, abatido e aviltado pelas glorias mili- 
tares de Napoleão; este conjuncto de doutrinas diversas, mix to 
de aspirações religiosas, de recordações do passado, das 
singelas e nativas tradições que haviam desferido o vôo 
das poéticas e melancholicas ribas de Rheno, como um so- 
pro espiritualista das raças do Norte que invadisse e viesse 
puriQcar a atmosphera morna e viciada dos povos do Meio- 
día e Occidente da Europa; todos estes princípios, todas es- 
tas impressões, todas estas exigências moraes e intellectuaes 
crearam uma escola . de ínnovadores ardentes, como Man- 
zoni, Ugo Foscolo, e Silvio Pellico, em Itália; Watter Scott 
e Byron, em Inglaterra; Victor Hugo, George Sand e Al- 
fredo de Musset, em França; e o duque de Ribas, em Hes- 
panha. O auctor da D, Branca, que já sentia em si a alma 
e o fogo doesta família ideal, correu a alistar-se em volta 
do estandarte de tão grande revolução litteraria. O impulso 
dado foi communicativo, e a Harpa do Crente soou dentro 
em pouco, vibrando em themas propheticos as fervorosas 
6 tristes endexas, que só consegue inspirar a melancholia sua- 
Te do génio da poesia peninsular. A Izabel e o Espectro, poe- 
mas de José Maria da Costa e Silva, assim como a Noite 
do Castello e os Ciúmes do Bardo, são também inspirações 
da mesma musa. Acceitando a doutrina de que as artes de- 
vem de ser a expressão das intimas e verdadeiras impres- 
sões da alma, e sentindo inílamar-se-lhes a phantasia com 



46 ' LITTERATURA 

a leitura dos melhores escriptos de Goêlhe e Scbiller, com 
as estrophes arrebatadas do D. João e do ChUdHaroU e com 
os romances de Walter Scott, todos estes homens distin- 
ctos tnstínctívamente se colligaram n'esta cruzada, esforçan- 
do-se por imprimir á litteratura pátria um cuubo de nacio- 
nalidade que havia perdido desde fins do século xvi. «O gé- 
nio da poesia nacional (dissemos já n'outra parte) como que 
presentindo talvez o largo período devolvido a que teria de 
ser votado, havia soltado os seus últimos lamentos de des- 
pedida nos sentidos contos do Affonso o Africano, de Que- 
bedo, e na maviosa e dolorida narrativa do Naufrágio de 
Sepúlveda, de Corte Real. Depois d'isto nada mais se ou- 
vira de verdadeiramente portuguez, nem no espirito, nem 
na linguagem. As differentes manifestações da arte, da arte 
filha genuína do sentimento peninsular, míxto da influencia 
chrislã e das tradições cavalleirosas da edade-media e das. 
lendas árabes, jaziam opprimídas e despresadas pela tyraa- 
nía das doutrinas da litteratura mythologica, doutrinas sem 
rasâo de ser para nós, povos modernos e chrístãos, cria- 
dos na crença e culto de uma religião espiritualista. Que sa- 
bia o povo de Júpiter e do seu Olympo, e de Vénus, a 
lasciva e formosa esposa de Vulcano? A vista esplendida 
do Armamento, nas horas da magestade silenciosa da noite, 
diz mais á imaginação de nós todos do que toda a comitiva 
impudica das divindades pagãs de Hesiodo e Homero.» 

Porém, esta quadra do predomínio clássico passou. O 
Génio do Christianismo, René, Fausto, o Child-Harol, As 
Orientaes e as Harmonias, inspirações sopradas de diver- 
sos pontos e illuminando talentos que despediam voos para 
horisontes bem oppostos, mas todos reagindo, com a audá- 
cia de um pensamento que devassa novos segredos á arte 
e os divulga, contra o dogmatismo das regras antigas, fo- 
ram as producções que fundaram a nova escola, que lhe 
serviram de modelo, que accenderam o estro aos modernos 
escriptores, e que não poucas vezes também os desvairaram 
por essas veredas Íngremes e apertadas de precipícios, que 
téem, de um lado, a imitação servil que absorve toda a in- 
dividualidade, e do outro, o prurido da originalidade que leva 
á exageração e ao ridículo. 

É impossível negar que a reacção romântica rasgou mais 
amplos espaços e encheu de luz e vida perspectivas, que 
os preceitos da poética antiga, levados á obstinação do sys- 



LITTBRATURA 47 

lema absoluto para todas as formas de arte, conservavam 
envolvidas n'um véo denso, que só m3os audazes se aba- 
lançaram a descerrar. Lamarline, por exemplo, elevou a 
poesia ás regiões do espiritualismo e do amor, mas do amor 
que se puriQca na própria intensidade das chammas que o 
inflamam, em quanto que Victor Hugo a penetrou dos es- 
plendores e da sonoridade do mundo exterior. Gomtudo é 
innegavel também que esta reacção trouxe comsigo os seus 
effeilos> como séquito natural que acompanha sempre tal 
natureza de acontecimentos. O exagero, que se manifestou 
DOS espiritos, reflectiu-se logo em todas as obras. A im- 
pressão estranha das theorias innovadoras; o deslumbra- 
mento, que se seguiu, como um phenomeno previsto, ao 
apparecimento dos recentes astros surgidos nos borisontes 
da arte; o receio de ainda se mostrar sujeição aos dictames 
da velha escola, tudo isto arrastou as idéas a uma tal anar- 
chia, que a hesitação se tornou evidente, como effeito ne- 
cessário doestas causas, nos primeiros passos dados na senda 
que o arrojo reformador acabava de abrir e franquear aos 
talentos que ambicionavam uma estréa nos differentes do- 
mínios das leltras. 

E d'estas origens deriva a agilação febril, e nasceu tam- 
bém a ambição desmedida, as lastimáveis e singularissimas 
pretenções de originalidade que se patentearam em muitos 
escriptos inconsistentes e hvperbolicos. 

Todavia, foi esta uma época de enthusiasmo e quasi de 
delírio, mas do nobre e solemne delírio que solta azas ra- 
diantes em desmesurados arrebatamentos, e que só é delírio 
porque a imaginação vôa para eminências de regiões até ahi 
ignoradas, delírio a que Voltaire chamou diable au corps, 
e os antigos sacra fúria. Havia vida, havia impulsos de re- 
solução generosa, havia ardentes e fervidos incentivos a 
que obedeciam espontâneos os espiritos, inflammados pela 
atmosphera de fogo das novas inspirações. Publicava-se um 
livro; e a crítica (a critica d'esse tempo, que era benévola 
e enthusiasta também; que era a primeira a acolher, a pro- 
clamar todas as tentativas, e a preparar logar para todos 
os talentos); publícava-se um livro, repetimos, e a critica 
apressava-se a annuncial-o, a encarecel-o, a rodeal-o de pres- 
tigio e bom nome, de leitores e radiosos e fecundos desti- 
nos. Era uma Htteratura amiga, sim, mas cujos intuitos, 
cujos nobres e ardentes instinctos, cujas ambições justifica- 



46 UrTERATORA 

veis e qae coDvergiam todas para um mesmo e glorioso 
fim, que consistia na inauguração de uma nova quadra lit- 
(eraria, se animavam e inspiravam do único sentimento que 
pôde determinar as grandes revoluções do espirito huma- 
no. Esse sentimento era o amor das nossas cousas ; amor ex- 
citado pelo movimento intellectual que acabava do gyrar uma 
parte da Europa, e que entre nós se converteu n'um deseja 
constante e geral de fazer resuscítar as nossas tradições pa- 
trióticas e os melhores modelos da lítteratura UiUional. 
Basta citar aqui uma parte do prefacio dos editores do Auio 
de Gil Vicente, applaudidissimo drama que appareceu en- 
tão, como a primeira e mais valiosa pedra do edifício do 
nosso theatro moderno, parasse julgar do alvoroço com que 
se recebiam os acontecimentos d*esta ordem. «A apparição 
d'este drama (dizem os editores) teve uma época na histo- 
ria de Portugal. De então verdadeiramente é que se come- 
çou a pensar que podia haver theatro portuguez. Toda Lis- 
boa foi á rua dos Condes applaudir Gil Vicente, todos os 
«ovens escriplores quizeram imitar Gil Vicente, Toda a im- 
prensa periódica celebrou este acontecimento nacional com 
enthusiasrao. Se ladrou algum zoilo, foi de modo que se 
não ouviu ; latido que se perdeu entre as acciamações ge- 

raes.» 

E agora ouçamos o próprio auclor, e seja elle que nos 
diga quaes os sentimentos que o animavam n'esta quadra 
de tanta vida e esperanças para as. nossas lettras. — «O que 
eu tinha no coração e na cabeça— a restauração do nosso 
theatro— seu fundador Gil Vicente— seu primeiro protector 
el-rei D. Manuel— aquella grande época, aquella grande glo- 
ria—de tudo isto se fez o drama.» 

Eis como se exprimia o visconde de Almeida Garrett. Era 
um nobre e fecundo pensamento que desabroxava ao sol de 
uma luminosa éra litteraria. Em roda tudo refulgia esperan- 
ças, incitamento e vida. 

E esta época não vae longe; apenas teem decorrido vinte 
e tantos annos ; * e comtudo, comparados os seus altivos e 
generosos impulsos, o movimento, o calor, o fogo que ateia- 
va e impellia então os ânimos, com a frieza, com a apa- 
Ihia e quasi desapego de tudo e de todos que hoje resfria 
as almas e lhes encolhe as azas para todos os voos de largo 

* Este artigo era escripto em 1859. 



LRmAvnu 49 

e audacioso akanee, como ârstante^ '^ nm affigurani todos 
dites sucQSSsosI Parece tudo isto uma iltusSo dos sentidos, 
oa qm jogo^de óptica que nos sarja diaote dos oitios! 06' 
mancebos d'esse teitipo sio apenas ao presente bomens' fei- 
tos, e tada\ia são 0ltes os propr4oa q»e sè. recordam, com- 
o sorHr nos lábios, mas com o amargo sorrir que sente o 
espinho da saudade a pungir o ooraçSo, d^esses dias de* 
exaltação e embriaguez, em qae o triufmf)ho de umdranta, 
em que o apipareovmenlo de um livrinho de versos, em qiie 
a neiveiaçao de uma vocaOSo aospíeiosa erá a mais applau'* 
didó e aimôjado acontecimento porque aquelles peitos amda' 
juvenis poderiam anciar. 

'■ Mas- esta reacçlo teve os seus excessos, e os sens deva- 
neios, €omo todasras reacções^ O desejo de resiiscítar a 
e^de-medía, com ledos oifc seus dastetlos e castellSs, arne- 
zes e moirides; adarnes e pontes^lèvadíças^ com as suas ca^- 
tlvedraes goithieas -e -ogivas de vidros coloridos de iliumi*' 
miras my^icas, cn^ptios povoados de espectros e tradições 
iegendarras, que no culto popular tHríhmi a sáa orígetn poe^ 
tica elttteraria/tMas estas idéas triste^ e sinistrai ^nlucta-^' 
vam as imaginaçdes. A estas predilecções, que n9o foram 
outra cousa seríão >a resurreíçSo d^-este género litterarro, 
veip agrqpan^e o gosto encarecido da historia pátria, mas^ 
aberta nos iproprio>s eapíUvlos e«i que as sevicias e flagicioe' 
â<!>6 régulos fl&iyâaes ministravam assumpto aos engenhos ro- 
Bwlne^cos para crear perseguições, torturas, captiveiros ^e 
phantasma&y em todos ospalacios-senhorvaes, eM tadas as toF« 
resique, a deoèndararem^-se ^das fragas das serranias, der^ 
rooadas>e meio ocoultas^ em fossois e matag^es, ainda mais* 
teiíebrõslis sotorrUivam escondidas pela s^iperstlçHo do povo 
nos mysteríoá romaviesGOâ^ da^ escuridão dos sectílos. A his-- 
toria.de Infgteterra; Fdfoaqceíaida por Walter Scott, a NôPre 
Iktmêde PaN^ easnUveltas ^bisíoEicas^ de Ate<xandre Dumas 
inspiraram ao illaslre auctor do Eurico, a Abobadai o Mes^ 
Wé\G»ly estudos èm' que asi iradiçSês legendarias rea^umi-^' 
ram as feições que só a profunda investigação archeoldgicd' 
dabe^rcK^cmipèir' 6 animar. O'èenio litterariò dos noseos>fiián- 
eebes' escriptores despertou ,f e aocendeu-sé em emfulaçãd^ 
a eéte ct^mamenlò, iléitii pefo' a^<^oridade de' unrnomie, 
aonstèilado t pelos ptieisligiiesi do itátefitt^le ^' sabefi^, ^ ainda; 
mais- 1 peles ftilg^s dos' trínmphos^que iliD^pairlMi^ e< 
(M)ns€4enciosili'pagina8ia0dbavdm''de'écynquist^^ * >: ' ' 

TOMO 1 4 



90 UTOftâlVtA. 

B Q ^f. Àlei:;9d[)djre Herootooí, oomo. o visboode de Al- 
iQeida 6arr6(l, olio roram unícamentó um didmplo e uia 
mcxléla para a mocúilade Qdtudiosa au« então alvorecia para 
as leUra&, senão as mestres e o& cbefes de umaedchola, peia 
solicitude com que ora acQdiasi á voÔHâ<i)i que/ se via eo* 
tregjue apeaas aos seus esforços vacilantes» . ara (roclama* 
vam com a sua palavra auctorisada as iaileUií$eDciis já pro- 
v^d^s en) esp^rançosas, tentativas* 

iRebelloda Silva foi um dos íliscipoias^ Jâais.aolâveia d^esr 
ta e&chola. í^a Gpsniordma ííHerari9f • iorm\ .dâSocieâada 
EscMastjco^Phylomatica» já eUe tiavia easaiadD^igaDs gêae* 
ros, sobresaindo o romance historlooi a Timudà* de Ceuta. 
PQrém, a sua verdadeira estreia, nesta, espeoiatidade, deve 
de coâsiderar*se o Raussv p&r ,Hamizio,^ saido á^ estampa 

ua Revisia Universal d e 1842 elS^k. Basta attoatar no li- 

tuio da obra, para comprelieoder logo que be trata de.am es-^: 
tudo litterario levado aos extremos das investigações da. arf 
cheologia* Eí&çtivamentie, o gosto e&agerado> das leodas* e 
costumes da edtide-media« época que o movimento romoisi* 
tico, com todas as predilecções da sua índole,. :bavia contra^, 
posto ao predomínio das influencias clássicas, obrigara a ima* 
ginação dos romancistas e dramaturgos a eotraob^se pelas 
regiões enubladas do passado, e a fa^iíer consistir o principal 
mérito de seus escriptos na reproducçao exacta desses cos* 
tungies semi-gothicos, costumes a que o brial recamado da 
cavallaria. esforçando-se pelos envolver nos dopaires da$: 
instituições da gentileza militar, não conseguiu esconder 
a, ferocidade dos rudes inslinctoa das leis sanguinárias 
das tradições guerreiras da velba Germânia, tudo isto dos 
apparece e tudo se respira 4ioiiat49«o por Homizio. Os códi- 
ces dos séculos xiv, e do século xv, o amor das ruioas re- 
commendadas pela superstição popular, e autbeatieado pelas 
investigações de Ducange^ Viterbo e Montfaucoo, toroaca^se 
a fonte de inspiração e de ensino D'estas obras, em que 
o poeta abatia as azas da pbaatasia diante d6s escrupuloa 
do antiquário. 

Vieram depois tempos de critica mais atilados e de oiaia 
fino e acrysolado gosto» e esta nuvem que entenebrecia d& 
espíritos, dissipou-se» deixando ver asaplos e. aprazíveis tu)- 
risontes. O estudo da historia uio esqueceu» mas não foi 
inculcada só uma época como thema absoluto para todas as 
formas da arte: o taleato percorreu muitas outras, e saltou 



st 

r 

até para fôra dos. limites dasveibas chroQÍeas,.oanipQlsiQ- 
cIq com mais acerto soas tendoaoias e apitdSes.O (Míd ve» 
lho mo cansa, oQvelta br&ioriGa tainb6m».de Batello daSil-» 
va,, figurai. ainda coma trabalho que pekrtdoee i -ordem .d9 
idéas de qu6 1i^iámos> mas a. UUima carridm deitaurns rtàes 
em Saií)aterr(it a sobretudo a Mocidade de A; Joãa V, apreien- 
tam-009 já otanovoi áspero,, tanto, pelos in^tinclos qaema^ 
nifest^m» como pelasí influencias, a que cedem. 

.\UUima cofirída deiatiros teaes em Salmterra é apenas bm 
episodio do. reinado deD. José I» que servo, como de qua* 
<ko á de{rf<;)ravel morte da conde dós. Àrcoe, desveqtBr^te 
mancebo qoe» uo auge dos exAremoa da gentíl^a ádalga 
â!d()iielk38 tras,'acbou termo a seus dias> n!am combate, de 
touros! 

Porépi . com que mão de mestre se não: amplia e íHu- 
mina este: peqaeno episodio, fataendo-o tomar as prúpor* 
0ds rápidas, imas- profundas, do esboço de uma époea his^ 
íorioat GqmO' a d^cripção do brilhante, concurso dá espe-r 
€tadore$^ na praça de Salvaterra, nos apresenta, em vuUo, 
ammada de pbysioúomia e de vida, a corte d'aquelles témr 
pos e oí seus entretenimentos, em qiie a polidez dos eostin 
mes trazidos pelos usos galantes e senhoris dos reinados de 
Luiz XIV e Luiz XV, ainda não amenisavam de todo a fe- 
rocidade dos instioctos peninsulares, q^ie pediam ao garbo 
eavalleiroso dos torneios da edade-med^a o prestigio do seu 
valor para se conservarem ainda como um dos distinctivos 
do arrojo e perícia da missa nol^eza! Com que donaire o 
ettremado oavalleiro não percorre a praça, constrâng^o 
o; fogoso ginete a executar todas as manobras em que a arte 
equestre o educara í Gomo depois o combate se iravp, o in- 
teresse recresce, e a calastropbe se preparai Por Qm conoo 
Ibe põem o remate as tintas vagas e sinistras com que Re^ 
bello da Silva pinta o terror dos espectadores, quasi que 
agourado pelo trage de Idcto que vestia o }oven cende dos 
Arcos, o cavalleiro terno e gialanteador, na phrase expres- 
siva dq romancista, que tSo romanesco oos torna este fldal- 
go com os tons magicc^s do seu pincel opulento de colorídot 

Depois õomo.nos apparece essa Qgura veneranda e gran- 
diosa de v^lbo marquez de Marialva» que, esquecido dos an- 
nos e com p sentimento da vingança tingindo-lbe o rosto 
das sombras da morte, pede licença ao rei para vingar sea 
fiibol 



LRTEIIATDIIA 



tisÊicBtdafâes; BMS como romance, como fabuia em que a 
ima^iKiçSo cria um laixteda vKja, ou o aproveita, se o de- 
para a propósito, e o enriquece, e mottiiilic» e agrupa de- 
episódios, Bem lhe qvebrar o So do interesse capital, an- 
tes accrfl)centatido-)l>'o com accidentes qae naturainenle oo 
eorretn a filisr-se em torno de Iodas » scenaR da existên- 
cia, como romance d'esle género follain-lbe as cohdiçSes 
esãenoiaes. O pinto río é largamente concebido; a sua ur- 
diduitad fròuss, inconsistente, e inienneada de tecidcs, con[io 
o capiluto do desabo do poeta, qne, se n3o sSo estranhos- 
de todo jo pensamertto capil;il, como pinlura dos costu- 
mes da época, retardflra-thè a acçSo e idiam o desenlace, 
sem excitarem mais curiosidade ao leitor, como escHpto de 
imaginação. Percebe-se que a Mocidade fflra escripta ao& 
quadros * para uma publicação periódica, e que não foi a 
natoreza do semanário que dividiu o romance, depois à'e- 
Mto já, senSo o romance qne acompanhou o semanário, nas- 
cendo dividido como elle. D'este escrever inlerronipido,-e' 
sájeito'9 capitules, que o-auclor desejava por v<;ntora emok 
durar nos limites do interesse que devem acompanhar e reíi- 
nir fragntenlos lidos com tantos diafe dé intervallo, e que 
por isso mesmo aconselham o fazer de cnda capitulo uma 
espécie de painel sobre si, nasceu decerto a quebra ou froo^' 
xMão dacontexturíi geral, que devera apertar e unificar o po-í 
manse em todas as soas partes. 

App3['eoe talvez outra falta na Mocidade de D. João Vj 
(joe não terá escapado ao critico perspicaz, que é a ausên- 
cia éo sentimaito. O capitulo dasTVei» graças, coín rasSo- 
gabado como analyse de coração femitmw; como conjnncto' 
gracioso e delicado de três retratos, cujo mimo de loque «• 
reahje defetçôes tanto oaprosimám de um d'estes brincos 
de PouBsin* se elle lograsse dar voz e aegSo ás suas c#ea* ' 
çõea, como colloqnio intimo de confidencias de donzellas, é; 
antes uma disserlaçHí) em que domina a metapbysica' do 
sentimento do que o sentir e piilsni- da ]>,■)[•> di' ires me- 
ninas. ThereM, Catharina e Ceoiliit Oism leam nvisniliimente 
jttna de diversas theses do amor,^«fMÉ^am ;ir <lis('ipu>» ~ 
ikaad. Scodéri, quando os imir ^*lo juvenil »' 
,IH^dos e regulados, n'iiiii íosi ^|^«*' P^l»! 

■^ms- e niybmintiiB dos hnns ViRtbouM 

^K MBHMe hUu p^niitivameulc 




"' O que ^ Mõcíâéâede D, João fé, principalirtente; é om 
magnifico quadro histórico, alegrada, a Íniorvallòs,,cle epi- 
sódios fttcclos, em qae os dòies safyricos do escripioi* des- 
pedem todas às seltiis dò génio sarcástico de Rabélais, mas 
também onde ú cohírepçSo grandiosa de várias figuras' er- 
gue o pensamento ás considerações eieiadas da historia e 
da poHtrca. Os lances dfamatlcos, que ligam' os princi|1a(ís 
personagens, 'São apenas' o preti3Xlo para os trazer aos dif- 
ferentes planos do qnadrt),' e agrupal-os. D'entrç estús flgtí- 
ras surge, como a primeira, à do padre Ventura, magèsto- 
so vulto que realisa o ídéaf da Companhia de Jesus, con- 
forme a inâlittrití Ignacio de Loyola. N3o é o jesuíta mlgár, 
o jesuíta histórico, argtiMo^e vituperado; n5o é o Bodin de 
EJugénio Sue, que pratica, ei^té d bem. para Aégar aos fins 
positiveis e ignóbeis da ordem ; é a figura grandiosa de Mi- 
gfoel Angelo Tamburinr. geral dg famosa Sociedade, que ex- 
plica no conselho se<íreto o vasto platiO que abrangia to- 
das as ínflueriçias da= época; plagio qíie, animado e dirigido 
péla cohgf^ega^aó dos horiiens que sô a íhietligencia, a de- 
dicaçSo, a supbetnatMa social e' um ^igiflo inquebrantável 
reuniam n'um vasto e océultò poder, afcançária chegar a 
dominar os thrtertos e os povos, sem ofl^ensa para nenhum 
e verdadeira exaítaçlio do pensamento que operasse obra 
ISo uhivér^-l. BrA dsle o sonho àó Quintb Império, nSo o 
das trovas s^basticas; nf^as o 'das ambiciosas concepções dè 
aquelles hércules, qde' trabafhávatn sempre, noite e dia, no 
confeSsionrfMo, ua intimidade da fetoilia'. na catechese longf- 
(jOa e arriscada da America, ria miss3o ainda mais perigosa 
entre bárbaros' dôs áéíos de Africa, para chegar a tão suspi- 
rado fim. • • !' 

O colloqtíiò que este- homem eminente tem por ultimo 
com D. JoSo V, já lentSo rei , ' completa de todo à fdéa gran- 
diosa que: poderifií è dísíveríâ ter aquella Oírdetu, ée ella obe- 
decesse ao» estatuto- qttei lhe deixou seu fundador ; se nSô 
foBsetti hòmerts còntamirtadòá de ruins fiaixqes que o per- 
vertessem, e sé ' principalmente a houvessem Intendido e 
praticado eomò a intende eexpllca^RebeHo dk Silva no seli 
"•ívro. Qtiando; nsb fosseòutro o merifo da otra, bastaria 
ta persdniflfcá(j5b; 'énf' qtíèí se cfncârrtam pCFisiarj^entos tSo 
ados e tamafn^o âlcdrifce Mstòrico e phríosotibícò, e, pòr 
z d'ella, a idéa magestosa da reconstrucção social que 
líMo niift nos diz o pw)re Ventura dos ihsti*ctos' e es- 



§6 ]L)ffnsaA9RmA 

forçps da Companbia, para se apreciar, uio o padre Venta- 
ra, nem a Companhia, luas o escriptor eminente qw^ pelo 
vigor de iiraa aJta intelligeocia, conseguiu dar aucM>ridade« 
prestigio e 3ympathia a coqsas e a^bomeos que Ião dacahi* 
dos andam no conceito universal. É este um graude mérito 
de Rebello da Silva. 

Porém, não são estas aá únicas creacôes apreciáveis da 
Mocidade, porque junto do gera} dos jesuitas fez o auctor 
apparecer, e no mesmo plano, o secretario das mercês de 
D. Pedro lU Diogo (ie Mendonça Corte Real» tigmeo) QotaT 
vel que se distinguiu na historia politica do tempo, e não 
sõ na habilidade e consun^da eiperieooia <;om que diri- 
gia os (^gocios do estado nas suas relações interiore^^ se^ 
não ^m tudo que respeitava ásdiíliculdades diplomatioaa d% 
época, chegando a Ster celebrado pela sua sagacidade entre 
os diplomatas de Luiz XIV e Luiz XV. N'est9 personagem 
subsiste um profundo estudo histórico, de certo, e de subi- 
da valia; mas, talvez, quem bem o inquerir e analysar acba^ 
rá no argucioso ministro de D. Pecjro 11 e de D. João V, 
não raros nem inequivocos. traços de uma physionomia il*- 
lustre, que a historia contemporânea já registpu e que a 
todos nós lembra com siudade ^ Entre um e outro havia 
indubitável semelhança e foi seguramente d-este accordocpia 
$ahiu tão vivo e perfeílo o retrato, porque s^ da inferência 
das memorias e opúsculos do tempo não seria fácil cplber 
(leduoções para reconstruir e levantar vultos tão acabados. 
A musa da comedia não iiiventa, colhe os ridículos, ^ n'el- 
les exprime os defeitos da sociedade,^ flagelLaBdo-os. Como 
o (oçio da estatua de Pygmalíão, anima s6 o que já possiie 
formas conhecidas. Diogo de Mendonça não é outra cousa 
senão um grande personagem da: grande ncomodia poliiiça 
d'aquelle$ tempos; e, para sobresabir perfeito, nai tel|a do 
romance, ou tinh^ de ser conhecido ou copiado, porque si$ 
illaçõÓ3 são impotentes para tamanhos resuúados. 

Ém, volta destas i^i^ras» que resumem o p^^aq^ento 
philQsophico dOTomanee e firmam as prijicipaas molas, da 
^cção» surgem as figuras burlescas do comqíieiMiador Telles» 
erudito de salla que sahe da existência da& pyramides do 
Egypto, porque ha estampas, que a^ reprodu^^m; o a&|v< 
quario abb^de Silva, cujo coQhecimenlo dos ^gredos da 



um»&TDiu 87 

arcbeologia» nio vae mui além da decifração dos caracieres 
dd quaesquer códices ou lapidas cpie um menos mau latw 
usta leia correctamente; o beato Thomé das Chogas, e a 
seabora. Perpetua das Dores, comitiva de typos cómicos que 
a veia de Scarron anima, e o lápis de Cham exagera com os 
seus rai^gos malignos, deotre os quaés sobresahe, como uvm 
exoepc3o que a custo se escapa d'estas influencias de co* 
medisi picaresca, a figura galharda e insinuante de Jcrony^ 
mo Guerreiro, amante e militar, transparecendo-lhe no sem* 
bUnte vivo o fogo e a resolução de qualquer d 'estas alterna^ 
tivas porque tem passado a sua existência. 

EmSm, Rebello da Silva, não é um romancista de imagi- 
Dação fjgcunda e dotes creadores» nem de \ivo sentimento^ 
mas, espirito fino e satyrico, occupa de certo o primeiro lu- 
gar entre nós como eseríptor da escbola de Sterne, Cbamissa 
a Swift. Observador perspicas, a ponto de muitas vezes tos- 
car a minúcia; babíí em collier em flagrante os ridrcolos 
da sociedade; abundante e fácil na narrativa, género em que 
ostenta todos os thesouros de unda erodifão sempre opu^ 
leoia e opportuna, assim como as riquezas do idioma, qvé 
elje conhece & adapta a todas as exigências como poucos; 
propendendo com ínstinetiva facilidade para o faceto, mas 
sabando*se precaver a tempo contra essas tentações do ge^ 
nio malévolo da satyra, quando a gravidade do assumpto o 
põe acima doscbascbs da inspiraçSo cómica, o illustreescrfp- 
tordeve ser tido, principalmente, como um pensador, critico 
e moralista. V^se no acinte com que flagella certos perSo-< 
n^ens, ser inexorável contra os néscios, e tem rasão, por*' 
qitte sSaa peior praga que Deus deitou aomonido. É ordíná- 
riaipQDte com a espada de dois gumes, do motejo afiadq 
na nroqip, que entra n'e8las pelejas. Rabellais, Cervantes e 
Molière são os nftoâarchas doeste género, e>Rebello da Silva, 
qae tanto, os tem estudado, que taufo os trata e decdta, 
não {xéde deixar de os seguir, sobrettido cfuando a^ ten*' 
denoias de se« espirito caminham provocadas pelos sorri-» 
sqs sarcásticos do demónio da analyse, e os objectos que 
lhe aipon^ia o dedq do Saianaz do grotesco são algumas d^es* 
sa^ criaturas que iencbem o mundo dos seus ridículos e da 
sua ÍB^flScieo«ia. 

Mas, caso notável. Bebello da Silva encerra em si duas 
eqtiAades completatt^ale oppostas, se aaalysamos n'elle o jor^' 
natksta a o orador pojitieoi: o jornalista cmfimâe*se muitas 



S8 littbiiátoiia 

vezes cora o verrlnario; e o orador jávridis transpS^ ás relids 
naturaes da questão dos princípios, para disparar ai^ íhve- 
etivas pessoaes que ultimamente taoto se crneam nófs parla- 
mentos modernos. Isto ulo quer dizei- que Rebelló» dá SiH*a 
haja sido um escriptor político que só maneje as armas tia 
aggressâo, ou que o dev^m unicamente còn«iderat<- como 
uma penna aparada para. o pamphleto ou fecunda em dia- 
tribes, mas, tendo militado desde 1640 na oppodi<^5o;d'onde 
raríssimas vezes sahin, o seu esiylo inspirou-se de eel-to da 
violência, que as discordiaè partidárias tem levado ás diver- 
sas parcerias politicas. . ' • 

No entanto, importa dizel-o, e- com louvor pára Hebéllo 
da Silva, sobretudo hoje, em que a constúencia do homens 
publico é.thormometro que se eleva ou at)aixa^fi}talfnetíte 
sob o influxo do ambiente governativo: foi sempre 'no campo 
moderado, e em defeza dos bons princípios que o vimos sds-- 
tentar o seu posto. Escrevendo de comôço em atgUmaís fo- 
lhas, tomou por fim a redacçSo da Cartai como prlmeir^o 
redactor, em companhia de Mendes Leal e Silva Turno- ^e em 
1852 escreveu, quasi só, o jornal a Imprensa, Era qualquer 
d'e8tes periódicos se mostrou o publicista esclarecido 'que 
largos e porfiados estudos em admínif^traçlio O' economia 
politica, haviam preparado, e que o conhecimento- da his- 
toria e bellas-lettras fecundara. 

- Todos se recordam ainda dos admiráveis artigos q»e a 
impressão de momento fazia accudir á sua penna ^ portjilrè 
Rebello da Silva, mormente na vida jí)rnalisrtca, poucas ve- 
zes escrevia que nâo fosse com essa pasmo^a rapide^r, q|tfe 
só conhecem .aquelles que tratam de perto cora as exigéuciéâ 
quotidianas das folhas politicas. Esta fecundidade é um^Uos' 
dotes do seu talento, tão fácil e espontâneo em moléar- 
se^na forma que o assumpto lhe determina. ^* 

Porém, esta facilidade, n'elle, ASio é sómehte uni restrt- 
tado da vivacidade de imaginaçílo e qualidades repentistas,; 
que todos lhe reconhecera, porque Rebello á^ Sif va nSo éf 
dos escriptores que. tomam a penna e a entregam òOAi ou- 
sadia temerária aos aca^s da inspiração: Esses esòriptôres, 
qúe, como a águia, contam mais com o vigor das áisâís,' do 
que com as faculdades mentaes, se muitas veae^ 'ábrancaitV 
voos, como a rainha das^ves, que rásgaiíi b espaço e^Vio 
buscar apenas pouso no cimo -de aprumados alcantis; biYtras:^ 
também se éenleai sem tino, nem norte» envolvidas dâès- 



ciiridio dp {amieiro nevoeiro qAie paira na aUufos^inti» Re^ 
beilo da Silva, D|k)"iiDprovi$av escreraQOfi) JnQriv«el» etim 
•ânúravel i ivieioeidadie^: e e$cfeu assiio,, porque iQ'eile ia idéa 
já letíà elaborada e €X)fi(1(yn8ada na e^at lõrma maia eocwtisa e 
faoil. O .maoiíe&taUa torparse Uie ^perms um processo que 
effet(lua.$eoa esforfo.i V ! f t ; 

D'mlas iSOas. polenH^s jormUsii€d6 fifcou; nu eaemopia.de 
taàoa mat& de ume^ptonodavel.. As qu^sito^ <]e direito 
publico e de fazenda acharam sempre n'elle um e^criptor^ 
qiie>«á luoideB deíe]ipo^i<fão/e^vi(il()r.dedf|l(Hioa» .ajuntava o 
canbeoimento esaoto .q ícabat daa maleria& que- tratava. Nou^ 
tro ^DBPO .iornaram^^se celebradas as.a&alyses,. ou juízos 
das.sesaõesi.âas camarás, dados á eationpa diat^ir^iamente 
na Mpnmksa,: 0preciMCQ0s esicriptas ao conter da.penna, e 
em iqw esta não poucas ^íeee^ se. Irocava no tsiylete acerado 
de Juv£taa^ indo ferir ide morte ôs.Hartensiosi: certa najos, 
que entãov c<Moo em.todi^ '0S'temf)iQ6i!enfeât}dvam a tribuna 
parlamenlaf» gagii6>ando disdursos que afugl^ntavam os au- 
(Ktomosi! ■ • "i. ' . . ? ' 

Reb^Uo daSUva, ain^dameamo^atregaeiáãí.tarefaada po* 
ttliça^,quii,;/ein espiriM)is manos fecundos^ eatentisam setn^ 
pre OjidealieataiB os. vôosia:tiido qu^ nQo ^eja? rastejar pelos 
teiu^nbs raao^ das questões positivas^ m^inteveem todo o 
tempo ;0r seu logar», maisiou inenosaciiivoyDa imprensa lit- 
teraria..^FDi n:unft. ck'asles 'íntervallos miais d0$occupados, 
(|*6 r ditei idâu a. lume fosF^OiSia^ da Egrejt^, iíA^n que pro- 
metliaiSQKis^largíi dairaçâio, eique^t eom f^»ar pana os^ amia- 
doresi.da^ tettras i^aor^s, Aeou &ó no .printeiro século do 

Osí tnabaibos^da crática devemtlbei porém^ bastante, e pena 
è qiiejaiiMmorta.^ra ElminOi iQiagístital dissetftaçgo que 
serve de prefaciar a tilibimp(edigãk)i4^&^brad de B|0(:age, bs^ 
sítta como a.eiruditacoltocoãOidei artigos «acerba dos Poetasí 
déAim^ditíf nao fossem .aindu seguidas de outros escripUoSi 
da mesma espécie, com que muitoig^ib^ia a historia d» 
QQlsQ HlMnaitttra, f e a pliitolagia em ^geroK Poucos, como 
Bfibello ida Silvai laqUilatam^melbor o^vMqr dei^uilquer \i- 
yro^.iiiM»\wm»\^ ballesas^e defertos*. Sèmveíxduir aaf)a- 
l3rsf,iabtas> pwrtimloi ã^tíWin e da: mai3 profunda; pdra ebe- 
gar aoS' resultados id^íapreoiíçâ!^ geral,. 9< seu taleiítos, natur 
ralaiMte propenso áfiu^on^nb^laiciaoãe^' syjfitb^tJc&s, coqmk 
toâoaios.talpntoftialtamesrtç eapiritealistas^ 6 porisso^geoe^ 



69 EmtnAttttu 

rallsadores, teyantd o&i tbemBs lilleí*»rÍos sr «hhi grande al^ 
turai, 6 6 â'essas regimes que- os dê60Ã\Hyfve e aprecia, ge* 
nero de tirilica em qdo^lia de Vittemain e Ouizôt^ ttiarsekii 
qire ha afinda mais d'a<|ridlè qud 'd'e^fe, p&t(\m esta i»)rle 
de critica, mais ideal qiie dè nma rígòrosji dedocQSd scieiH 
tifica, foge de toda a formula de ensino o desprende ^tos, 
a qne a t;ensi()llidâdié t &i arrebat^ménlòs dapha»ta»a<kn- 
pèttem o pensamento/ qmndio' o ferem algdtna^ das fàitéM 
do bsHo. , 

Como orador, Rèbello da SHva é ttma das palafvras mdis 
correctas e inspiradas da noss^ tritMina. Antes de obega^ao 
parlamento, o seu tyroctflio oratório baTia )á âido lon^o e 
auspioíoBo. Vimol-o, mancebo de t7 annos^ começar ii*es>- 
ses ensaios de discussUofia sociedade fiscbolastite^RbjrtoVna» 
tica, para ir com o templo conquistando creditou e Irium- 
phos, até chegar á arena politio», onde os largos burisohteft 
dos debates parlamentareis IHe offereceram âmbito, «r, -e i&^ 
citamento a todos os arrojos^^do seu verbo audai2. f* 

Foi em 1846 a primeira legislatura dô que fez parle. A 
sua estreia era desejada por todos qoe (he conhedíafai' os 
recur^^os do talento oratório; O assciA^plo, todavia, em que 
primeiro medid as forças, fo» hm assumplo aridd e pouo» 
sympalhioo, porque foi m renhido debate oue se inawo 
ácérca das eleiçCes dk) Afgai^e; mas a aoíieflidade que lum^ 
seguiu dar^ibè, salpndo*o at6 do ctristosats alUiBÕis, pneit^ 
deu logo â camará inteirará phrase - fluente, illominédaAi 
in»agens, aguda e penetrante. de conceito. A imprensa (éláte^ 
jou a sua apparíç9o, e os certaMes poltUcos coutaram oouk 
um athleta de mais, que promettia ser tão dexti^ nas evo- 
luções estratégicas da controvérsia, como nias ífr^tida^ te- 
merárias da opposíçso aggressiva. li versado mi negtMios 
públicos, te\B sua slssídáidade no jornttlisittOy tddas as qite»- 
tões se lhe apresentaram fahorHares, disodtindo com faoMi^ 
dade as^ económicas, e iffostrafndo raro cabedal demMed* 
mentos nas admmièfrativiís. 

Mas como orador, Rebello 4a âilva, pela sua tadòle, pela» 
suas tendetK^ías, p64es rasgos doeeu espirito e petos lahd^ 
pe)os dfl phantasia, quêf lhe refWge na pbra^ e- iitaliiiina d 
idéa, é ainda mais um omdoh acadefaiibo que mu aridor po^ 
Ktico. Cònbecese que aquente > belto laliíihto, edbcadD-DO es^ 
tildo dos bobs exemplais dd «nfUgoídade e «ouiempoifâMoe* 
opulento de todas a^ li(Hii$ániti&> qM tMtem ò piihdamemo 



ummmui ai 

áfl8,£6rr«as( mais atti»eliv«6, talento iSo íoelinado a. ampliar 
on fipraodes tbeses todas as. qOeslõeâ, e a cii)01*as das So* 
Fes^eumaioiagioaçlio vi(ma, ri60ob«>>e perf amacia:; vé-sa 
QBd espirito assim a oão bafejoti Deus para voar por entrei 
os matagaes das argucias sttk)g:Í6tica8 da falsa fó ppirtidaria» 
e ainda menos paf*a eaperdiçar o viço e a ilôr na arid^ez dos 
problemas ecoaonliaia e floaoeQiros.' Percorre esse terreno, 
e.ittom segurança e arrojo, porqipe.aiguia tao bem eórtaoa 
péquenoá eap^ços como sareatonlaás incomnaenauraYeis ai- 
toraa^ mas .f criiiea lamenta qde forças tão possamae e esmer» 
radas se percam nToiítras oommettimentos que não ataquei* 
to^-paracpie a. Providencia ai destiiKJia. Lamartine» em Frao- 
ça, e Almeida Garrett, em Portugal, são os! dota represea^ 
tanies é^eeta». diríamos eschola- oratoiia,. se tivesse d iseipaios 
e*iIbe<ftese.dado graogear seguidoí^, porém nâo é fácil, e 
RebeU^ da^SiJNay apnxxkoa&do^ge doestes dois príncipes dai 
eloqueacía, patenteia maig uma vooaKâo espacial do que se* 
gae os preceito^ de tão grandiosos modelos.. . i. 

Um doa maíore8:,triompho^>oratoríos-de RebellOida SiK 
va» o loaior tal?i^ez, peto quadro de circum&taQcias que. o 
rodeariam, foi o seu . ditscurso . suBciiado pelo acto addicio- 
aaU em 1A52. .Militava eoiao.ina opposiçlp, e no banco dos 
Hiinistiros senta vamrse bbmens da orateka ^ de . Rod^go da 
Fofíseoai lliagalbaes, do duque de Satdaoba, de António Luiz. 
át: Seabra e do viscoiKle dò.Alipeida Garrett, Este. gabinete 
Qu^ resumia as câlebrtdadefc qtíe à^ tetiras pátrias, os.triíamf* 
pboS'.de'<fòro;os louros da vtctoria. e as magniScencias da 
oraloria parlaimentbr apresentaivam ide mais illoslre na soe^ 
pa^da politica, estavaem A^efitejdojQveA oradoru Em roda 
agrapav^' senlhe uiaa caniatia fiie, .sem acinte^ nen» de^ayre 
para nenhuma pari^ialidade, poderemos ,Qom segurança clas^- 
siSeár coAiOiOimaia sallecto e Ulnstiriido coDgresao nacional 
qae ainda; d: valo poblico^ troui^ea S..Bento. Acabava de. orar 
o 9íutXDr:Mi)i.[BiP(m€a^ A s^mbl^á queestegcandeívulto pror- 
jeotava sohr& todos, Kfueiseibeapuroximavam, qoaaéo seer^- 
gaia fláraifallar; ^oilupana eeiraveri :«fra;sempre immensa. Na 
tribuna, . eomiOí 00$ doinijnoâ^éa ipioesia^ os tbesiouroa.daseix 
safaerle^^a&ipoinpafr.da phantasfia florejajvam-^lhe.dKDiSi lábios», 
deixando todos suspensos e attrahidos. Foi debaixo . de .uma 
d'estas impressões que' Rebetto da Silva se levantou para 
reapodider ao< • i>iacobãe. .d^Almâida; Garèetk O inanteb0> :de- 
puladO' tiobá-o esçuSaKto^xomQi.OiiiresfQ da.^GaiuáFa» ^ íi^q 



62 UmitíkTDiU 

bastava para lhe arrebatar todos os sentidos e faser esqoe^ 
cer o papel de antagonista. E Rebello da SHva erà ont do» 
mais sinceros e enthasiasticos admiradores do grande pae^^ 
ta; mas q debate bavia^se empenhado* e era »isler>sahir^ 
com honra do empenho, e sahim. 

Rebello da Stlva ergoeu-se, e inclinando-se oom reépeito 
diante do chefe da noissa titteratura moderna, soitoo algu- 
mas palavras! de exórdio, qi)e foram o sobejo par9'^llrahir 
ein volta de si a camará todac Galerias e deputados; tiidq 
se tornou ée repente presa da t^nsio gerai» ()ue conceoH 
trou n'um só todos os sentimentos. For um certame que 
eialtòu a tribuna portogoeza^ honrando ao mesmo -tempe 
os dois contendores. . • . : > . r« / 

Ainda me lembro, d^eâsa sessão, uma. das mais Aotafeig 
do nosso parlamento. Os deputados, enlevados nos- â()n8:de 
palavra tão cheia do prestígios, haviam descido dos^ seus loM 
gares, e cingiam o orador como de um circulo de adaiírá" 
ção, permanecendo em tomod^elle. Os applausos n«o go«« 
nheciam nem direita, nem esquerda: subsistia s6 o eDtha- 
siasmo, que dominava as imagi^iações, e que coroava nas 
phrases do talentoso deputado, o publicista e o orador.- 

E quem diria que, decorridos três annos, a mesma voe 
havia de soltar*se sobre a campa do grande poeta^polralan 
mentar tão irremediável perda t Foi talvez um dos momen- 
tos de mais viva angustia para o coração do amigo e do 
discípulo: mas a; solemnidade do concurso, a agonia: qoe 
fundo cavara os seios da alma, as sombras da eternidade 
que já envolviam o nobre finado, fazendo sobresahir mais 
o fulgor á aureola de que a* posteridade cercara o seu nome» 
todo este conjuncto de circumstancias tristes, mas q^ie arre- 
batavam a phantasia para as regiões do mysterio e da contem^ 
plação, feriram a sensibilidade e a imaginação de Rebello da 
Silva, as duas mais poderosas e eminentes faculdades que 
poderiam mover o orador á beira de uma sepultura. Nunca 
a saudade do amigo arrancara mais sublime vòo á melan*» 
cholica e solemne eloquência dos túmulos 1 N'aquella dôr 
houve uma sublimidade sem esforço, porque gemeu no fun- 
do de alma, antes que o talento o tomasse nas azas doura- 
das da inspiração. 

■ I ■ 

Rebello da Silva é actualmente membro do conselho su- 
perior de instrucção publica, logar onde pôde fazer valioso^ 



iITT£RATtmA 69 

seifvii^!^ ín^rqcçâae ás: loiras. tA Aeadefnili das Scieoclâá 
bQiu:a*se de o contar no seu grémio já baannos^e os tra- 
UalUo^qqe essa corporação dhe tem incumbido mostram o 
subido cQQceito em que tem a sua aptidão e os seus bons 
(}^çejoSt.i $( quadro ekmmt0ír^da$ relações polUicas e diplo^ 
m£^UGq«i*4^Portuffal,mmeçHáo pelo viscon()e;de Santarém; 
é !(;(m4:es^e^. trabalhos. que o dístincto académico vae pror 
S€g2[(li^Q« precedendo os volumes de luminosos . prefácios 
em que algumas épocas da nossa historia» devassadas: com 
a^Si^gur-iiaç^i áe uma analyse conscienciosa, nos patenteiam 
muilQs4<^ segredos dos seus principaes acoatecimedtos. 
. m jlnipnensa Nacional está também para'sab»r a lume a 
HisíQria)fía B^Hauração de> 1640, obra para que o labot 
rjQSO 'ej^cvip4Qr havia colhido já materiaes em- diversas èpO'^ 
cas, ^ ^oe Nagora conseguiu publicar, cótn applausos úos 
^jí:e^íadoro$ dos livros de reconhecida, utilidade. 
. vicl^uaimente Beb^Ho da Silwa foi escolhi do -por sua Mav^ 
geçiade a Swhpr D. Pedro V, par^ tomar contada cadeira 
de historia pátria, no Curso Siupàrior de LeUras, que este 
principe^ com o zelo e amor Utterarío que todos ii'elie admi* 
ram, creou ba pouco, e que em breves dias começa as 
suas prelecções. Os seus conhecimentos espécimes n'este gru- 
po de sciencia6 moraes e politicas, de sobejo attestados em 
tantos documentosi» dão*nDs um seguro abono de quanto 
poderá .taler o seu auxilio n'este Curso. É n^estes trabalbos^ 
d^ e^<flu^va analyse critica, em que os seus conhecimentos 
taoto mos podem aproveitar, qu(^ o quizeramos ver sempre 
concentrado. A politica, como uma nuvem negra que por 
vezes tenor passado por diante d^aquetla brilhante intelligen- 
cid» tem-no roubado ás letras em varias épocas, porém agora» 
empenhjaiioem tão grandes compromissos, e vendo ante si 
um futuro de gloria, mas de grave e impreterível respon* 
sabilidadei é de presumir que as suas vistas se dirijam uni- 
camente; para este ponto, que pôde sér, que ha de ser, àf- 
fiançamo8-lh'o, um doá seus mais esplendidos borísontes de. 
reputação litteraria. 

Dezembro-^ 1S59.. ' ' • 






E assim foi: o meu vaticinio não sahiu errado, porque 
BebeUo tia Silva^ com o seu estudo, com o seu vasto e lu- 
minoso espirito e com a sua palavra eloquentíssima, corres- 
pooieo Iriampbatítemente ao pensamento do sr« D. Pedro Y. 



€4 LmBRATCnA 

A fuodaçSo do Corso Superior de Lettras é do Hiostnvão mo- 
narcha que coia tanta $oÍicilade o dotou e auspiciou oonsian- 
tenente com a sua presença, mas a fama que ad<)uifíu, o 
auditório selleolo que para logo correu a escutar as pre- 
lecções, foi obra dos prodigios da ek)qu€ncía de Rebello da 
Silva. Porém, a politica veiu ainda envolvel-o no 1'edemofAho 
das suas lides; e aquella saúde, já alterada, em poucos an- 
ãos mostrou que havia muito a receiar péla existência do 
ilinstre escriptor. 

Durante, este periodo, tão debatido de aUemaliTas, a sua 
fecunda iatelligeticia n3o deixou de produzir, e mmieroeos 
escriptos, em diversos géneros, vieram accrescent9r4be os 
motivos de louvor. S3o d'este tempo» e também de épocas 
anteriores, 2í Memoria acerca ia mda lUteraria^ê pêliíica 
de D. Francisco Martinez de la Rosa, Elogio hisê^ieode 
D. Pedro V, os romances: Lagrimas e íhesouroê e a Caea 
doi pkantasmas^ os contos: Pena de Talião, Vknaúvmíàra 
de el-rei D. Pedro, O infante santo, o drama D". João 11 e 
a nobreza, A torre de Belém, Estadistas fortuguezes. Ora- 
dares portuguezes, e outros muitos artigos, dispersos em 
variadíssimas fólhas, quer litterarias, quer :poUticas. 
. Na tribuna parlamentar, os seus discursos coDtttíUdram a 
ser modôlo, sobretudo de estalo académico. No género ver- 
rinaríQ, a sua oração contra o sr. bispo de Yi2eu> è das mais 
Botáveis que as nassas câmaras tem ouvido^ d talvez das 
mais completas, litterariarpeote considerada, se^ exceptuar- 
mos o famoso discurso de Porto Pyreu, do visconde -de Al- 
meida Garrett, a resposta (de José Estevão, e^ fèlippica tre- 
menda do conselheiro Hodrígo da Fonseca contra as aggres- 
gões do.dr. Costa Hoitremam^ então deputado, três da(3 ibais 
vehementes e celebradas visirinas quie se tem proferido em 
assemblèas parlanientares. 

Foi este discurso que indigitou a Rebello da Síl^= piara 
ministro^ ho gabiqete que suecedeu á siluaçSo de eoti(S pre- 
sidido peio sr. duque ^e Loulé. €oube^(he a pasta da ma- 
rinha, e na sua gerência ostentou tal activídadcl 'e'«onbeci^ 
mentos tao especiaes que sufprehenderami os Btfds .affeitos 
a admirarem os grandes dotes d'aquelle talento. O relàto- 
Eioem três partes, e qué forma um t»om volÂriíe^ àpwBsen- 
tado ás oòrtes, logo mezès depois de entrar •• fio igorânio^v 
prova de certo quanto Ibs ercjni já {amilidres 'qiiestõèS' tSo 
graves é coinpteKás, porque* t^jRiinisterJa daiiiipriíihá ciMran^ 



:ge o>s mais difficeis ramos em qae se ãitide a ge^enicía do 
«^Cadaem ;er»l, pais comprebe«)daaiapmadai cdlonías, gtier- 
VB, bzenda>, e até negocias ecdosiaaiieoS', e todds estas ik»» 
toi^ias^ lacK)aiiiente^€dmpendi»das e d«9(»avôlyiâas; s« aebani 
&'este trabalho q[ue rienham hòmeoi pabliÈoipóde deixar de 
lep e éMivdar, sd qaizer eonheoer de peMo^ e com exaetí- 
dão, o que é e' o que ptoderáP vir a sièr am dos mais tm-»' 
pirtanteS' nafisos d!a nossas adiamlstração; Wúsns» palavra,, se 
Aài ctmdrai dt)»']^aii8s Blsbedo da Sftva conuíauou a suisleoK 
tar os seus créditos de oraéíkvComb mioistro foi reforina^ 
éor odm meOvod^, e> admiiiístãradpr com dfeaepotiWQto, re- 
<tliinO' e economia. 

Infelizmente, o seu estado phvsico já nSo podia CK^mlSo 
âft(figosas iUGubrs|ç5es. SifbstiKiid^ o gabíáete de que f^zía 
pnv^, r8lírou*se para a s^a Qwhua do» , VaHei vrsiohia a Saa^^ 
iHAretiv» a buBear socego e conforto is suas Torças debili* 
IBÚ»; c^mVaà(í, os seus amigos» qpe' eranr muitos» espe^ 
raram .delíalda O' sea reslabeleeíraiwito. A enfermidade ag^ 
gMmm^e, ea iltusSov até abí ei^lerlida, de que a scienda 
a poderia debellar, dissipou-se de todo. Yeiu para Lisboa;, 
•e ainda durou algum tempo, mas os seus momentos der- 
radeiros foram excruciantes. 

Cbegou o dia 1) de setembro K O sr. marquez de Avila 
pediu a palavra, na camará dos pares, e disse o seguinte: 

<Sr. presidente, pedi a palavra para cumprir a triste e 
dolorosa missão de participar a v. ex/ e á camará, que o 
nosso illustre collega, o sr. Rebello da Silva, um dos or- 
namentos doesta camará, e uma das glorias doeste paiz, dei- 
xou de existir esta manhã, e tem de ser sepultado ámanbl 
ás doze horas do dia. 

«Peço á camará que convenha em que se lance na acta a 
expressão do nosso justo sentimento por tão grande e irre- 
parável perda fapoiados). E a v. ex.* peço egualmente qae 
dô as suas ordens, afim de que se prestem ao illustre fina- 
do as honras, a que elle tem direito, e ás quaes estou per- 
suadido, que toda a camará não deixará de se associar 
(muitos apoiados), 1^ 

Egual participação fez na outra casa do parlamento o de- 
putado Marianno de Carvalho. 

A magoa que se apoderou de todos foi profunda e sín- 

« De 1871. ... 

TOMO 1 



-I 



66 UTTBRATURA 

cera. Rebello da Silva, d3o era só uma gloria das nossas 
lettras, era também uma grande alma. Quem escreve estas 
líiiiias, que foi um dos seus amigos íntimos e mais sinceros,, 
sabe-o a fundo. N*aqueile coração não havia senão bondade» 
até para os ingratos, que os teve e sobejos. 

Deus acuda com o arrependimento áquelles que abrevia* 
ram, com fundos golpes, dias tão preciosos! 

E assim terminou o ultimo orador da famosa galeria, em 
que foi um dos principes a par de Passos Manuel, Garrett,. 
Rodrjgo da Fonseca e José Estevão ! 

A eloquência dos. príneipios generosos e elevadas theses^ 
politicas, arrebatadas pelas imagens vebementes, expirou 
eom elle. 

Quando o auctor d'este livro revia a primeira prova da 
esboço bíograpbico que acima se lé, teve logo o triste pre- 
sentimento de que o livro não sairia a lume ainda em vida. 
de Rebello da Silva. O presentimento realisou-se. A biogra- 
phia teve de ser arrematada com o necrológio. A aprecia- 
ção do escriptor vae orvalhada com as lagrimas de saudade 
áo amigo. 



/ 



RODRIGO BA FOKBECA MAOALHISS 



A imprensa tornada arma insidiosa.^Àmor que o illustre estadista consagrar 
va a esta instituição.— Desassombrodo seu caracter e a BevUla do tmno no 
Gymnasio.-— Os calumniadores e o homem publico.-— O panegyrico fea- 
demico do sr. Latino Coelho e a eschola politica de Rodrigo da Fonseca. 
•— A Inglaterra e a sympathia pelas instituições liberaes da eschola in- 
glesa.— Discursos do grande parlamentar.— As necessidades da politica 
appellando para o seu tacto governativo.— Sua ida a Coimbra.— O gran-^ . 
de estadista no gabinete e na tribuna.— O jornalismo eschola pratica dos 
maiores estadistas.— Talento oratório de Rodrigo da Fonseca.— Famosa ' 
replica de improviso ao discurso do dr. Bazilio Alberto.— Morte e fune- 
ral. 



Em 1859 publica va-se em Lisboa a Hevistã Contempora^ 
nea S periódico cujo fim era reunir n'uma série os princi*- 
paes traços biographicos do$ faomeos que avultavam enCia 
mais importantemente na scena politica, e acompanhai^)» 
dos respectivos retratos. Por todos os motivos, o nome do 
conselheiro Rodrigo da Fonseca Magalhães, não podia dei-, 
xar de ter um logar n'este PaQíbeon de caracteres puUNoos, 
visto que Bntre todos, e acima de nraitos d'elles liavia já 
figurado como o representante de uma eschola polilrica notá- 
vel pelo respeito que consagrava ás iastituições liberaes. e 
madureza de priocipic» práticos^ como ai palavra mais elo*: 
quente e arguciosa das npssas controvérsias parlameateres, 
e.sopce tudpicomo o bomem atilado para quem as neces* 

? Aiwèlimote oftaiii, apesar do mesmo titoloi nada tini» de c^nnonait 
cpai ^,m)isUi CòfUiimoranea àaLÍ& à estampa em folhetos çiens^Qi^ du-* 
rante wànnos de 1859 á 1S63.' Aquelm comççou em Íd48, e seguiu depois 
emilSiS. ' 



68 UrTERATURA 

sidades publicas, em occasiões de apuro, viravam muitas 
vezes os olhos, procurando na sua prudência e conselho o 
remédio dos desconcertos que a cubica de uns e o egoís- 
mo de outros haviam trazido á admmistraçâo do estado. 

Os editores da Revista Contemporânea solicitaram, pois, 
do conselheiro Rodrigo da Fonseca alguns esclarecimentos 
que os podesse ajudar no trabalho que intentavam fazer a 
seu respeito. A resposta a esta exigência foi concisa e mo- 
desta: respondeu que a sua vida nâo valia a pena de escre- 
vera, em (juanto fosse vivo; que, de(H)is da quarto, fizesse 
a justiça dos homens o que quizesse. 

A malevolencia de seus inimigos interpretou a escusa 
como evasiva, atraz da qual queriam descobrir o receio do 
homem que havia atravessado épocas combatidas de paixões 
partidárias difficeis para todos, e onde não poucos earaete- 
res públicos tinham naufragado. 

Más a esta interpretação insidiosa responde o caso se- 
guinte. Em 1852 representava-se no Gymnasio qma revista 
do» anno, por titulo Progresso e Fossiíismú. N^esta espécie 
de juizo final do anno, a que eram chamados a comas os 
ridículos mais característicos da época, appareciam referen- 
cias sâlyricas à regeneração,, e ao sr. duquiQ d^ Saldanha e 
mais figuras que tomaram parte n'aquelle acontecimento po- 
litico. O marechal irritou-se, ou antes a sua corte de auli- 
cos por elle. O certo é que a Revista do anno foi avocada 
ao cooservatòrtò, e, por essa occasiSo, Rodrigoi da Pdnseoa» 
iHÍBÍslro do retfio que era, escreveu ao digno secretarid' 
d^^tiell» reparliçao, recommendando-the que examinasse a 
Mefíiêta eott escrúpulo: tirem tudo do (h$que (accre«ieeDtava> 
eHe) «» dêitem-no para mim. Com tanto que o publico rkti 
e-ú theatm ganhe, é o qu» eu desejo. 

O hMiçm' que escrevia oom este desassombro* nid temíà- 
a> erttica publica e aiada^ menos os motej^^s da satyra maMt'^ 
zente. E nSo tema. Rodrigo da Fonseca Magathies foi per 
muttO' tempo o estadista mais vidímado pete oosso }orna> 
lisslmo pdliiicf»* Houvai uma épocai alè em que os fterop^s^ 
col1fgaA>9 dd opposi^o* só miravam aquelle alvo, Gada qual 
aporfiava ei» Ihp cuspir mais mi aleive, ou em lhe assetear 
mais a reputação, com tiros que trespassavam o caracter do 
boinéni pbbtico o iai» crivar o^ ooraçSh»^ do hoioe» ptrUcti- 
lar« Nem o sacrário da hm\\x aem sts santas affaicSto djei 
pae 6 esposo tiveram indulto perante este plano de iá&UBia»* 



luniuuunniA 69 

gio. Nio havia garraio da imprensa, que preleodesse exeN 
oitar-se na gymnastica dos doestos quotidianos, ,que se dm 
oiCGultasse nas sombras do anonymo, para d^abi Ibe arre^ 
messar a sua pedrada. E a malícia dos adversários espa*^ 
Ibava ainda que Rodrigo da Fonseta gostava d'isto: que se 
fingia Injuriado, mas que ria por dentro. O que fazia que 
muitos tomassem esta tarefa por brinquedo em que affia^ 
vam as armas e adestravam os melhores golpes da invec- 
ctiva. Cursavam a aula da diffamaçio i custa da bonra do 
homem de estado. A critica sisuda perguntava: — Por -que 
atacam a Rodrigo da Fonseca só quando elle é ministro? 
As manchas que lhe notaes serão de agora ou de outros 
tempos? São de outros tempos, porque de agora ninguém 
se atreve nem a suspeitar da sua honestidade. Pois se as* 
sim é, como acontece que aquelles mesmos que o mandam 
paiibular diariamente na praça publica da imprensa, o dei- 
xaram subir a ministro, a conselheiro de estado, a par do 
reino, e o teem chamado sempre em círcumstancias criti- 
cas, e lhe teem pedido o auxilio da palavra, na tribuna, e 
do conselho, no gabinete, e se ufanam com o soccorro d'es8a 
palavra, narrando proverbialmente até os seus conceitos, os 
seus chistes e sentenças, e se reputam fortes com o alcance 
do conselho, adoptando-o, encarecendo<o e colhendo-ibe os 
fructos? Gomo acontece tudo isto? Pois o homem era já 
Fotm, e fostes procural-o; e depois de collocado assim em 
posição eminente, é que lhe assacaes os defeitos, e nio 4e* 
feitos de ministro, senão defeitos de individuo de outras 
eras, que por isso vos deveriam ter impedido de concorrer 
oom elle nos diversos passos que deu primeiro que clle- 
gasse á posição elevada que per fim occupou f 

bê todas estas contradícções appareciam documentos tris* 
tifôimos nas folhas periódicas. Isto poderia indignar o wà* 
nistro e atemorisar o homem particular; e nio aconteoett 
assim: o homem particular lastimava^ na intimidade dos aitii* 
gos, os desvarios do jornalismo; e o ministro não condem-^ 
Bou jamais a instilui(^o pelos erros d^aqueUes que mal a 
intendiam e representavam. 

Pelo menos, esta aggressão parcialissima da parte de aK 
gmis periódicos, aggressão que chegou a ser conloio impla* 
cavei contra o homem de estado, parece que lhe devia fa- 
zer crear aversão á imprensa^ e não fez já mais. Nunca o 
víamos mais risonho e expansivo do que quando failava 



70 LITTERATURA 

dos seus. primeiros anãos de jornalista. Era cooi sandade» 
e ao m&snlp tempo com ufania que se lembrava d'essa época . 
E até se pagava muito de que o considerassem o decano do 
jornalismo poliiico liberal. 

Rodrigo da Fonseca MagalhSes era um espírito superior; 
etle conhecia-o; mas conhecia -o como o conhece o homem 
que conta com as suas forças hercúleas, e sabe que pôde 
vencer. Âs mil circumstancias que agrupam em roda do ho- 
mem de estado toda a espécie de individuo de mérito e 
sem elle, haviamlhe aproximado muito pygmeo, que ruíDS 
paixões roíam por dentro e que dava a seus desabafos as 
variadíssimas formas que a calumnia inventa, e Rodrigo da 
Fonseca Magalhães percebia tudo isto e ria*se. Nada mais 
fácil do que enfrear os libellistas que o injuriavam: aos pe- 
quenos, era poNos debaixo da acção da justiça, eaos gran- 
des, captal-os. Nunca o tentou. A.ppareceu ahi uma lei de 
repressão para a imprensa, e foi elle o seu mais incansável 
e sincero impugnador. Não nos consta até que chamasse ne- 
nhum jornal aos tribunaes, salvo uma vez, e essa mesma 
porque o jornal o accusava de peculato. N'essa occasião a 
calumnia arranhou a probidade do homem (que foi só uma 
vez): então nem se riu, como fazia sempre, nem reeeiou tão 
pouco, como assegurava a malevolencia dos inimigos, que 
a sentença dos tribunaes viesse conQrmar as accusações fei- 
tas nos domínios da politica: appellou para o paiz, repre- 
sentado no jury, e o ministro foi julgado sem culpa, e o 
jornal condemnado. 

Um dos nossos primeiros talentos, *■ tratando de esboçar 
o panegyrico académico doeste homem notável, traçou eia 
dimensões largas a apologia das revoluções, como quadro 
em que naturalmente poderia ser emoldurado o retrato de 
Rodrigo da Fonseca Magalhães, e apresentou*o depois como 
filho legítimo d*estas convulsões sociaes. E comtudo, Ro- 
drigo da Fonseca Magalhães temia e aborrecia as revoluções. 
É elle próprio que o declarara «....Não venho aqui justifi- 
«car a revolta (dizia elle, em 5 de fevereiro de 4848, na 
«camará dos pares), nem direi que nunca entrei em nenhu- 
«ma ; como ha pouco observei, olhe cada um de nós para 

< o sr. Latino Coelho, no elogio recitado na Academia Real das Sciencias, 
que corre impresso. 



LITTEllAT0âA 1^ 

4í0 seu passado e emmudeça.... N3o venho pois, nem pó* 
«dia, n'esta edade, n'esta posição, faier elogios a revoloçãd 
^aigama, nem militar, nem não militar, parcial ou geral. 
«Todas as revoluçOes, como a lava do Vesúvio, destroem 
«os paizes onde chegam: de todos os males com que a di«* 
^vina Providencia nos pôde castigar, as revoluções são o 
ornais funesto. Se por meio de revoluções um ou outro bo* 
«mem se tem engrandecido e triumphado, se houve Syllas» 
«Mãrios e Gezares, não é menos certo que ellas teem cati* 
«sado a destruição dos impérios, e levado aos povos o ex* 
^terminio é a miséria.» 

E a'outra passagem do mesmo discurso: — «Diz-se de mim 
«que nenhum partido represento, que nenhuns soldados, 
«nem chefes me reconhecem, que ninguém teáho, não soa 
«partido, não sou nada. Eu sou o homem da conciliação e 
«da paz: e dir*se-ha que um homem de paz não tem par- 
«tido algum no paiz? Não o creio; pois por ventura não 
«existirá fora das fiteiras do exclusivismo e da intolerância 
«alguém que solte livremente a palavra a favor da pátria» 
«chamando esses homens enfurecidos a escutar-se e tolo* 
«rar-se mutuamente?» 

Estas palavras dão a verdadeira indole politica de Ro- 
drigo da Fonseca Magalhães. Doestes princípios é que ella 
procede, e foi com elles que as suas convicções se abraça* 
ram, e de que fez normas constantes de governo em toda& 
as diversas administrações a que pertenceu. Abriúdo os 
olhos para as coisas do mundo, quando Portugal comej^va 
a sentír-se alvoroçado com os primeiros assomos da liber- 
dade que já irradiava da Hespanha, em 1812; Rodrigo da- 
Fonseca Magalhães, coração aberto ás aspirações de eman- 
cipação social, imaginação fácil em inQammar-se com os seus 
triumphos, não podia deixar de acudir a tomar parte «ai* 
lodos os episódios da epopôa, a que a revelação do Porto, 
em 18â0, abriu as primeiras datas, e que a convenção de 
Évora Monte, em 183i, assellou com gloria para as arm^^ 
constitucionaes. Era impossível persistir indiffereote diante* 
doeste espectáculo grandioso da Península que se reunia 
para destruir as formas do velho absolutismo, e substituil^as 
pelas instituições de um novo credo politico. Rodrigo da 
Fonseca associou*se a quasi todas as peripécias d'este coài- 
plicado drama, em principio tio sobresaltado de incertezas 
6 por vezes quasi sufiocado pelos esforços desesperados do: 



92 juarrvíMfw^ 

despotismo, mas por fim glori<»sD para a perseverança d& 
seus martyres e apostoles. 

Porém, ainda mesmo no meio d'estes abalos da nossa 
sociedade política, Rodrigo da Fonseca se mostrou antes 
propugnador da acc3o natural da excellencia das idéas, do 
que partidária úo ímpeto o Torça das revoluções armadas. 
Espirito maduro, apesar dos poucos annoe que enlâo ímí- 
tava, e versado pro&mdameníe na analyse da historia^ co- 
nhecia que as transformações sociaes, aquellas que levivm 
setas effeitos longe, e que. ^ópois os transmudam em tosti- 
tuições profícuas e duradouras, nascem sempre de um prin- 
cipk) fecundo, e que esse, iocubado nos ânimos, vae pouco 
a pouco germinando,. o'uma marcha progressiva e ineessan-^ 
te, embora lenta;, ao revee d'essas outras revoluções, qae 
impellidas apenas por uma ambigâo individual, pela rivali- 
dade de um throno entre duas dymnastias, pela sede de 
eonquista ou pela aversão de algumas classes entre si, re- 
bentam como a lava do vulcão, talam as campinas, arran- 
cam arvoredos, queimam a vegetação e a vida dos campos, 
e deixam, como vestígio único de sua passagem, o exaspero 
' dos povos e a miséria das nações. Aquellas confiam no seu 
influxo próprio, porque derivam de uma norma moral, de- 
um sentimento generoso e fecundo, de uma lógica pratica 
de governo, e por isso lançam unicamente mâo das armas 
a vem l)radar á praça publica, quando a oppressão dos des^ 
potas tenta saffocal-as no seu gérmen. É ainda mais um^ 
desabafo natural, do qoô pm Intuito de aggressao esta mos** 
tra (de força. As outras,. não; ^s outras vão amontoando nas 
machinaçõés teúebrosas oB elementos de força e triumpbo, 
tiram logo da espada, e substituem assim com a viól^cia 
e o terror o que oão poderiam deribar com a auctoi^tdade 
de seus dogmas;. 

Rodrigo da Fonseca amava a liberdade: como poucos deu 
disso testímunhos eloquentes até ao fim da vida: (conhecia 
(pe essa aspiração generosa mais tarde ou mais cedo se ha- 
via de radicar no animo de todos os portuguezes, e por issa 
confiava antes da lógica persuasiva do tempo do que dosart 
gumentos das revoltas, a victoria dos bons princípios. 

Além desta disposição natural do seu intendimento, outra» 
circumstancias mais occorreram para o Qlíar na eschola 
doutrinaria, em que depois figurou a par do duque de Pai- 
mella, Agostinho José Frdre e Mousinho de Albuquerque,^ 



unrausuRA 73 

e foi ^e certo uma 4'efises circuaistancia$y e mui princy)al, 
as relaições de estima qoe travou com vários dos mais no- 
táveis oiSciaes inglezes, quando» ainda bem moço, serviu, 
no Corpo de Guias, pertencente ao exercito anglo-luso, na 
£>uerra peninsular K A seri^ade do espirito brítannico, a 
sua dedicação e respeito ás formas constitucjonaes, e prin- 
cipalmente o talento pratico de seus estadistas, analysadoe 
encarecido em continuas conversações, nâo podia deíxaor do 
influir e lançar po animo de Rodrigo da Fonseca IVlagaitiães 
os germens de principios e theorias de governo que depois 
ircictííicaríim tão largamente. Foi esta como a primeira escbola 
pratica, das suas idéa^ liberaes; e talvez a origem da predí- 
iecção, que n^uitos depois lhe notavam, com que elle sem- 
j)re fallav^ da constituição ingleza e das muitas coisas úteis 
4'aqi|e|lo paiz, que necessaiiamenle lhe haviam de despertar 
J^^\^ vivamente este rultq» qvidnda, decorridos annos, se re- 
fugiou em Londres, com outros emigrados portuguezes. 

Educado pois n*estes princípios sólidos de liberdade, que 
a Inglaterra julga antes dever ás deducções lentas da mar- 
cha do espirito bqmano, que aps tumultos anarchicos dos 
reformadores ipsaí!rJ(joâ, lodrigo da Fonseca Magalhães aa- 
iípathi^ava com os abalos violentos da sociedade, produzidos 
pK^la exiplosâo do o^lio.e furor dospartidos« Depois., os qua^ 
dros ensaguentados da Jtevoluçao Franceza, como que tra* 
ziam ainda os gemidos dàs suas victímas aos ouvidos de to- 
dos. A imagem resignada de um rei guilhotinado, cercado 
de sua família perecendo ás mãos. do algoz, ergnia-se tam- 
bém das rui^s d^esta^ epnvulsões da anarchía, e resumia 
Q pathetico da irrespops-^bilidade de um príncipe diante dos 
ei^cessos do fanatismo revolucionado, desabafando sobre a 
instituição da realeza. Vinham ainda ajuntar-se a estas lu- 
ctuosas scenas de cadafalso e subversão de todas as normas 
ivais puras e sstgradas do respeito da familia e das classes, 
as devastações das conquistas do Império, essas outras re- 
voluções com que o despotismo militar, em nome do génio 
da victoria, algemava a independência das nações. Surgia 
Saragoça em cbammas; appareciam os nossos monumentos 
espoliados e mutíl^Hlos^.e o espirito da nacionalidade fora* 
gido, e fião antevendp em seu futuro senão as cruezas e 
e^terminios da gmerra. 

* Foi capitão. Mas antes d^essa época, já tliihiGi servido no Batalhão Àca- 
deanico, por oecasiãcda -revolução vtiJberal que rebentou ao Porto. 



74 LrmsáATtJRA 

Era por isto que Rodrigo da Fonseda odiava as revolu- 
ções, que as combatia, que pedia á eilperíeucia das coisas 
e ao juízo dos homens a segurança e progresso das socie- 
dades; era emOm por todo este complexo de reminiscên- 
cias de factos, uns que elle bayia presenciado, outros que 
lhe haviam abalado o coração como um éceo doloroso, que 
era doutrinário, amaldiçoando os iúdividuos que entregam 
á fluctuação das revoltas a emenda dos erros políticos. O 
solo que circunda o Vesúvio abre, é verdade, os thesoiros 
de uma vegetação fecunda, depois de tisnado pela lava que 
o innunda nas horas temerosas das erupções; mas é obe- 
decendo ás condições singulares de um phenomeno da na- 
tureza, e nlo segundo as leis que regulam a marcha regu- 
lar da creaçSo. As estações succedendo-se, o inverno con- 
centrando e refazendo as forças nutritivas, que a primavera 
elabora, e o estio sazona e fructiflca, vindo depois o outono 
como uma quadra de repouso, formam a lei geral que pre- 
side ás diversas phases da vida vegetativa. Na ordem phy- 
sica, as revoluções s3o as tempestades. 

Além disto, Rodrigo da Fonseca era d'aquelles homens 
que acreditavam que a consolidação dos bons princípios em 
Portugal se não podia conseguir sem a concórdia da famí- 
lia portugueza, porque o predomínio exclusivo de um par- 
tido, nunca pôde ser senão o repudio das outras parciali- 
dades em que esteja dividida a actividade politica; e os paí- 
zes jamais progridem, nem prosperam em quanto os franc- 
cionam ódios intestinos, senão colligando-se, e colligindo 
todas as suas forças a bem da pátria commum. 

Este era o credo, e ao mesmo tempo a aspiração de Ro- 
drigo da Fonseca, e por isso elle se apregoava homem de 
paz e conciliação. 

Os indivíduos que só podem medrar no meio da turbu- 
lência dos conflictos civis, porque n'estes momentos de du- 
vida e inconsideração não se dá pela hediondez de seu ca- 
racter, e a mão da necessidade acolbe-os e elevava-os mui- 
tas vezes, estes indivíduos compraziam-se de o apregoar 
como utopista; mas o que fora apenas sonho, e sonho coq- 
demnadò pelos exaltados nos primitivos tempos de efferves- 
cencia, já o não era dos últimos annos da sua vida; e hoje 
esses desejos tendem a formar até o fundo da nossa socie- 
dade. Rodrigo da Fonseca já o previa» quando exclamava 
na camará dos pares, n'estes termos :-^<Se a verdade não 



LRTERATimA '75 

«6stá em nenhoma espécie de exclusivismo, que importa 
«qoe ella tarde em sea triompho? Eu a professarei até mor- 
€rer. Após de mim virão mais fortes defensores, espíritos 
«mais elevados, vozes mais eioqueotes, que sustentem e 
«propaguem as boas doutrinas. Embora eu fique por muito 
ctempo, e sempre, objecto dos motejos e do despréso de 
«todos os furiosos, e de todos os especuladores políticos, 
«ao menos algum dia me farão justiça de crer que eu mi- 
«rei sempre á mais perfeita união da família porlugueza 
«toda inteira.» 

E assim era, porque até do partido miguelista, do qual 
as suas convicções o affastavam sem transacção de natureza 
alguma, elle dizia o seguinte, n'outro discurso, proferido na 
mesma camará, dias antes. 

a Sr. Presidente, os príneipaes sectários d'esse homem (o 
<sr. D. M^ael de Bragança) já estão velhos; muitos jazem 
«no sepulchro: a morte os têm reformado com mão incle- 
«mente. fclsses que podiam entrar nas fadigas modernas, 
«ainda que trajando á realista por honra da Qrma, perten- 
«oem a uma nova geração, de cujo espirito, ainda que nSo 
«queiram, hão de participar: não podem pertencer ao tem^ 
«po passado: beberam o leite de uma educação mais illtis- 
«trada; estudam, e entendem o systema de hoje, que seus 
«pães, ao menos muitos d'elles, nunca nem sequer se di- 
«gnaram con^derar, reputando isso um grande e horrível 
«peccado. Esses mancebos, dedicados às leltras querem de 
«certo figurar na sua terra, adiantar-se, subir aos lugares 
«mais eminentes, como todos nós, e reconhecem que o ca- 
«minbo para chegar a esse fim é o caminho da liberdade e 
«a adopção do systema representativo, quê elles vêem pro* 
agredir em toda a Europa.» 

A malignidade da satyra libellisla vingava-^se doestes no-^ 
bres e generosos intuitos de Rodrigo da Fonseca Magalhães, 
appell idando^ pa& nobre da nossa comedia politica. Jufga- 
va fazer-lhe uínepigramma injurioso e tecia-lhe o elogio. De 
certo que era o conciliador e o homem de experiência e atila* 
ç3o, para que appellavam em conjuncturas criticas. Era no meio 
dos partidos que elle assentava o seu campo: poucos estaiami 
com elle^ porque poucos seguem a moderação nos caminhos da 
politica; porém muitos o procuravam, quando era indispensa^ 
vel sopitar as fúrias das opposições, ou com sagacidade il- 
ludir a anttpathia das facções, voltada contra este ou aquelle 



76 UTVBRA.TCnU 

caracter fHiblico. E se todos o bSo prooeravam, era por- 
que elle os repudiava com disfarçada e maliciosa repulsa, 
porque ninguém duvidava do seu muito iacto na direc^ 
dos negocies do governo e da s«ia previsão 6 agudeza em 
Uies medir o alcance. Se se tratava de um ministério de fu- 
são, d'estes cujo fim è transigir com as pretenções das par- 
cialidades rivaes» e entretel-as e afagal-as sem as descoro- 
coar de todo até o governo adquirir elementos mais fortes 
de estabilidade, se se tratava de organisar um d'estes mi- 
nistérios a que os motejadores chamam ministério pasêelei- 
rot era Rodrigo da Eonseca o encarregado de o formar» e 
de tomar a pasta do reino. Se «ra necessário dar garantias 
de respeito á carta e de moderaoio no tocante aos actos 
governativos, o chamado aos conselhos da corte era egoal- 
.mefite elle. Se um gabinete, pela di£Eiculdade de conciliar 
«os seus membros entre si, carecia de perceptor, indigitavam 
logo Rodrigo da Fonseca para esse perceptor. Se fioalmente 
importava contemporisar com as potencias externas, oio 
deixando o poder entregue nem nas mãos dos exaltados, 
oem nas dos caracteres cujos precedentes ponham em 80- 
JH^esalto a trat^quiUidade do paíe, aqui tínhamos ainda Ro- 
drigo da Fonseca incumbido d'essa tarefa espiobosa» tarefa 
que reclamava os recursos mais sagazes da sua longa pra^ 
Xica dos homeps e das coisas, porque ^era mister dirigir os 
BOtps do governo, com um olho arteiro nas paixões irritadas 
das nossas discórdias intestinas, e com outro oMio oonlem^ 
porisador que socegasse as notas dos gabinetes estrangeiros. 

A sua ida a Coimbra, por occasião da revolta do Minho, 
é um acto qoe explica completamente tudo isto. N9o par^ 
tilhava das idéas da Junta do Porto, e ainda menos do sys«> 
tema de governo do sr. conde de Thomar, e no entanto foi 
eUe o escolhido para ir ás provincias do norte aplacar a re- 
voloçSo. 

Nada ha de mais chistoso, e ao mesmo tempo que melhor 
retracte o caracter e género de eloquência de Rodrigo da 
Fonseca, que a narrativa que elle fa^ doesta sua ida a Coimbra. 
Ponho aqui por inteiro *este trecho, extrahido do discurso 
proferido a 7 de fevereiro de 1848, na camará hereditária. 

cSr. Presidente, já que fallei de mim, como membro qae 
cfui da commissSo encarregada de formar o projecto para 
ca Guarda Nacional, não poderei tão pouco deixar de men- 
«cionar-me como entidade creada n'aquelle lempo (o da re^ 



«-voluçSa do Minho), e a que se dea (sem eu o saber) a de- 
cnominaÇQO de chefe supremo ad^nfiinislrativo: — Governa- 
ttior civU dos governadores civis (riso). Repita que se me 
«deu essa qualiflcação sem eu o saber. 

«O governo persistia no grande ompenho de paefRcar os 
apovos pelos mesmo6^ povos; ísf/o porece estranho, parque 
cainda cá se» Dão usava; mas a administração ia progfedfin<- 
ado Q!*esCa marcha, e havia- de obter prompto resuUado, se 
fweBos fossem os tropeços que encontrava. Obetaculas se* 
albe oppodei^am, que diemoraram o effèito dás suas diligeu- 
ceias, como acontocea comigo. 

«O governo pediu-me que fosse iBehra, ou ás doas Bei* 
aras» a fimi de fa^er esfsrços pára tranquilltear a sua popa- 
«taçSo, que aindia- sa acbava hiquiela, posto que não tanto 
accMa tinha estado. Era meu propósito empnegar todos os 
cesfoTQOg, por mim e petos meus amigoSi para tran<}uiHi* 
<sap os espiritos, e inspirar-lhes confiança no governa que 
«só queria a manutençlo da Carta Gonstítucional e a liberda- 
«de negrada pela lei fundamental, e essa liberdade nunca seria 
«falseada pelos ministras da- rainha. Era pois a* minha mis* 
«aio o iteei predicate: eu fUi, mas nfiopude prèg^v (riso). 

«Acceitei o encargo por ser difflcii e perigoso^ e porque 
«entendi não dever negar-me a um sacrifício a bem da mi* 
«nha putria. tà fácil, sr. presideme, dar arl^itrios: muitos 
«^s davâtid', mas entrar na execu(ã<) d^elies, poucos queriam. 
«(^ governo pois^ encarregou-me d'esta incumbência, e eu 
«RCceiteí-a-; e havia esperanças de que da minha missão se 
«liraria resultado; má pouea era a que eu tinha n^ella: as* 
«sim tomei a liberdade de o declarar a Sua Magestade mee- 
«ma» bem como aos ministros, a quem disse, que o. menor 
cincoramedo que eu peeei)ef la seria um harmonioso charu 
€vari (riso*prolongadoJ. Eu tinha proposto ao governo a 
«fflifitia ida áS' províncias, nSo como auctoridad*e, mas camo 
«partieular: oamo Rodrigo da Fonseca Magalhães sou mui 
«conhecido em varias povoações da Beira, e tenho lá algui» 
«amfí^os, com. cujo auxilio contava. Eram os meios de per* 
«auaçBOé era a lifigoagem dâ rasSa e dà verdade que eu me 
«propunha empregar para dar desengana aos illudtdos. ffa^ 
«reeia-flie melhor apresentarnob eomo particular, e. fhllar a 
«todos, e ouyir a todos. O ministro do reino pensava de 
«QOtro nqDddi, e porfiava e» qqe eu fosse reivaslído de aor 
«ctoridade; dava suas rasOes doesta preferencia. Pouco aoh 



78 LITTERATBRA 

ctes de chegar a Coimbra, soube eu que do Diário do Go- 
^vemo viera a minha nomeação de chefe civil de um gran- 
cde circulo administrativo, e desde logo contei com o mal- 
« logro da commissão. 

«Entrei na cidade, e poucas horas depois o povo, iosti- 
cgado não sei por quem, tumultuou-se. Foi iosirumento de 
cinsidias como em taes occasiões succede. Fui insultado 
«clamorosamente nas ruas por grande multidão de plebe 
«enfurecida, ou que o parecia. Desgraçada gente! Inspirou- 
«me compaixão 1 Em altos gritos me denominavam, e como? 
«Como cabralista Criso), ajuntando a este outros nomes que 
«não digo, como assobiados áquelle. 

«Atraz de mim correu muita gente, e não correu mais 
«porque eu não apressei os passos. Entrando na casa da 
«Junta, pedi que fossem convocadas as auctoridades, mas 
•Dei^huma apparecía: tarde chagou o secretario do governo 
«civil. O governador saíra da cidade. Vi-me ameaçado e 
«sem meio de desempenhar a minha commissão; e para 
«passar rapidamente sobre alguns pormenores, voltei para 
«Lis^oa^ dando por acabado este negocio. 

«Estranha-se isto? Pois porque foi infeliz esta tentativa, 
«s^ue-se que fora mal emprebendida? Quem não acba al- 
«gum revez na vida? Os Turenn^s, os Condes, os Bonapar* 
«tes, todos os grandes generaes nem sempre foram ditosos: 
«em alguns encontros voltaram as costas aos inimigos, e 
«nem por isso se lhes nega o mérito que tiveram* Perdeu- 
«se esta batalha; eu fui o general vencido ; retírei-me (riso). 
«Lá houve quem não longe de mim disparai dois tiros á 
«saida da cidade; mas nunca intendi que me fossem diri- 
«gidos: pareceram-ma dados para o ar, para causar-ma susto 
«porque soaram a tão pequena distanda que proviaivelmente 
«me feririam, se isso se quizesse*» ' 

Quantas ironias ao ministro do reino de então, quantos 
eplgrammas á fúria popular, n'e5ta ameoa e maliciosa nar- 
rativa 1 . 

Gomo todos os talentos sabidos da elaboraçUo das idéas 
modernas, Rodrigo d^ Fonseca con^eçou a sqa vida publica 
no jornatismo, para depois chegar ás, ^Itas rei^iões da io- 
íluepQia.parlanaentar e do governo i^ É a leigitima carreira 

* Redigiu vários Jornaes em Portugal, q em Lop4res t^onbem, durante a 
emigração. Já depdis fle mihisfro, escreveu e^ahnente em • diversas folbas 
polwcae. ! • . . 



LITTBRATUBÁ 79 

do mérito politico. Primeiro o tyrocinio nas lides da im- 
prensa, depois a sua consagração á frente dos destinos do 
paiz. Foi o caminho de Bolingbroke e Addison, de Gnizot 
e Ttiiers, de Martinez de la Rosa e o duque de Ribas, de 
Manuel da Silva Passos e o visconde de Almeida Garrett. 
Alas na tribunq foi onde o talento de Rodrigo da Fonseca 
patenteou verdadeiramente as qualidades que o tornaram 
celebrado. Rodrigo da Fonseca não era um bomem de ac- 
ção: a actividade d'aquelle espirito, que tudo abrangia com 
acame e relawe de águia, nem Ibe escapando os ridículos, 
para desabafo das suas inclinações satyricas, paralisava eiQ 
hesitações, quando importava determinasse. Na posição de 
ministro, desleixa va-se, e deixa va-se surprehender alé n'es- 
sas faltas. Era mais próprio para dirigir do que para exe- 
cutar: o seu conselho ia sempre longe, em quanto que a 
decisão do bomem de Estado jicava muitas vezes suspensa 
á espera da bora que nui^ca chegava. Negligenciava os ne- 
gócios, nap por Ihe^ temer a difficuldade, porque poucos 
accidentes da publica administração lhe eram estranhos, mas, 
por descuidaqo, e sobretudo porque Rodrigo da Fonseca 
sacriOcaVa tudo a duas boas e espairecidas horas de cavaco, 
que eram todas que elle podia aproveitar, aínd^i mesmo com 
prejuizp dos seus graves encargos. E era n'estes momentos 
que o caracter, o talento e a índole do liorpeqi se revela- 
vam, sem refolhos,, nepn a gravidade affçctada do ipinistro» 
Era expansiva, comesinha, familiar, intima até a sua coo,- 
versação. E que conversação, alegrada de anecdotas» aqui e . 
alU salgada.de apodos e ditos irónicos, de satyras frisantes, 
de recprdaçõe^ dos primeiros annos! Não poucas vezes a. 
galeria àos nossos pygmens politicosera passada em revis-* 
ta Q asseteada de epigramnia^. E era principalmente n'estas 
occasiões quê Rodrigo deixava correr 4 solta o seu natqral. 
Os motejos e remoques salam-Uie dos labjos fulminantes de 
chiste, como tirqs de pistola desfechados á queima roupa. 
E estás horas de deliciosa e explosiva malignidade, não .as 
troçava Qlle. por. coisa alguina do mundo. Podiam vir-|be 
dizer que as bernardas l^e batiaqi á porta, ou que a oppor 
sição lhe apparelbavp quatro interpellações.d.e matar um mir , 
nistro» qujB el)e respondia a isso tudo qom uxu novo çbiste..- 
Póde-se dizer oue possuia a graça, qu^ ^ de^^fa. em ditos ; 
agudos, evn '\ronicas picante'^, eip compsiraççe^ zombeteiras,; . 
a. qKê os antiigos chanuvism dícta^ $aks. E sjò .o, grapejo ^le 



80 LirrfiRATURA 

saía rfiais forte do que dfe queria, se ia ferir de frenfe a 
alguém, apanhava-o no ar, colhia-p no vôo, e depois era 
para ver o como elle se esforçava pela disfarçar cam naalí-^ 
ciosos e novos ditos: mns se novâmerite lhe eseapava (fas 
mãos, nada de mais interessante do qae à Iu6ia que se tra- 
vava entâa, luúta de vivacidade e prudência^ um' nHtagre 
erófím de flexilidtide, de replicas incisivas, de dfeffníçOes ma- 
liciosas, de relt-aelàç^bs até, se tanto erâ preciso, por*m* tu- 
do expHcado de mod^ que a victitna ficava aíneh rtfais en- 
terrada, e míiis exattada a palavra e fòlgor d-d espirito de 
RodrtRO aa Fonseca . 

E era pór ístQ que este homem brilhava, prittfcipalmente, 
no parlamiento, ande podia désetívolver os ínfltólos recur- 
sos do seu erigenho, e altrattiÉ* (íom os engOd^s^da sua pa*- 
lavra. Já a suâ figura era um triumpho para étttf. RodWgo 
tiftha uma beflia cabeça. Uma fronte vasta e- dtesenvolviífe 
aimunciava a força do seu pensamento. Q cabeMo gi*íSiiho 
e revôllo, erguía-se-lhe n^irma desordem êleganle, * manei- 
ra' dbs estadistas inglezes. O oího fundo e obliqira denuncia*- 
>*a a sagiaçidade ^o Homem, e a finura do caracter gue aca- 
bava de' se revdter pela nam a^dunco. e o fino sorriiso \tô* 
irico que lhe brincava na canto dos. tabros delgados e Hgei^ 
ramente sdrvitfos. Era a e!cpressao coiúbinadà da medltaçiò 
e perspicácia. A ,vòz era e^çtremamente sonora, e- poucas- a 
poderiam egualar na variedade d'ás'iriflex5es: a palavra, essa 
sempre grave e concrsíi. <5aa:n(ia se erguia pai*a faWap pare* 
cia haver alguma coisa de affectada no seu todo, o que tal^ 
veí lhe dava atè mais gravidade e* distincçií^; Os seus ges- 
tas e posições tinham dignidade e altivez, sem sere.Aí thea^ 
traeè. Ás vezes parecia escutaivse, como espreitando satis- 
feito a pureza da sua dicção e a ffuencía limpida e colorida 
da stra phrasie. Se ba* oradores a quem se possa applícár 
com propriedade^ o dito de Plinia. mutto ma^s' afíieit vim 
vox^ era a ftadrígo da Fonseca, porque raros, como éHè, 
possuíam a eloquentiia da voz animada; 

A sua discussão era S[oIida, mas ás vezes tqiis argucfosa 
que salrda, 6 murtas vieses entrava nos domínios' da senti"- 
menta, onde sabiá ferir atã as cordas do pathetieo; e sendb 
necessário, para: as seus eflMlos oratórias, pasmava iiAme^ 
dtatamentie aos termos fòceis da jovialidade^ que, ápiaieQta'> 
da dè ligeiras ironj^s, resumia a strt vardadeira indol^. 

Algumas vezes parecia aftigir^eou hfdtgàar-se', ^ nlHgeiem 



^ 



«orno elle sabia tirar do peilo %xm mais cavos e repassados 
de logubre accento Iriagrco. Se não se soubesse que era Bo* 
drígo dâ Fonseca qoe estava orando» todos eborariam. Mas 
Dão, porque os expierimectados viam-no rir por dentro. 

Até dos óculos elIc tirava partido pa^a esies elfeiioâ, erguen- 
do-os para a testa, quando carecia de um aspecto imponenle e 
dogmático, ou puxando-os á ponta do Daríz» e olhaudo por 
cima d^elles, era seiutido obliquo, quando disparava alfi^im 
epigramma. N'este momenio a victima tíAba d« se agachar» 
porque o tiro era certeiro, e a risada da oamara geral. . 

Na tríblma', Rodrigo da Fonseca era mais que um talento par- 
lameoitar, era um portento. Todas as faltas da sua vida pu* 
biíca, elle eínendava com os recursos da sua palavra.. Dizia 
âó o que queria; e, como o piloto hábil, dirigia a phrase ^ 
as idéas por entre todos os escolhos da discussão, sem nem 
sequer tocar n'um baixio. Era raro apanhal-o em qualquer 
quesiio: quando se via absolutamente sem armas solidas» 
retirava pela porta do sophisma, ou fazia como o atirador 
aspertq, que, vendo-se perseguido por numero superier d^ 
tropa inimiga, antes de saltar o vaiado e fugir, dispara al- 
guns tiros dos mais certeiros. 

As suas expbsiçoes saiam d'aquella booca eloquente sem* 
pre lúcidas e ás vezes contendo todos os encantos do estyto 
narrativo; e nas replicas tomava nâo poucas occasiões as 
f&rknas verrinarias do grande orador antigo ; porque — di- 
ga-se de passagem-*- nenhum orador d^nossa tribuna, nem 
mesmo Garrett, soube melhor alliar is necessidades da líiir 
guagem dos negócios a pureza do nosso idioma e qs dictar 
mes da eloquência antiga. 

Nas refutações ainda Rodrigo brilhava mais. Já quando 
elle recapitulava os argumentos do seu adversariq o fazia 
com tal arte, que o crivava d€ setas, deixando-o a escorrer 
sàbgue aos olhos da caoiara. No eotanto> nos desforços era 
circomspecto, e ás vezes até generoso: só apertado dispa*- 
ra<Ta alguma d'3qoeHas frexas, que tinha tanto á mão, e que» 
desfechada^ com olho de mestre, cortavam a invectiva na 
garganta do teioerarb que ousasse medíl-o com a vista. 

Uma interpelhaçaoí de certos deputados, feita a Rodrigo 
d» Fonseca, tornavam tim motivo de jubilo secreto para 
€lle, e um espectáculo para a camará. Já na véspera se an- 
nuDciava a interpellaçao, como se poderia annunciar uma 
das. melhores sortes de Montes ou Solamanquino. Ê effecti- 

TOMO I 6 



▼ainente, o paciente era qnasi sempre passado á espada de 
ddfs guine$ do iiiinistro do reino. Nada de mais importante 
do que vôí-^o n'esses momentos. Começava por se fazer es- 
perar : dava a hora e o ministro sem apparecer. 

—Talvez nío venha 1 

— Tem receio da ínterpellaçio. 

— N3o, que o negocio é sério. 

Estas conjecturas augmentâvam o interesse da siluacSOt 
e o que desejava Rodrigo era accrescentar-lbe estas circum- 
stancirs dramáticas. 

Por fim apparecia : vinha afflicto e espavorido. Trazia im- 
m^sos papeis na mSo, e um continuo da camará, com uma 
pasta, após de si. Naturalmente fora a sohiçio difiicil de mil 
negócios que o arredaram e não o deixaram apparecer mais 
teedo. Sabido o caso, havia estado a conversar nos cerredo* 
ires, e tornara-se necessário advertiUo para entrar na sala. 
Começada assim, o resto da interpellação corria pelo mesmo 
gosto. Algumas tergiversações, uma argúcia, dois ou três 
protestos, uma appellaçâo para a verdade da sua palavra, 
resumiam tudo. Os deputados riam, as galerias applaudiam, 
e o próprio interpellante, perguntando a si mesmo, inde- 
ciso, se deveria ficar satisfeito, sentava-se e calava-se. 

Se, porém, o interpellante era um dos raios fulminantes 
da nossa tribuna, como José Estevão, ou uma provocação 
audaz e petulante, como António da Cunha, ' então a táctica 
era outra. Já antej da ordem do dia o viriam sentado no 
seu logar. O papel que ia representar tinha de ser grave, e 
talvez pathetico. As primeiras palavras do exórdio eram pau- 
sadas. Com o lápis na mão direita, e voltado para o centro 
da camará, invocava algum princípio generoso, que sempre 
encontra éccos nas maiorias. Depois annunciava que ia res- 
ponder á questão, que explicaria tudo. Caminhava, chegava 
quasi ao terreno próprio da interpellaçSo ; avistava-a até; 
parecia que ia travar d'elia, e estrafegal-a nas mãos, e de- 
pois cobrir de fulminações e invectivas o adversário ; mas 
quando havia assumado ao ponto mais culminante da argu- 
mentação, recolhia-se n'uma reticencia, n*uma evasiva, ou 
fi'uma ironia, e descia pelo outro lado. Em seguida, se aper- 
tavam ainda com elle, dizia que tinha alli os documentos, 

. > Hoje yisconcle de SouttorMaior, e nospp ministro residente éín Dina- 
marca. 



LITTBlUTinU 83 

que ia dizer a verdade ; pedia aiè, supplicava a aUençSo de 
todos os lados da camará para as iinportantes^ revelações 
que ia fazer; tirava os óculos affliclo no calor do debate, e 
depunha-os sobre a pasta, para a qual apontava como para 
o arsenal d onde a opposição tinha de vér sair os inconcus- 
sos documentos que a fulminariam. Depois um violento 
murro, caindo sobre a pasta, no fogo de alguma apostrophe, 
espedaçava os ocutos. 

Esta era a grande peripécia, já ensaiada de antemão, por- 
que, quebrados os óculos, os documentos lá ficavam sem 
ser lidos ^ 

Conhecido o logro, alguns deputados ofTereciam*ihe as 
suas lunetas para que podesse ler os documentos. Mas Ro- 
drigo padecia de uma myopia especialíssima; nâo podia vér 
senão pelos seus óculos; e sobretudo, os papeis d'aquella 
pasta nâo podiam ser lidos senão pelos óculos quebrados. 

Os papeis da pasta eram apenas algumas portarias do ex- 
pediente trivialissimo, e nada mais. 

Mas é também indispensável conhecer a figura d'este gé- 
nio da tribuna, na sua parte seria, ulil, porque mesmo por 
entre estas facécias, para que propendia o seu animo zom- 
beteiro, apparecia sempre o homem de Estado, nas pro- 
fundas considerações politicas, o dialéctico flno, na oppor- 
tunidade das replicas e deducçSo das provas, o argumenta- 
dor argucioso, nos movimentos hábeis de um raciocínio 
adestrado em todos os prodígios da metaphysica, o homem 
emfim de vastos e variadíssimos conhecimentos, quer his- 
tóricos, quer políticos, quer litteraríos. Elle captivava a ca- 
mará inteira, pela elevação dos seus conceitos, e pelo vigor 
da sua intelligencia, e ainda mais pela magia de uma locu- 
ção grave, ornada, concisa como a verdadeira linguagem 
sentenciosa, e que se elevava, não por metaphoras forçadas 
e hyperboles entumecidas, mas que se erguia nas azas da 
própria elevação do pensamento, trazendo das espheras su- 
periores, que atravessava no vôo altivo, os brilhos e as cores ^. 

. < Histórico. 

2 Basta citar a sessão de 21 de abril de 1S53, para lhe podermos avaliar 
todos estes dotes. Esta sessão é uma das mais notáveis em que a eloquên- 
cia do grande orador se ostentou com applauso de amigos e adversários, 
porque todos se tomaram seus admiraoores. artigo que então escrevi, 
redigindo a Esperança, folha politica d'essa época, apresenta de alguma 
sorte o quadro d'essa memorável sessão. Para aqui o trasladámos. 

«A sessão de lioje, na camará dos deputados, offereoeu um exemi^o di- 



84 UraRATiUA. 

Entre s» diversas arguições que lhe faltam os seus inimi- 
gos, era uma a de ser elle o mais fino introductor da fran- 



I 



no de grande consideração,. a attendermos aos precedeotçs mais recentes 
o nosso parlamento. 

«Conseguiram faUar sobre a ordem do dia quatro oradores!... Dois que 
começaram q concluirai|i boje mesmo, e joutros dois, um que terminou, e 
o ultimo que encetou a áua analyse dos actos da dictadura. 
. «É para maravilhar! 

«Acostumados a ouvir discursos por séries, iicaa(}o a palavra de remissa 
de uma para outras sessões, custa-nos a crer na possibilidade de haver da- 
do passo tâo gi^nte o debate, que tào lento, preteiicioso e apaixonado se 
(em arrastado ii'uma das casas legislativas. 

ff Não ba porém que duvidar. Em auxilio do facto apparece a»prova incon- 
cussa da evidencia, e nós ouvimos e vimos. 

«Faltaram eflectivainente O sr. Alves Martins, Basiiio Alberto, * ministro 
do reino, e Corrêa Caldeira. 

«O sr. Alves Martins, que tivera a palavra hontem, quando a hora já est^ 
Ya adiantada, concluiu o seu discurso, votando pelos actos da dictadura. 

«O sr. Alves Martins é um deputado serio e consciencioso, que raras ve^ 
zes rouba o tempo à camará com largas dissertações, ainda niesnjo sobre 
questões graves. De uma precisão mathematica rias operações do racioci- 
nio, cerrado e concludente na argumentação, sóbrio e vigoroso no estylo, 
caminha direito e rápido ao âmago das questões, sem se demorar em re^ 
vestir a idéa de roupagens escusadas, nem o deter a importunidade de dis- 
sertações deciaviatorias. 

«Õ seu mérito está na lucidez da definição, na força e lógica da demons- 
tração. Espirito pensador, b,s armas que vibra a seus' adversários ministra- 
lh'as antes a rasao do que a imaginação ; é do raciocínio que extrahe todos 
os seus auxiliares de -polemica; a prova, a evidencia são o seu fito. 

«Apoz o sr. Alves Martins coube subir á tribuna ao sr. dr. Basílio Alberto- 
discurso do digno lente da Universidade era esperado com anciedade por 
todos os lados da camará. As recordações do antigo deputado de 1820, a 
auctor idade e i Ilustração do digno membro cathedratico do nosso primei- 
ro corpo scientiflco, recommendavam-no ; á inteireza de caracter e a aus- 
teridade de princípios do.amciâo desambicioso e alheio aos tumultos do 
mundo politico, exigiam o respeito, e a attenção profunda dos seus coUegas. 

«O suencio absoluto e inalterável que preàominou em toda a assembíéa, 
mal que o.illustre orador ergueu a voz, provam que estes sentimentos se 
tornaram unanimes e geraes em todos os ânimos. 

«O sr. dr. Basílio Alberto é a primeira vez que falia mais eí:tensamente 
na camará» Posto conhecer-se que o género da sua eloquência participa 
Boais do caracter especial da exposição académica do que dos rasgos colo- 
rioDS e ardentes da tribuna, vê-se comtudo que ao illustre deputado não 
faltam dotes e sobejam até recursos para se fazer escutar com prazer e cap- 
tar a attenção de amigos e contrários. 

«0 seu estylo, fluente sem dilFusão, correcto e eleg[ante'sera se perder no 
labyrintho das metaphorás e imagens hyperbolicas e inopportunas que des- 
figuram a idéa e diuicultam a interpretação, respira uma tão notável pure- 
za de locução, manifesta tal sabor dos nossos bons clássicos, que, ouvin- 
do-o, mais se presume ouvir lôr uma pagina de Bernardes, Fernão Alvares 
ou Frei Luiz de Sousa, do que escutar-se um deputado do século xix, apre- 
ciando os ^ctos de um governo representativo. . 

«Toçlavia, a sua palavra, mais habituada a expor do que a combater, mais 
perita nas funcções didácticas e plácidas do magistério ao que aguerrida nas 
refregas parlam^itarea, oorre<lae ás vezes dos lábios frouxa e monótona e 
quAsi sempre pobre de inflexões. A escala <^a oratória parlamentar, desde 

Vfloje visfond» de 3. J«roDyoio e aaMgo reitor da UDÍv»rsidad»à 



LirncRATOBii 85 

de eleitoral. Ha exageraçljo n'isto« como ém tado mais. Des 
que qualquer bolicario oertanejo se julgou com direito a ser 

a interjeição e a ironia até â imprecação e á apostrophe, qne tanto niovi^ 
mentOj vida e calor dão ás faculdades do verdadeiro orador^ é percorrida 
com Dimia parcimonia pelo respeitável eatbedratioo. Estes recursos de que 
o boniem versado nos segredos da tribuna se iproveita, por que revestem 
as formulas lógicas de armas irresistíveis e lhe assecurani o trimnf)li(>, não* 
podem ser despresados, muito principalmente quanoc a controvérsia verse 
sobre questões politicas, quando o anditorio sejam os partidos representa^ 
dos pelos seus mandatários mais distinctos e audaciosos, quando emílm o 
tbeatro do combate é o seio da representação nacional. O que seria laxo de 
linguagem, pretenção charlataoica de liíetorieo emplmtieo, etfondo^se um 
ponto de direito fmbiico constitucional a uma classe aeademfica. tomasse 
indispensável, constituo os auxiliares essenciaes do deputado fulminando 
08 extravios do poder iu> parlâiaento. Sem as setas e a espada de dois gu- 
mes de Quintiiliano e Gedoyn. o arnez de Oenoense é uma arma muitas ve* 
aes nulla: defende mas não aggride: a apostrophe ou a replica dos adver*- 
sarios, rápidas» inoistvjas e incleroenles^ podem falseal-o. 

«Para vencer as tempestades que se agitam nos seios dos parlamentos, 
vale mais um rasgo de Mirabeau ou nm voo de Borke do que uma máxima 
de Larochefoucaaid ou uma sentença deLabruyère. Longino, no sen TVo^ 
do do Sublime, e Timon na sua critica dos ora'dores conteníporaneos, bem 
o demonstram. 

«Considerado sob o aspecto politico, o anatvsta desapaixonado encontra 
no discurso do illustre orador os meamos defeitos que lhe «dia, snjeitanp- 
do-o á aiMreciação lltteraría: lá, os preceitos lofficos caminham desajudados 
dos movimentos da rfaetorioa e ifuerem viver áo seti rigor e inflexibilidade: 
cá, a austeridade inexorável dos princípios absolutos deolecà as craestõcs 
dos seus terrenos especiaes, despresa as eireuiístancias que lhes dao cara* 
der próprio, é quer avalialras em abstracto e impòr-liies as penas de uma 
censura mjusta. Esta é a veitiade. 

«O discurso do sr. dr. Basílio Alberto, largamente meditado e elaborado 
sob a infloeneia de uma aáma profundamente dedicada ao estudo e ensino 
do systema constituctooafy foi mais uma dissertação, em these, dos Igrandes 
princípios que são a base d'esse systema, suscitada pelos actos da dictad»- 
ra, do que uma anal)«e, partindo dos factos. 

«As medidas da dictadura são todas filhas do brado, mais ou menos exr' 
preseo e violento, das oecessâda^ea publicas, e àt dltreretiicsidesorgantsa- 
ções da nossa isociedade: são o chãos das finanças que tenta des8ípar*ée'; 
o credito ^e precisa de cooa|ituiff'«e e ramificar-se a todoi as elementos 
que d'eUe dependem; os melhoramentos materiaes que reelamara fomento, 
auxilio e protecção; a agricultura que necessita de capitães para medrar e 
isentar- se das garras da usura; a industria que aspira ao aeu incremetito 
natura} e possivei; o povo finaijttíente que quer instraeção, bOns exmnplose 
justiça,. 

«Eis ò q«e são os actos da dictaduca: é uma nova sociedade que se ré* 
constroe. 

«Gomo veni)! ppis, o digno lente da Universidade, qnè protesta ignorar 
a liturgia dais rStgifes politiGias, que. dia deacoabecer o reverso caviloso 
dos programraaa das facções, que se apresenta coíbo alheio a todas as pha» 
sea cawnitosaa porque tem paasado o paia, eono tem querer Joiiar por 
I»incipios absolutos iUma época anormal ef s oiedidas resutCaiites das cri- 
ses e exigências do estado especial porque temos passado^S fijmpoflsiveL 
Não é no vago da proposiç^ abstractas que se nij^m e ooademnam i|tles- 
tões^ ciyo cofjuacta de oircmnstancias, que Inea deram motivo e dôen^ 
volvuuento, as esquiva a toda a apreciação xpie não se de^ivcde^fima afua^* 
lyse, egualmente especial o cooseieílcioiBa. t prec^aa dàiaar as rer' ' 
mitadas das theorias, e circumscreverittOHiosao paaitívodas naor 



86 LlfTBlIATIJRA 

depuiailo, percebesse fítcilmente que cada urU doestes \\o^ 
raeflâ se tornou accosador acrtinonioso do mtiii^tro que 

positivo tanto mais excepcional e lamentayel, quanto é profundo o conhe- 
cimento qoe obtemos d'elle. 

«Desça^ portanto, o digno Aristarcbo do seu pedestal de censura e auste- 
ridade; avalie os factos peio que eiles são, sem que desprese as eventuali- 
dades que os originaram e llies deram uraa Índole própria, e achar-se-ba 
mais conforme cometo mesmo. A sua rasio não trepidará, movida pelos 
escrúpulos da legalidade infringida. Â Carta de certo que nào legitima as 
dictaduras, mas presuppõenias, quando faculta a suspensáo das garantias 
individnaes. 

«Se o legisiador foi cauto e previdente, porque foi politico pratico, nio 
queira o sr. Basiiio Ait)erto s^ mais constitucional do que o próprio codi> 
gq, assumindo um ri^or que elle implicitamente restringe. Verificado que 
foi a suprema necessidade publica que produziu as medidas discriciona- 
riais 4as duas épocas diotatoríaes, e que os seus resultados, influídos por 
princípios fecundos ou equitativos, correspondem a alguma indicação de 
progresso, ou concorrem directa ou indirectamente para um melhor estado 
de cousas, todo o bomem consciencioso e iUustrado, embora veja diante de 
si algumas formulas desattendidas^ deve deixar de vacilar e prestar o seu 
veto áquelle governo que se sacriOcou. sob responsabilidade própria, ao 
bem do seu pau. 

«Ao sr. dr. Basílio Alberto succedeu o sr. ministro do reino. orador 
que acabava de fatiar tintia captivado a deferência e a attençào de toda a 
assembiéa, porémo que lhe succedia nio era menos digno dé as conquis- 
tar. £m frente do euM|uente e iUustrado catbcdratieo, a quem precedera* 
uma grande reputação de publicista e orador, coltocou-se o homem enca- 
necido nas lides paHamDiltares, nm dos nossos grandes mestres da tribuna 
Q. combate tomou-se digno ée um e do outro: foi uma peleja de gigantes. 

«O sr. Rodrigo da Fonseca tinha, comtudo. a luelar com uma desvantagem 
immensa: o seu adversário recitara um «scurso habilmente estudado e 
friamente calculado no remanso do gabinete, e elle viarse obrigado a re- 
plioar^ihe com um improviso, elaborado sobre apontamentos furtuitos, a 
que a celeridade de exposição do <Mgno lente da Unirersidade mal dera 
íempo de coordenar. 

«Todavia, estas difíiculdades serviram somente para exaltar mais a gran- 
desa da victoria» . 

. «O nobre ministro, n^tna á'ai|ueliaa replicas feliies. ooRi que O mesmo 
orador, bafejado pelo favor ^ inspiração repentista não' pôde contar sem- 
pre^ aggrediíi de frente es argumentos mais prinoipaes do selu adversário, 
e desenvolven todos os incaloolaveis recursos, que asna palavra fluente e 
enérgica lhe fornece. O orador repentista, armMO de todos os seus meios ■ 
dedefeza e aggressão. cinipdo das armas que apparelh» eaíia ouso da po- 
lemica, maoilestou-se no vigor da su:^ virilidade parlamentar, e accel^u o 
repto, sem tergiversações nem evasivas, onde lh'o marcou o seu coftteii^ 
áwí A Jofita ibi terrível, mas o tríuntpho niò pódoier floado duvidoso nos 
ânimos imparciaes. O sr. ministro do reino, apesar de occupar o campo da 
defesa, mns restrktp por sua natureza, -eontava do seu wo^ cotai vi^ireis 
vantagens natnraes. A sua eioqueneia, ff^rtil em movimentos oratórios, e 
verdadeiro modeilo da eloquência parlamentar, era só tite* per si o bastante 
pan^ faier pender a balança pana o seu lado;' quando a rasão dos factos, 
escudados pelas conveniências puMii»», não lhe prestasse meios extremos 
e recursos mebperados. 

«ta*a ànotonsormos o qoe fica dito, basta citar o testemunho de um seu 
adversário.. O sr. Corre» Caldeira^ orando em seguida ao sr. Rodrigo, foi o 
próprio a prestar ihomenagiem ao lUustre estadista, confessando que, mesmo 
•depbis do vigoroso' discvso do sr. dr. Basilie Alberto, soubera prender, e 
profundamente, a attençioida oamars;' 



Ifae feebpuiaS' portas do parlqmeoto. Ora Qodoigo da.Foim 
seca teria todos os defeitos, menos o de facultar livre ac^ 
«esso aòs fKirvos. Uíb bomeâi eâptírto» um eipedSefiie ma- 
Icioso, achavam sempre n^elle boa si^mbra; mas aos iaf ptoa 
fiSo dava iqaartel, oem iregnas. E tinbai rasid por^e m 
oesctos sSo a ruína do mundo. , . / 

Além ti'i8td, Rodrigo da EoBseca- costinuava dizer» ^ ca» 
Fftsão, que era. melhor calòulo. politico domar uma oamara^ 
já depois de eleita, do que viciar as molas do machini&aiO 
eiéitoral. E a rasão è clara. Tentar a^ vetialidade .de* iim.le- 
peitado, é apenas iriostrar o mau earacter do individuo; h 
adulterar o voto publico, 6 desacreditar o syilewu qoa 
se |)a(!ssa com meia dutia d*esses eipirttoa corrompidos aa 
gabinete.de um n^inistro, podem^no saber algumas pe^^as 
apenas; mas o que se passa nol preparativos, de; uma eleíK 
çào, sabe*0iQ paiz inteiro. Vô^se, portaotç, que nisto* mea<i 
mo, de que o acctisavam, elle mostrava grande presciei^oia», 
es aífida por cima, reispeito ao regiotòa representativo de 
qae^ era eonvieio sègaidor.' N'«qte ponto^ nio transi gii) (íeo^ 
coisa alguma. Era liberal sincero. «Ba já me lexplitiuet (e^^ 
«tas palavras s3o suas próprias) sobre o meu modo utotpdn- 
csi|r:a irespèitodasospenaiD dé garantias,. e Bm. especiaNa 
«suapensii» da liberdíMle d;! Mm|)nenaá. Medidas iprevdQtivPS; 
«jqnero poqcasi :Ellas inlspiram ddseonSanca, atoda aosipair, 
«zea mais bem goroDadds.' Nio;digp qoe jamais uma Otti 
«outna jiie de vaHi» ter iâgaf ]^ itiaa-comoisystdmai oo 4^ ttso 
«frequente, devem ser detestadas.» 

iS:^isto. ilfe iorkm.fiaiavnisisá: <ok seus aotos adiuenc o 
melhor testimunho de tudo que dizia a est8.jre9peito4.Q«iaa^. 
do teve logar o tumulto da lide agosto de 1940, suspen- 
deramHse as garantias; masv. pasbado8.()0iiiae dias» aot^s de 
iftdo 4> pnâso,. foraln t*estdbelebidas4 por fue. Rodrigo da. 
Fansefca, «títaominiistro doinèiaprfaí dedarar á carnais» qm* 
nSof poáim admmistrtir $em Ubtnúaík da i «l^ranaa K ' \ ■■ 

Se nos transportámos ao intimo da diia VfdUpnN^da, ao, 
$eiò da soa ifimiiiia, ebaantrámoa amcaraoter bouMto^y 4® im 
viver simples e frugal, desinteressado, generoso <mm»0Sitiif. 
gBífm\ 6:quBi)do erâaanfOi ddfioadoè u4it amigo^Valvez 
lhe podessem notar na sua philosophiai e até ent materít 
did •retigiãci«!«la .iieflaao.ida incredulidade, e do s^^ptioisfia 

* ^d. actas das sessões da camará dos senadores de 1840. 



Éí LftWIAAlVKIU 

do ieciíla xtim cv^bs eseriptores Versâta oum prediieo 
çao. 

As èxcitaçOes da sensibilidade apcJrbícóaai o orador^ ma- 
taiti porém o homem. Uma hypertrophía do coração, aggra- 
tada yor acerbas ootaiÊo^ões moraes; abrevfaraflhe os díâ» 
da vida, que foi extensa, pois contou setenta e um annos^ 
ttas qoe o seria mais, se a soa compleição admira velmeitite 
robusta, dIo fosse mimlda por dentro por desgostos pro- 
ftndoB. 

I^arece incrível t N*es4es temípos climatericoe dó' visconda« 
dos e gran-croaes, este homem que tinha muito do ailtigo» 
telpicM em chamar-se Rodrigo da.Fohfóca, e sobre a su 
fM*da haTia só uma medalha da Campanha Peninsubrt ^ 

OSerecia uda certa antinomi». vér aquella figura, um» 
das mais preponderantes da nossa scena politica, só comi 
nma medalha po peito^ entre a allavíio deslumbrante . da 
Gêmparsaria dós nossos festejos públicos 1 

'Estaria aqoella farda assim limpa d^essas vãs demonstra- 
is (te uma saperioridade que^ as mais das vecse» não exis: 
tOí para Ihqs fazer a sátyra? 

Qoem sabei 
' 'Mas Tiio pôde levar ao cabo este seo propôsitp; porqu» 
a 'ftnada rainha^ & Senhora Dí Maria ir, teimoil era o agra*^ 
ciar com a gran^cruE de Cbristo^ dízendótibe que pareci» 
mal esta soa isençBo, pohiue^muMos se resteatiam d ella. 

Foi p^ mistãr a Rodrigo da Fteiseca resigfidr-aê e acoeí^ 
tar a mercê. 

Vessd mestaa noile foi ao Poça,; Begondo o eslgrlov agfa- 
deeer. á soberana. 

A príndeia sorrioose quandb! o viu.' .. 

— Ria*se, Tossa llfageslade^ qae tomod de mim uma no^ 
iH^e vlngan^, re{)liGOQ o velho liberal. Tem^me dilQ que em 
oecasito das nossas crises, politicas a -tenho feito chorar; 
dandolhaemseUios tiuéNUandi acertados ; agora tirli i^ vni^ 
gança;'rise de mimf > 

: Depois abrindo a casaca» e mostrando a. beba versielba^ 
acerescentou: 

—Ora diga- me, Voása Magealaéiv nSo estou pm pagpa«- 
ftaOi «jtsim com esta fita?) - '^ 

Esta isenção era ndlle dm senftimeaiA praindo. Coosti-» 

« Esta medalha era a das sele campanhas, Rodrigo tinha também a Tor- 
re € SspacUL . . /. 



»" ' 



Mia da» papte dá efiseocia do sen caracter; porque, dias 
apenas antes de expirar» também recuso» Oi lii«ilo de con* 
de, ^Hi qtieia gratidio regia idedejava* u^aqoeila hora!«u- 
prema, inostrar ^uatola Ihe.iaptecíaivp oa serviços. 

Este documento é digno da antiguidade. Alú^o^atâ^pâ- 
mos como lum eo^empló qoe ba áà maravilhar mAiHo orgu- 
lho. . r ■ • } . 

Lôar*s« pri(peiro a carte, em. toemos offleiaes, que elle di* 
rigtu adsr. marqâ^ez df* Loulé ^ eotio pneaidente do iaoínscH 
lfa0» expoddti os ttotivosida escusa. 
*l\l^ e .tx.^r** sr. — No :mcMfnento de receber a porticipa^ 
ção, com que, por ordem de Sua Magesiade, v. ex.^ me 
honra, apesar. da oppreseSo que sioUi) áa moléstia que.pa- 
deçQ, ião posao •dmar 4e ímmediattimentô elevar á Au- 
gusta Presença :de Sui^ Ibgostade a esprassp do meu bíq-* 
oero Bgradãcimeoto^ de-^iue jamais fiserderei a. memoria. 

«AiaSimaaQlbo, Luís do flego^da Joaaeea Magalhltes, quô 
làB iguala ;ent senlt«leiklos de nmor e graUdSo á Real pesr 
ada de Sat Ifegestadev não pôde deixar dq proceder, como 
pirocedeu» viveildo a Rainha a |SQnbora D.; Maria HUde sauf 
dosa ttiemoría, qaando, a: rdeosd .mlnha^ de igual titulo qm 
Sua Magestdde me coòiGedJa, tíA^r, aom deoidíc^ mbs ras-^ 
pehoaa f esólUf So^ ehpoas ao éAqpa 4e 'Saldanha, ptimetrdg 
(}u6 em quinto sef» pi<) ivitease* ella nãd tomaria, na âociet 
dpd&.wna qualificacio âtiperior á d-elid; segunde,' queiolQ 
reputava os serviços de seu pae, porlíraQdasqitJdfo^afmw 
«pari seram^reMmpaosudoi flbtpcttsoadiíKíftlbOi que Reidians 
línba feito aiqda. ! 

«Êfiltâs lermos ^e eu moBiBo live a boara diS4r«pelír a 
Sna; iMagesfadb a Rainha aiS^MiDcafO;. Mariailv. meiMeram 
a real apprb!va(9p d'a(|úalto «sQitHrteldissima Sobarana,MO 
<|na para mbD^ie paFa.meuilbo aarvio^ de maior prova da 
benevolência de Sua Màgestade e do profmidd' seaso die 
j«stica;eom ifaa eMa anrpllawa os act^s doai seiía f ubdHos. 
tScia>fl(iagestade «l^rei, o* Stonbolr^DL Farqandosl soufo^ia 
leve a bondade de api^vanaase prpoèdiiiaieatoí aom alia 



«Rqgo a Y\ ex/ íai^naçli de.Êizer. d^elie sabedoria Soa Ma* 
gestadelEIrR^vfepeiiodo Miau^-anguala prasapoa ios mes* 
mos motivos que hoje nos <iatpFiqiaam^aiqQè d^toto bSo 

< Aotempoem#eMeMHplSieMeiái«g»flMcnáiád^ c^ 



9^ urmuTcmA 

<K(1^ merecer, a' approvaçflodo mesmo Penhor, à qqem^desdé 
<)á prètesfUMos o nossa' recohbeèiiiiei¥to<. ' ' 

tDeusf guMe a v. es.^^J^isboa 46 de aibril dp 1858.=» 
«III.™^ e ex.*"^ sr. mdrqoez de: Loúlè^Roêrigúda Fonseca 
^ Magalhães, li' ' ' '••■ ' ' 

Este doetimento prota íima gninde Súím^iA de c*racter 
Âs honras do mundo nunca poderiam cegar o homem que 
sempre fli:erâ d'ellás liSopoucní cabedal) e Txiuito menos na 
hora dos ddsengatio$, quando â fnofte»)á{ assentada á sua 
cabeceira, lhe apontava paratodoá e«ses fotees brilhos/ coam> 
}ti»is qoe pouco a pouco iriam sumfndo^se fiaabysmo das 
sombras eierrías. i/ ; ' ' ' 

1^0' emt^nto, este' documento» peias; formulas da sua lin- 
guagem affioial, aiodb 'éneobre de algoAi modp o homem, 
confomie elle pensava^ e sentia,* pérqoeoilde elle seno^ pv 
tentiea, como se lhe devassasseixios o intimo/ é n'est'OttlFa 
catita, díolaâa apenas alguns disfi abtes deeíCpirar. Ji então 
as sMffooiç5es da! sm mforial enferáfiídsde o deixavam fatiar 
a eusto^ ie com pequenos é mterromt)idos:iAtervalloe. Foi 
nOB^ctestes'd¥sláiagonia, i\\i^ 6 seil'graride e^iritd soube 
ainda bucòiitrap a^ 2»h]b0rias do seu ix^^ génio. galhofèiho 
e mordâK, |>ara répellir com o desdém nos lábios^^osiia- 
bios já frios, e!eòhitraido9>p€Aè6'9elo8 da mortef-^im* A'e%^ 
sas ninharias orelidas^ pela fataídNide hpiiKffia; A earta éiii- 
rigid« ao sK oonselhl^iró fonseca ifelles:: ^ Gopiamos áqlií 
06* prinieipos^perioido». : i >' . ;w • 

' uflix;^'' eiearei akiiigo^^Recebí homem a sua estimável oar^- 
«tinha, e honrosa participação do sr. marqoez deíLiMé, 
«fâtten^mb saieirfe daele^^áigrafidezav' e* ffuatiflcicão 
iéfòdto àigúUorio\ ctíhcedida 1si' meu fiHio Lvrz do Itogo. 
tCeijei reverente as< fadadas teirtls do iv. presídei^te do ooq« 
4èeHi0r p 'Vi n/etiasifo of^Bd dai^generosta benevoleDaia do 
t^iiosso' Sobèraiio.- - : . ^ •• !/ ..".(..••'• .-. 

"^««{^nèipenai^meu caro: amigOyiiqtte ^i 'tJitve8in''Ui]itiiNÍ<- 
«miebto< de 'tnep^d MmooiatiNSo^ tiveste fbito saber a<9ua 
i»lfâgestade ia ftaihha^ por mim e pe|Q::seu edtSo pDesidefnfe 
«do conselho, gue me não estava bem, Roderieaâ tí Om*- 
€M:»aç2i hp^ntice^e iima oàrl» ieoondé, fi que emqilknto 
«ètyimeu rapaz^: B9iElei»m^se*;mais d-esses^papilis lletlMralai 
«fnlpfMiçiò doiqneiífiu iprofirtot . • ' 

«O duque, como homem que vé claro nas cousas alheias» 
«mais do que nas sais* «Ao«mm rasio» «|£«)». . 



LrrTBRATUlU 91 

Âquelle espirito eminente não quiz — com justa altivez — 
que um titulo aristocrático viesse substituir-lhe o nome; 
porque o nome de Rodrigo da Fonseca Magalhães resume 
uma das maiores aristocracias dos tempos modernos: a aris- 
tocracia do talento e das convicções liberaes. 

Depois disto resta-nos dizer ainda duas palavras a res- 
peito da morte doeste homem singular. Poucos teem sido 
mais malquistados durante a vida, e raros levaram após si, 
até á beira da sepultura, mais geraes e profundas tristezas. 
Lisboa inteira abalou-se para lhe fazer o funeral. Duas alas 
de concorrentes, em que se viam todas as classes popula- 
res, todas as gerarchias e condições, todos os partidos e 
sympathias, seguiram desde a egreja da Lapa até ao cemi- 
tério dos Prazeres. 

Triste condição do espirito humano que precisa que so- 
sobre o homem caia a pedra do sepulchro, para lhe fazer 
justiçai Ê então, e só então que a mão da verdade grava 
no epitaphio o elogio de muitos caracteres. A Rodrigo da 
Fonseca aconteceu isto. 

No cemitério, quando o féretro desceu á sepultura, os 
srs. Casal Ribeiro e Fontes Pereira de Mello, no meio de 
um silencio religioso, que era a expressão do sentimento de 
uma grande perda que nem deixava respirar as magoas da 
■amisade, resumiram em breves, mas eloquentes palavras, 
as dores da sua saudade e os dotes do orador eminente e 
do ministro illustre. Desde este momento o homem havia 
desapparecido e o estadista começava a ser avaliado. Ami- 
gos e adversários perceberam que da arena, ainda estreme- 
cida das convulsões das nossas discórdias intestinas, tinha 
saido, e para sempre, o conciliador perspicaz, o homem de 
bom aviso e presciência politica, o espirito emãm que com- 
prehendia os progressos da sociedade, porém realisados fora 
do antagonismo irritável dos conflictos partidários. 

O conselheiro Rodrigo da Fonseca Magalhães deixou um 
vácuo difficil de preencher. Homem dotado de uma alta 
rasão, intelligencia versada nos bons modelos da antiguida- 
de, antigo e esclarecido jornalista, possuindo em subido 
gráo as faculdades repentistas da palavra, a sua perda é 
irreparável. Como disse Talleyrand de Mirabeau: a sua ca- 
deira, no parlamento, está vasia; enche-a apenas a memo- 
ria do seu immenso talento. 

Outubro— 1861. 



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ADELAmS RISTORI 

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. [V^rqueza Del Grillo] 



Missão providencial da grande trágica.— A tragedia banida pela decadência 
do gosto litterario.— O theatro^ grego e os seus melhores modelw.-^ 
Insurreição romântica e seus excessos.-- À tragedia antiga deixando-se 
influir do elemento dramático moderno.— Â Medêa, a Maria Sluard^à 
Judilh.—kájmraiwel desempenho d'estas tragedias, por ma.dama Ristori. 
—Volta da famosa trágica.— Ristori e o sr. tíaistilho. 



Assististes já a algama d^essas grandes catastrophes dá 
historia, em que a paixão, abalando todos os recessos de 
alma, glorifica as suas victimas, e deixa na memoria d'a- 
qúeiles que as contemplaram ais impressões acerbas de um 
sentimento, que persiste e nos consome, em quanto persiste 
a lembrança d^esses grandiosos acontecimientos? 

Assististes decerto, porque a historia dos infortúnios toe* 
moráveis tem sido incessante n'estes últimos tempos. Pois 
foi indubitavelmente essa a mesma impressão que vos flcòd,^ 
quando saístes de S. Garlos, depois de ver a Medéà e à 
Maria Stuard, por madama Rrstori. O co^açáo, confrangido 
por uma lucta tão vehemente de agoniei, como quie aniquillaf 
a intelligencia, permittindo apenas á memoria ret^r d efSé\to 
dos abalos do que se nos passa no rntimò, abalos què de- 
pois se convertem em lembranças penosas. A individualidada 
da eminente artista desapparece na irradiação dòs vulloà 
grandiosos que os prddigiòs da sua itrteí^prfeljarçãõ cria, en-f 
nobrece e perpetua, e avulta a idéa d'essas heroinas, qiué 
o úw^r, a desventura, ou o influ&o de um fado inipio, como 



94 LITTERATURA 

a Myrrha, a Adriana e a Juditb, enthronisam nas lúgubres 
paginas da historia 

E depois, se elevámos os olhos para os horisontes da 
arte, se os estendennos por essas regiões que a phantasia 
inflamma e a paixão assombra de sinistras nuvens, para de- 
pois succederem dias mais bonançosos e esplendidos, que 
bella, que imperativa personificação n3o ostenta madama 
Ristori, reproduzindo-nos todas essas magestosas figuras do 
theatro antigo e moderno, Phedra, Medéa, Octavia, Anna 
Bolena, toda essa dynastia de rainhas trágicas, de que ella 
cinge tão soberanamente a coroai 

N'este tempo de verdadeira decadência para o theatro, a 
missão da nobre artista è porventura providencial I 

A tragedia, como as paixões memoráveis da historia, ha- 
via morrido para a scena, como aquellas para os aconte- 
cimentos da vida. O génio trágico, personificado na Rachel, 
accorda as platéas da sua fatal lethargia; e Adelaide Ristori, 
pela força irresistível de uma alma que se illumina de todos 
os fogos da paixão, completa esta obra augusta, conquis- 
tando a admiração e sympathia para uma magnifica forma 
de arte, que jazia esquecida. 

E é por isto que o apparecimento de madama Ristori, em 
Lisboa, não significa unicamente a vinda de mais uma ar- 
tista notável a este ponto da Europa; o apparecimento da 
eminente trágica tem mais largo alcance nas esphQras da 
arte. Madama Ristori, como os antigos conquistadores, que, 
em nome de um principio ou de uma ambição, invadiam 
os povos, deixando os vestígios da sua passagem domina- 
dora em triumphos e recordações assombrosas, percorre as 
sceoas mais celebradas do mundo culto, conquistando no 
seio dos espintos absortos pelos rasgos do seu génio um 
logar eminente para uma forma dQ arte quasi despregada. 
Pepois da Chafupmeslé, e da Desmares, da Duelos, da Le- 
couvreur, da Dumeçnil, da Glairon e Ducbesnois, e .final- 
mente da Rachel, surge a preclai*a italiana, para continuar 
essa esplendida dynastia ideal. 

E torna-se realmente indispensável uma actriz d*6sta raça 
p^rq confundir ós desdéns, qup ahi se notam para com a 
antiga forma da^sica, e /azer volver em .enthusiasmo o des- 
presQ e o esqueçifiueoto dos altos vuUos recommen^ados 
á posteridade. ! ,. 

f;ila,er^UjQ-se» iò.fíQ seu poderoso aceno surgem das §om- 



filTTElATlIEA 86 

taras do passado as sublioies pensbnificaf^es de Gorneilte e 
Racine» de Sbakspeare e ÂlQeri» de Se^iiller e Maffei, qm 
apparecem e( desapparecem sobre q palco, como espíritos 
priyHegiados» que,, desdenhaqdo uma manifestação vulgar, 
não se patenteam de novo senão encarnados no vulto adtni^ 
vavel da grande artista. 

E ta^is proporções grandiosas encontram*nas todas estas 
elevadas creações da tradição grega, da phantasia poética, 
ou da verdade histórica, nos dotes inexcediveis da famosa 
trágica. Ella continua esta solemne renovação, em que a tra* 
gediai- a mais pura ei^pressio da arte atbeniense, triumpba 
das puerilidades, das predilecções fúteis doesta época, em 
^lie o actor e a espectador, por uma lastimável coincidência 
de ignorancja das boas regras, depravam reciprocamente o gos- 
to, este cbm as suas exigências, eaquelle com as suas conces- 
sões em nome das tendências grosseiras do chamado publico. 

N'esta magniãca peleja não sabemos se a tragedia ven- 
cerâ; o que sabemos, porém, é que madama Ristorí, como 
a Rachel, como o Talma, como Garrik, e miss Smilhson, 
triumpba, e essa victoria da tragedia, n'uma das suas mais 
gloriosas encarnações, torna-se a victoria dos verdadeiros 
princípios, para a questão da arte. 

E senão volvaoàos um olhar retrospectivo, e d'ahi con- 
templemos o siadio percorrido, e os combates travados e 
vencidos sobre as repugnancias de uma quadra, cujas ten- 
dências frívolas, cujas sensações embotadas ou embruteci- 
das, parece já não poderem accordar, senão com os estímu- 
los violentos dos especlaculos do circo. 

Olhemos, por exemplo, para essa época de lucta entre o 
clássico e romântico, qne tanto conflagrou os espíritos, ha 
trinta annos. 

• O drama havia matado a tragedia. Delavigne e Victor Hu- 
go substituíam Comeillè e Racine. A Sbakspeare concedía- 
fid ainda um togar de honra, porque o investiram no pri- 
Eiadò.danova eschola. Uma poética innovadora, legislando pe- 
ripécias, contrastes, complicações; apoderai a«se do tbeatro. 

Os bárbaros, como a critica aristotélica appellidava então 
aoB coripheos da nova eschola, tinham dado sacco á velha 
llion clasàíca, e derrocado com os aríetes e achas d'arnias 
da eda^-média a porta de mármore das três unidades. 

Otiahdo he de esccívir Ipia Comedia " ■ 
Ekieierro los ipíeceptos c(»i seis Uafves. 



V 



96 umaiàruKk 

Este vef so áe Lopo da Vega consobslaDCiava o dogma 
único dò éodigo dos-lalentos ititíovadores. O Paolheon àúk 
velhos palPíarohas gregos e latioos fora ievadido: e derro* 
cado. Os seds bustos jaziam' por lerra^ dispersos e d^pre^ 
sados; G a^ phalange dos recenles eonqiiistadores d? scena, 
campeava nos mesmos logares, onde otiln^ord se ostentavam 
o "pórtico de Argos, e o palácio dos Gesáres ; Campos ubi 
Troya fuit. 

Os brados de uma poesia originaU livre, insurreccioiaada 
corttra todas as theorias e preceitos, restrugiam no recinto 
qúe eehòara os sons canoros da mqtopéa dos vdbos iiieSí- 
três ; e, como nos banquetes de Paulo Veronez', onde quasí 
sempi^ um anão de configur{iç3o burlesca marinha pelqs 
fastes das columnas, primores da arte antiga, que rodeiaii 
a mesa opipara, saoadiqdo de lá o seu barrete de guizos, 
assim o grotesco, introduzido n'uin canto do drama, soUava 
os apupos e vociferações do seu genío galhofeiro no centro 
das acerbas paixões epatheticas catqstrophes da historia. 

Foi no auge doeste acceso conflictoqne resorgiu no thba- 
tro francez a Phedra. Como que o templo da arte antiga se 
descerrou pela mão de uma das suas musas modernas, e, 
d^ellas, a mais predilecta. Esta musa, a sacerdotisa vindir 
cadora da dignidade da scena, foi Rachel. 

Depois, decorridos annos, qiuasi a expirar, vê ella asso^ 
niat nos horisoqtes ideaes da arte Adietaide Ristorí, qae 
uma lei providencia], que não quer ver quebrada a cadieia 
dos grandes destinos dramáticos, faz suoceder à sua antô^ 
cessora e rival. 

Éesta nobre regeneração que, mqis tarde ou mais cedo, 
bade universalisar as suas victorias. Q drama moderno, como 
a Medéa, espedaçando os filhos, cortava em pedaços a arte 
poética, e arremeçava-a á caldeira das bruxas de Sbakspea- 
re, para a remoçar; porém, a embriaguez do triumpUoteve 
os seus excessos, e os do drama moderno foram treinen* 
dos. Impellião do ódio que lhes suscitaram as paAidas e 
futèís i^psodias da tragedia, od^ama repbdiara a.ppopfla 
tragedia, engeitandò es^ magestosa forma da arte, q/ae, 
como a epopea, e a estatuária, pôde e deve ser de todos 
os tempos e de tt)das as historias, porque, quando é beUai 
conserva nO' tbeatro o logar iinico e indisputável qoe coá^ 
servam as victorias dos frisos do PartbeaoA nos dominios 
da escuiptura e as acções heróicas nos domiaios do poema. 



mrnBAXOBA 97 

E é esta a sua lei faial. A tragedia ii3q subsiste no es- 
tado medíocre: ou grandiosa» ou solejooine^ ou iospirada, ou 
deixem-Da adormecida t^a ti^dicSo. Â sua de^tinaçãQ è a do 
mármore da fabula:, se o d3q. talharem eip d^us, será ape^ 
nas um penedo. Como nol-a deixaram Sophocies e Escbilo» 
Corneiilçe Racine, csen in^perio.nlo.póde deixar de ser 
de todos os tempos, porque o bello projecta clarões que il- 
luminam todos os espíritos il!ttsfí*atfos. 

É pois este género de proporções sublimes e ideaes que 
madama jiistori acaba de inaugurar m tbeairo de S. Gar- 
loâ^ com a elevação e verdade do seu prodigioso talento. A 
Medéa^ a Mnria Stuokrté a Judiih e a Jeabeil de Jnfflaterra^ 
saó OQtros taintos tríl^mphos aJcançaaos,; sobre o.aním^ 
d'aquelle auditório seiie^o^ que dm cada uma das creaçõe^ 
da eximia trágica en&revé aa ^ejlezas doesse género littera^ 
fio qiie a perversão <do gosto aotual havia esquecido e quasi 
despre sedo. 

Ao contemplar aquella magaiOca- figura de formai m^gea* 
tosas e elevadae, que audaciosas áttituujles acajíieffiicas com* 
pletam, dissereià tine Atelpomeme, a própria. musa da trage- 
dia, tomara por Àascara a sua íCabeça pura.e expressiv^^ 
inspirandona do geniq antigol 

Véde^a como èlla nos apparece Xi^M^d(a^ cingida mages** 
tosaitaente da purpura: e. das vestes encontroadas por Ary 
Scbefferr nas pinluras c|aS' muralhas de Pompèa e Herculano. 

Os dois pro/unàos Bentimenlos da tragedia antiga, o ter<> 
ror e a piedade, dominam os, espectadoires^ mX esta gran*- 
diosá personagem surge ao fundo, da.scena. A nossa memor 
jia não encontra nada de^mparave) áqualle rosto.de acerba 
e funda melaocholja! .* 

Othae: vede como esâfe ndeâmoptiblico^ ainda ba pQUCQ 
vário e frívolo, presente agoi^ a chegada da rainha da 
sceiia, é intima silencio ^ attenção com um síasvrro de resr 
peito, . 

O theatno é. vasCd; eíla mal< assoma :M. cimo. do despe^ 
nhadeiro áe penedias quâi sa agglumfiram ao fundo !do pajcQi 
e o eeb vulto magestosòii:qq6ifit)3,era desconhecido» é logp 
adiviphado, e á stia :vq2^ ^iiae ^nunca^ f6ra ouvida aqif i, fe^rer 
nos • como se estivesse habituada a ;enpoatrar échos sjmpa- 
tbicos eím nossas almats,. q ,i . 

Corag^ó, âiAiifi ágíl'iâieí ,' corkígfio ! 
Un piSso â&CDrai ndn è linge il porto l 

TOMO I 7 



98 UTTUAfimÀ 

S9o estas as primeiras pbrases que solta Medéa, descendo 
da montanha, cingida, n'um formoso grupo, por seus dois 
filhos, talvez reproduzido da Mãe desolada, de Pradier» re- 
velando assim profundo estudo dos grandes modelos es- 
culpturaes. 

Que formosura de linhas I que grandiosa coúcepçSo! 

Suanta trísteasza ia qati semblante e insieme 
oalmaestà! 

N*estes versos, que, ao véNa» o assombro arranca á m3e 
adoptiva de Creusa, resume-se o retrato de Adelaide Ris- 
'tori> entrando no primeiro acto. A sua voz, sonora e vi- 
brante, que enche o theatro sem esforço, aquetia magnifica 
estatura, que lembra as bellas proporções da Niobe antiga, 
os cabellos bastos e negros, que se lhe desatam em vastas 
madeixas de ébano sobre o coUo, como as tranças de ser- 
* pentes das Eumenidas da Eneida, que, enroscadas e remor- 
dendo-se, intentassem exprimir a reluctancia d'aquella alma 
iracunda e apaixonada, todo este conjuncto lhe dá um as- 
pecto estranho em que ha a magest^de da creaçio do 
theatro grego, sem excluir o attractivo da paixão moderna. 
Percebe-se que aquelle semblante, que o ciúme e a vin- 
gança allumiam dos pallidos relâmpagos de furor, encobre 
um coração que se abysma n'uma melancholia profunda. 

Medêa é uma das mulheres, cujo rapto levantou mais 
violentas discórdias entre a Grécia e toda a Ásia. Poetas an- 
tigos e modernos a tomaram por assumpto de tragedias, 
cantatas e até de coroe4ias. Euripides e Ovídio (a Medéa 
doeste ultimo conhecemol-a apenas por alguns versos cita-* 
dos por Quintilliano), Corneille e Longepierre, todos leva- 
ram a terrível paixão da filha de iEétas para o theatro. Com 
o titulo dos Encantas de JUedéa, as nossas platéas popula- 
res, e também os eruditos em coisas do nosso velho thea- 
tro, recordam-se de certo da comedia, que imaginara o gé- 
nio cómico do judeu António José. Medêa era a filha de Éè- 
tas, rei de Golchos e de Hypséa, magica das mais terríveis 
de seus tempos. Jasão, em companhia dos príncipes da Gré- 
cia, a quem convidara para quinhoar a gloria da conquista 
do velocino de ouro, singrara nà sua náu Argus até Cdl- 
chos. O rei iEétas conservava, porém, o famoso thesouro 
guardado por um dragão, que vomitava chammas; e por 
muito maior que fosse a temeridade de Jasão, a conquista 



ufWBusrmk f9 

4Qrfiava*tó imposstvdl oppondo^sd-lhe «ioihorrivelãdfenjior» 
m as arles de Medéa, tão S9d»iâa. e çetobre magica coiqo ana 
mi»» o n3o auxilids&e; porque, para Medeia^ tanto fora viar.o 
vaiorosoprmcípe capitão áw argonautas, como para logo 
amal-o. A fuga nSo podia estar longe doeste pirimeiro pasisa 
4e amor e traioSo, e de feito. Medôa fugiu coib jaBSO, que 
a levou a Colcos» e de lá a Goryntno» onde viveu dez anooft» 
Das correspondidas suaves delicias de um amor coroBdo 
por dois filhos. Maa para as. próprias, feitieeirajs» como para 
4oduB os mortaes» a veotúra 6 um sõproí da sortei e esse 
^pro correu ligeiro para a mísera Medôa, que, apesar das 
^uas artes magicas, se viu despresada por Creúsa» filha de 
CreSo, rei de Greta, de quem JasiOi na sua anciã de viajar 
e de apreciar a natureza nas suas mais belias manifestacSea» 
se agradou, mal a viu. Comtudo, Medéa, que perdera o seo 
influxo de magica na alma de Ja^« mostrase mais que ma- 
gica, mosira-se fúria na vingança, atrocissima que tira doa 
desléaes, persegui ado-os, e estrangulando até os próprios 
filhes, a' um horrendo delírio de furor. 

Esta é a antiga fabula de Medéa, como se vô ainda na 
tragedia de Euripídes ; mas Legouvé, e o seu traductor MoA- 
tanelli, desvaneceram todo este caracter de ferocidade selr 
vagem que lhe tinha dado a mythologi». , 

Na tragedia do escriptor francez, a terrível esposa de Ja- 
são perde muito da sqa indole infernal. As cores livídas 
da paixão e do .ciúme apenas obscurecem de sombras pro- 
fundas, mas, rápidas, a phisionomia da mãe e da amante. É 
a Med!êa antiga dramatisada á moderna. O amor idealisa-a, 
e da tartarea eun^mide só transparecem as luctas tremen- 
das de uma vingança que lhe arrancam o exaspero e a ío- 
gratídio. 

E mad. Bistori, pelo instmclo sublime com que interpre- 
ta a historia e es^prime os seus mais díffiçeís personagens» 
traça o.ci^racter da terriQc) heroina com os verdadeiros li«> 
neamenios que lhe deviam, inspirar a natureza infernal e a 
paixão desditosa* O seu dialogo com Greúsa, no primeiro 
actp, em que. narram uma á Qutra aquelles amores mal aven- 
turados, e em que, Medôa declara que dileçaria o esposo in- 
fiel, e a amante, como o leopardo devora a fera incauta» 
que lhe salteasse os Olhos, toda esta scena, já de si magnit 
fica, prepara apeqaa o animo do espectador para as situa^ 
ções tremendas que se seguem no segundo e terceiro actos. 



•100 ^lARcauifmA 

Qaátiãd •o<amdr èbtrihho ifouba os filhos ai Medéa, aí fa- 
tii (]iie 66 tt^^Qt «te gesteb da grabdé iifáéicá offèrece um 
qmdpo 4ue'»3o<p6dèrdei9D)r de ser regado eotn' ás lagrimais 
<dd compaixflo. O remate da trajgedisí; em qtie<Meâéa,< dè^o* 
<kff}dD<as ddi6:flitiosi» obedèceá' fonça de tuna UaHncina^^, 
4)t^o ififldK(9tse derrama pt^ toâa'a Bata, 6' otni trance mxtíS^ 
.fiíei de eibaltaçSo #agica«: > ' ' '• ^ . " 

! :E a todos 06 ímpetos viòileato6>ifiad< Ribtbit dá a Bua fet- 
^{j9oi earacteiistica. Depois do ^er ê^Mtdéà', jão se tíei petí- 
sdoido enfi mad!^ RrBtorí^6'0 territele estfaDbovuHo daes^ 
'p<ÍMsa'de JasSo; que T)ôs ipreoiccirpa. Aquelb froTite de GÓr- 
gona; ibas étn^ue o dedo da j^aixSo bum&rxa imprimiq stiK 
'C46iãe:metaicicbolra>extreina'> (aqta^lleige^fieular qaeasauinè 
toda a idagestadé épica da^e^atoa ria* antiga (; aqpaellfis pála^ 
m^s, qnd retumbam ria iáalaj e nos^ traspaèsam o 'eoraçãa, 
Mdoitítanog povda<a phantásía á^ mít 'recordações; e Húi 
dilfxa queipensav; IPor moito tempo: nac^- Vemos se«ao Me- 
i]éa^/esire»iar>do 'ao- seio* os- dois fiiho^v^idiôsceDdo da^ meu- 
taDha, e fluctuandolhe^ois >^stes ghe^s^ao^sébor dosveri^ 
tosrOseu^ infortúnio ô ó ÍKema idos* ihoí^^s cogrta(5eá, e 
•4i4f^08 VeMtade de* evocar d'ai]tie(teâ é[)0t)as hemdtdi; este 
Vutto>-griandioso pat^ 'adinirairmos Ôe 'parto as dimensões im* 
mensas de uma perâot)iâ€8^1o>tSapr<Sfanda do amor irailâcK 

'É^difQoU piniartodas^así- situações apaixonadas parque 
phm este aiM;to'iinmensò/'rMenpretidò e tep^oduzida 
tom -tal 'rigor ' e verdade! por madaiuaíRistori. Ba» qual- 
'4rôá eifiique o 6spectádt>r> -daria tudo paria' os pod^rperoe* 
luar sobreaiBeeh^, tanta é^ a magra ' dos i^stoá e a àcden^ 
luaçaoípathetica das patatrast Nos túomeii«e» de furor ku- 
Mme em ^ue^uma sé phrase fócba um acto, como' dá pri- 
meiro, as SU2S proporções académicas tomam desenvolvdúeíh 
itôASofúrtíÂ^aml, que d(!3se)^eís: 'vér dbiiié de t^s algumas 
d'^98as estatiuas gígelntes, qúe o cinzet'grego rmmortalisara^ 
O! seu olhar fascina; «e Oiacend iniimativi/' e* ibspiradodiáí- 
ííús i]m está<altiuíila soberana^ i& me. ' '^ 

•'<) verdadeiíit)r-m(^tivo de netíbtinia dáá Medias slié' agora 
oonbetída^ agrtadarem, como 'mui<bêtii' dti^ um critico ido- 
demo, ist0'è as' tragediai da Èuripide^/ de Comeille; 'e de 
Lotigepierre, póíe-se fexpfiúár pelo caracter 'de Jas5o, moèsi* 
tro sem pafxaío, qde nfio s6^«nbstra'^ile{» digno dos ékcesh 
tMS de Medêd, Dém' do ingtjnao'e''poro( tfffeeto de Greusa: 
mtv: Legòuvè còAtieoéu isl^, e'fi3ot)^éâdo dbr paires a 



uvmuflniA 101' 

quem a ht$Sori|a ..isnega, e, por jconsegwnte^oeni mMivQir: 
da Siyn(()âthiia.itragÍGa.a (^mm fattecem a nobraia e.iâteqsfc» 
dade de isefitálneDlto. que e&aUam um piersoDasedi tn^^ioNl 
resume todo o kiterfisâdiem Medéa, á •qiiat4ifToa aiferoçt^ 
d^e da tradiçio niyitolagida para. a.lorna^-^asit&.&tiiaK 
çaada, e mSe deaditosa. O oteámo infdnticklioi^òe^oMiiiietH 
te» é Jatào/qme.a leva a isso. itteifigliL.. uceistí... Chi U- 
mrM^f.rr-TulM.. respande.esta esipúsadesv^turaâMN^aocessO/ 
da .Sua.baltueinacléi vingaliva. Dè Medáa íé ^M/euns o bnaç^^ 
que descarrej^a. o golpe n'esle laoce eiLasperado* > li. ^ 

Mas passemos rápido fiobr» lodasi eatâfi 'seMaçSesi Ir^f > 
mendas qifô, como c&rrenteâ .eleotricas^ js^codemi .as t>Ial6a8i 
em impulsões víoleniasv.e.coDtempleibQS.'essa nova fi^m»; 
táo sympaLhica oa oiagesiade di> seo infortunib^ que ^Mra 
^BQL seena. É liaria SUpart^ j^ valiBha de^tlosai. xi^os dali^^ 
ctos de mulher .não Jhe.annuvianim comtudo. a aaróoby qiicL 
a dnuQDcia cQOKi.oma das mais atiraetivas victipias do máiK 
lyric^ e do icadarals9'..AnBa fiolebar GaUiárlea fUyvará e M»^ 
ria ÀDtonietta, a ambição polttka^ â fraqueza fepiiajiia,, e a 
r^Í0f<da!adv<Nr$idade< ba cabeça d«s reis, to^as eíMprinte- 
zas, ini|is^i0u iseuQs criminosas, subiram ao patíiittilo aeomr 
paobadasí, seoSo 4a estima, pelo. menos da Gompafs3o dfr 
posteridade. Porém, Jlaria ^tuart persiste na menoria dé 
t^o3.€9mo a mais laita pedrs^^jiificaQSo do ioiorluiií®, que. o» 
odío de uma rival poderosa exalta, e uma graúde>Msignah 
ç%) glorifica. E^dign-sei a: verdade: ao coração' e aosioUlos 
das gerações. que lhe ^snepederaoi ainda custa. a adqsiuir fsaoí 
moo^tiTuosaineolfereiíera de um exiterlor fènlioâissino eiumai 
alma.dep^ravadfi; e a.jevep rainha dá f sâossia^ iera> tão fovM 
iXkOsa>.que desarmaviai Iodas aspr«vençoes< A memoria d 'eisift 
belleza peregviíiay' sõ> por si, trtompha • das: pieiMiad prouasi 
da, historia. De^ía desser a. cabeça daSjleduza da; sjmpúihm 
aquella cabeça decepada, tão belía e tão poética, saindo p^A^i 
Udp e desfalWida >dp dentro dÈi sua coíleijra de. rendas <M) 
Fibmddres! Aqueltaimagem ainda bbje toj^ba; a raíão, rasoína 
a cunficiancia, e anr^ca lagrimaside píedad^^ ^etesaltafBO) 
«'de loruuna a tedob quq pensam na. sua ide|s\ientunaf> ^ I 

. A tragedia, úi rompncenei o poema teetn,.>lia:ires:s^uk>s,i 
pcQCurado, a^mte melancholíco thena, <moti|Vo para enlerne**^ 
C9r m peitos, compassivos, mus, ai verdade é{ qutt pareice ter 
€Í»eg)ido emfim.^ bona; de se; fbzçriDma apreciação sinoara 
e JpsU d esta grande. desdita. Paio men» .assim o jblgott 



04 LITTERATURA 

a Myrrha, a Adriana e a Juditb, enlbronisam nas lúgubres 
paginas da historia 

E depois, se elevámos os olhos para os horisontes da 
arte, se os estendemos por essas regiões que a phantasia 
inflamma e a paixão assombra de sinistras nuvens, para de- 
pois succederem dias mais bonançosos e esplendidos, que 
beila, que imperativa personiScação n3o ostenta madama 
Ristori, reproduzindo-nos todas essas magestosas figuras do 
theatro antigo e moderno, Phedra, Medéa, Octavia, Anna 
Bolena, toda essa dynastia de rainhas trágicas, de que ella 
cinge tão soberanamente a coroai 

N'este tempo de verdadeira decadência para o theatro, a 
missão da nobre artista é porventura providencial I 

A tragedia, como as paixões memoráveis da historia, ha- 
via morrido para a scena, como aquellas para os aconte- 
cimentos da vida. O génio trágico, personificado na Rachel, 
accorda as platéas da sua fatal letbargia; e Adelaide Ristori, 
pela força irresistível de uma alma que se illumina de todos 
os fogos da paixão, completa esta obra augusta, conquis- 
tando a admiração e sympathia para uma magnifica forma 
de arte, que jazia esquecida. 

E é por isto que o apparecimento de madama Ristori, em 
Lisboa, não significa unicamente a vinda de mais uma ar- 
tista notável a este ponto da Europa; o apparecimento da 
eminente trágica tem mais largo alcance nas espheras da 
arte. Madama Ristori, como os antigos conquistadores, que, 
em nome de um principio ou de uma ambigão, invadiam 
os povos, deixando os vestígios da sua passagem domina- 
dora em triumphos e recordações assombrosas, percprre as 
sceoas mais celebradas do mundo culto, conquisiaodo no 
seio dos espíritos absortos pelos rasgos do seu génio um 
logar eminente para uma forma dQ arte quasi despresada. 
Pepois da Chafnpmeslé» e da Desmares, dia Duelos, da Le- 
couvreur, da Dumesníl, da Glairon e Ducbesnois, e final- 
mente da Rachel, surge a preclara italiana, para continuar 
essa esplendida dynastia ideal. 

. E tprna-se reaiqíientç indispensável uma actriz d*6sta raça 
para confundir òs desdéns, que al^i se notam para com a 
antiga forma classiica, e /azer volver em enthusiasmo o des- 
preso e o esqueçitoeato dos altos vultos recommen^ados 
á posteridade. . | . , 

filia. ergujç-se» e.^Q seu ppderosQ aceno surgeiu das §(>m- 



fiirTEiAinaA 95 

taras do passado, as sublimes pensbnificaf^es de Cornei lie e 
Bacine, de Sbakspeare a Âifleri, de Sehiller e Maffei, qcie 
apparecem eí desapparecem sobre o palco, como aspiritos 
privilegiados» que», desdenhaqdo uma manifestação vulgar, 
não se patenteam de novo senão encarnados noi vulto admi^ 
n\el da grande artista. 

E tajBs proporções grandiosas encontram*nas todas estas 
elevadas creações da tradição grega, da phantasia poética, 
ou da verdade histórica, nos dotes inexcediveis da famosa 
trágica. Ella coiitinua esta solemne renovação, em que a tra* 
^eàía,' a mais pura ei^pressio da arte atbeniense, triumpba 
das puerilidades, das predilecções fúteis doesta época, em 

Sue o actor e o espectador, por uma lastimável coincidência 
e ignorância das boas regras, depravam reciprocamente o gos- 
to, este com as suas exigências, eaquelle com as suas conces- 
sões em nome das tendências grosseiras do chamado publico. 

N'esta magnifica peleja não sabemos se a tragedia ven- 
cerâ; o qne sabemos, porém, é que madama Ristori, como 
a Rachel, como o Talma, como Garrik, e miss Smilhson, 
triumpba, e essa victoria da tragedia, n'nma das suas mais 
gloriosas encarnações, iorna-se a victoria dos verdadeiros 
princípios, para a questão da arte. 

E senão volvamos um olhar retrospectivo, e d'ahi con- 
templemos o siadio percorrido, e os combates travados e 
vepcidos sobre as repugnancias de uma quadra, cujas ten- 
dências frívolas, cujas sensações embotadas ou embruteci- 
das, parece já não poderem accordar, senão com os estímu- 
los violentos dos espectáculos do circo. 

Olhemos, por exemplo, para essa época de lucta entre o 
clássico e romanticx), qne tanto conflagrou os espíritos, ha 
trinta annos. 

O drama havia matado a tragedia. Delavigne e Victor Hu« 
go substituíam Gorneillè e Racioie. A Sbakspeare concedia- 
fie ainda um logar de honra, porque o investiram no pri- 
Eiadò danova eschola. Uma poética innovadora, legislando pe- 
ripécias, contrastes, complicações, apoderai a«se do tbeatro. 

Os bárbaros, como a critica aristotélica appellidava então 
aos coripheus da nova eschola, tinham dado sacco á velha 
|Bon clasàíca, e derrocado com os arietes e achas d'armas 
da edade-médía a porta de mármore das três unidades. 

« 

g liando he de esccívir una comedia 
beierro los ^iwcçtos c(»i seis llafves. 



V 



104 hVtTBkkTVtíA 

tima snpeiiorídâde positiva sobbe a rainha da Eseossía, sa- 
periorídade que dá a vontade determinada e segura sobre 
a inconsequência i mas, segundo o coraçSo nobre, que se 
compraz de exaltar os humildes e deprimir os soberbos. 
Maria Stuarl doftiina a sua riyal de toda a elevação que se- 
para o ceu da terra. O historiador oondemna-a, e tem raz3o, 
porque! a rainha da Escossia não soube nem reinar, nem 
precaver, nem fingir, nem triumpbar; mas o dramaturgo, o 
romancista e o poeta glorifioam-na, e teem egiialmente ra- 
zão, por que ninguém, como ella, mais amou, mais padeceu 
e se votou aos sacríflcios de umà conformidade que se exal- 
ta qiiasi ás alturas da beatitude. 

E è este soberbissimo qaíKjro que nos sabe pintar o ta- 
lento portentoso de madamaf Rrstori. Maria Stuart, como 
a respeita intacta a tradição, O' como a consagra illesa a re- 
ligião da piedade, appareice-noB n'aquella physionomia sua- 
ve e resignada, n'aquella estatura elegante e magestosa que 
se tornou o assumpto apaixonado dos escriptores da época. 

Na torre de Londres conserva-se ainda ura velho retrato 
de cera da rainha Isabel, montada n'uma mula. É uma fi- 
gura repellente, antipalhica, sinistra. Com o nâri2 delgado 
e torcido, com a bucca sorvida, olhos pequenos e embacia- 
dos, cabellos ruivos e estupetados, cora uraa coroa que se 
assemelha a um barrete de clérigo, o seu todo repugna logo 
no primeiro olhar. Veste gibão de tufos, carregado de canu- 
tilhos exóticos e de rozetas e laços de cores disparatadas. 
O mau gosto da velha donzella transparece n'isto tudo, fazen- 
do caretas atrqvez da sumptuosidade da rainha. Cabeça, ves- 
tuário, semblante, e matéria de que tudo é feito, tudo éex- 
quisito, avelhentado, traçado e carcomido. Ora esta múmia 
íiaglicana, caminhando para o sermão, sobre a soa molinha 
ê&ieril, explica mais acerca do niârtyrío de Maria Stuart do 
que todos os inquéritos da critica histórica. Percebe-se, por 
este exótico retrato, até quÊ[ ponto deveria chegar o ódio da 
fealdade á betleza, e de nmsi vida freiratica a um destino 
romanesco. 

Na face biliosa da âlha de Benrique VIU lé-se o agro re- 
sçntjrtento de um invejoso e rancoroso celibato.— Ah t tn 
ès moçal tu és bellal os poetas papistas coraparam-te ás 
divindades de Olympo; tens artiantes que se dão por felí«^ 
zes de morrerem por ti, e até sobre o cadafalso, onde tu 
os levas, beijara, abraçam o teu retrato, e proctamara-te 



imEMATm^ 105 

a mais adorável príoceza do mundo I... pois bem, eo voa 
murchar essa flor viçosa, enrugar essa fronte alva e pai- 
lida, e encanecer tio lindos cabellos louros, que escarnecem 
dos meus ruivos ; vou cortar .essa cabeça encantadora, cujo 
sorriso é um paraíso de attractivosl-^E a vesta^ assentada 
no throno do occidenie, como lhe chama Sbakspéare, fez um 
aceno aos traidores, aos carcereiros e. aos algozes, e a mais 
linda cabeça que ainda possuiu a Inglaterra, cabiu aos pés 
da sua rival I 

E n'isto se resume, verdadeiramente, o assumpto de que. 
Sebiller compoz o seu dranoa, ou antes uma elegia. 

E como todo esle ódio histórico e este caracter romanesco 
de uma mulher inconcebível, tomam proporções pathelicas, 
interpretados por madama Ristori 1 

Logo que ella apparece no primeiro acto, como que ufm 
atmosphera de illusões enche a sala. É a própria rainha 
de Escossia, mostraodo-se com o seu roupão de veludo ne- 
gro, de grandes mangas perdidas, como se vé ainda hoje 
nos velhos retratos contemporâneos do seu captiveiro, que 
tem enegrecido com o tempo, dependurados nas galerias so- 
litárias de Holyrood e de Sheffieid, 

A admirável actriz possue toda a sua magestade grave, 
pallida e histórica. Dir*se-hia que é esculpida no mármore 
negro dos túmulos, com um vestuário sombrio, mas gran- 
dioso, e que recorda o lacto c^e uma realeza. 

Com que nobreza repelle o iuterrogatorio de Paulet, e.as 
accusaçoes de Cécill Nem um grito, nem um gesto violen* 
to lhe compromette a resignação soberana. Um desdenf se- 
reno, á força de ser profundo, e a altitude da mulher, que 
nenhum insulto pôde macular, e que se justifica por si mes- 
ma, sem se lembrar de que a accusam* eis a resposta. única. 

Depois, quando Mortimer tira a mascara de carcereiro, e 
patenteia o coração de um amigo leal, a physionomia de Ma- 
ria Stuart illumína-se: sorri -lhe a esperança; noas, passados 
ifistantes, o véu da tristeza torna a cair sobre aqaella bella 
face pallida, serena e melancholica. N9o é o cadafalso que elia 
teme^ môs o punhal. Tu vedrau diz ella a Mortimer, com^ 
piú torne ai suo disegno il braccio dei sicário» 

N*este momento, um gesto de punho, obliquo e homici- 
da, pelo qual a actriz exprime esle presentimento, revela 
n3o sei quê experiência de assassinato, de que a imagina- 
ção fica assombrada. A mulher, a quem a historia imputa 



104 



vntÈíJtX^stíi^ 



ri^ 





orna superioridade positiva sobre a ™ 
perioridade que dá a vonladè determ^. 
a inconsequência: mas, segundo o cMê , 
compraz de exaltar os humifdes e o* _ 
Maria Sluarl domina a sua rival de t;« -- 
para o ceu da terra. O historiador oor^.»^ 
porque a rainha da Eseossia não sc-;^ 
precaver, nem fingir, nem triumpbaw^^ ^ 
romancista c o poeta glorificara-na, 
zão, por que ninguém, como «Ha, 
e se votou aos sacriflcios de umà 
ta qiiasi ás alturas da beatitode. 

E è este soberbissimo quadro q«*^ 
lento portentoso de madam» Rist^ - 
a respeita intacta a tradição, e* cot» 
lígiSp da piedade, apparece-noB n v^j 
vè e resignada, n'aquella estatura «k^ 
se tornou o assumpto apaixonado n ^. 

Na torre dè Londres conserva-^ 5rii^ 
de cera da rainha Isabel, mont^t* .j^ 
gura repellente, antipalhica, sin'' 
e torcido, com a bocca sorvida, 
dos, cabellos ruivos e estupetaâ 
assemelha a um barrete de cleri f 
no primeiro olhar. Veste gibão ^^o 
tilhos exóticos e de rozetas e 
O mau gosto da velha donzella 
do caretas atravez da sumptuos 
tuario, semblante, e ^nateria dl^ 
quisito, avdbenUdo, traçado ^^VummÍZ ^ -«i™ 
anglicana, caminhando para o * *1b^í? «»a/fierTi? 
estéril, explica mais acerca a^. «áa^ **?' 



*n 



fU 











Jl^^fa* 



^ír/ 







Pf^jsi 



de 



^^*Posca 




3r 



Passadas 



que todos os inquéritos da _ 
este exótico retrato, até qu0 
fealdade á beíleza, e de a ' 
romanesco. 

Na face biliosa da filha d ^ 

senlíniento de um invejoso ' ^ ^,^. .^. ... 

és moçaf tu és bellal os p-^ ^ékuMrío^"^' ^«•^ 
*vindades de Olympo; tento, «W/oôn .. 
8 de morreram por ti, e *»^efitfj»en#^ *^'' 

ie%'as, beijam, abraçam ^» ^e Çíie . • '"^^'^'^ 

^ oporia kaputíi 






.a 

ue 

vai. 



VJVlBAAtURA 107 

. , é resígna-se ainda. S9o ad- 

"' Poi$ JL /os dialogo as transições de fre- 

^^^ frofli^'''* eu /ulsos e reprimidos, as coq- 

'^f^on^ Ou *'*'a e ^^^ ^s, transparentes e profundas, 

*^^ ^0c3 ^ ^'-^r/)|. f'^'* indignação e tranqoiilidade es- 

í.' ^ t^T^^^^tor,-! ^^** ^ âa admirável trágica. Ha rao- 

'^''^A ^^^^ ^'*^M^ '^^^ ^ transporia: os olhos per- 

'' Bh^^^^^. /ív em-se-lhe correr bagas de suor 

/•/a '^. e ^ ^^/^ ilinam com a palavra, as mãos he- 

' ^'^^iu uoè '^ desordenada. Recua, vacilla, tem 

,^^^ f^ j3o da necessidade arrasla-a curva- 

lèi^^^^f^^o (Jq ^to de abnegaçSo havia sido feito, 

.^ '''V/a, ^^^ iosa entre^^ista, e para o cumprir con- 

,'.1 ''•*'' roíij^^ ^ N5o se humilha, despenha-se no abys- 

'^^^^ l^^Uietu^*^ IwçSo, para se não vêr, nem sentir. O 

^^* supremas bèbcK) todo a tragos acerbos; 

'''íio í^i,^ / de novo, e a trasbordar, e esta prova re- 

/'V'^/í rj Sf wa-se. Não cabe mais nas forças humanas: 

. ^*'h(U) ^^^^ *^^ eterno, porque seria converter as 

* ^'V/^/j j 'í^ jndo nas penas dos réprobos. A tempestade 

^i^n^o a ' '^^í^^l insulta a mulher, depois de teravíl- 

^****nôsJ!^ i. Enítão uma fulmínadora metamorphose ar- 

* ^ } esta creatura abatida, ergue-à, dá-lhe propor- 

hl* ^ .es, e faz-lbe deitar fogo e chammas pelos olhos 

tjs gf^ magnifica erupção de raiva! 

que rápido e dilacerante golpe ella rasga e deixa 

t, ess virtude hypocrita, qoe lhe exprobra as suas fraque- 
»//W ^ ? 8^^^^ ''^al, soberano, fulminante, pelo qual, tor- 
>^i^ A rainha, expulsa da sua addiencia a culpada de tesa 

,foe 'dg^stadet iUma espada nua, desetbb^inhada de súbito, 
;,.y. âãb télampéjaria na sala toda mais ftilgurante lampejo. E 
2 depois, qoè altivo e magestoso- nao é o grito de vingança, 
' que remata esta explosão de iré, e de indignação: ■ 



Dopo tanle vergogne e tahtó dífeni 
Wora (ti vea&kta e di triqníof 



p 4i* í»'»*«* ^ • ««o^ena do jolçamenlo no palácio de West- 

'^nste^ ^ombria sala de jaoeHaà ogivaes e vi- 

'S i omo difis íim escriplor inglez. Henri- 

\ ara matar Ugatmente ; Isabel se ^s^ 



106 uTTSKAnmA 

O assassínio de Damley^ apparece de relance atravez do Um* 
pejo do punhal invisível. Aceredita se que a mão, que t3o 
firme e rápida simula o golpe fatal, o saberia despedir cer- 
teiro n'outra occasiSo. N9o é senão um indicio, mas de 
um efleito profundo e penetrante. 

No terceiro acío é onde o grande talento trágico da ar- 
tista desenvolve toda a amplitude das suas proporções epi* 
cas. Este acto abre pela admirável scena, em que Maria 
Sluarl, depois de dezoito annos de capiiveiro, se lança amo- 
ro^mente no seio da natureza, e o enche de exclamações 
apaixonadas. Madama Rístori faz uma ode, uma cantata, um 
solo lyrico d'este magnifico monologo. Âquella explosão de 
alegria, aquelle desafogo de alma, parece encontrar todas 
as suas consonancias nas inflexões e harmonias d^aqiiella 
T02 maravilhosa. É preciso veUa lançar-se na scena, cotao 
que dilatar-se. mergulhar-se n*aquellas a ras que ella res- 
pira a sorvos, e que lhe enebriam a alma e exaltam a iAoa- 
ginaçãot Mas o sonho da sua França adorada, figura-lhe 
a nuvem que vem escurecer tao bellos momentos. 

E quelle Dubi che ilinQríg:^io attira * 
. Gercaao l'oceaa che Francia bagna; 

diz ella, vestindo de suave e paliída melancholia o seu rosto 
de mármore. 

N isto sente-se á bozina, que annuncià a chegada de Isa- 
bel. É aqui que se apresenta o terrível encontro imaginado 
por Schiller, e que o poeta aproveita para completar em tra- 
ços profundos o caracter das duas irmãs. N'esta scena, mada- 
ma Rístori excede toda a analyse: é vélra e admiral-a. Ella ca- 
minha para a sua endurecida carcereira cona um passo desfal- 
lecído: ó corpo avança, mas o animo recua! Um gesto subli- 
me de verdade rebenta, manifestando tbdá a repngnandia, 
D asco, disséramos melhor, que sente ao aproximar-se da soa 
cruel oppressora. Afinal ajoelha, mas o fogo da altivez, que 
lhe chispa dos olhos, protesta contra a humildade da attitu- 
dle. E com què finura feminina ella n3o afiasta da sua rival, 
para a dirigir aDeus, a intençSo dVsta reverenciai Un nu- 
me adoro, exclama Maria, pela boeca da actriz. 

Segue-se um longo período de provação para a sua alma 
altiva, e depois irrompe a explosSo. É este sublime transe 
de certo a melho^ situação da tragedia. Ás suas supplicas 
submissas havia respondido Isabel ^com' a aspereza de um 



frio desdém. Maria ' mar tyfísa-seeresi^na-se ainda. São ad- 
miráveis em toda esta parte do dialogo as transições de fre* 
lúito, os estremecimentos convulsos e reprimidos, as con- 
tracções de pliysionomia rápidas, transparentes e profundas, 
qtrè pin^aor as alternativas de indignação e tranqoillidade es- 
tudada, reluctando no intimo da admirável trágica. Ha mo- 
mentos em que o resenlimenlo a transporta: os olhos per- 
dem o briltio: parece veremTse^lhe correr bagas de suor 
pelo rosto. Os lábios não atinam com a palavra, as mãos be- 
dilabi ^n'Um;a gesticulação desordenada. Recua, vaeilla, tem 
medo, tem frio. Mas a mão da necessidade arrasta-a curva- 
da, e febricitante. tJm voto de abnegação havia sido feito, 
no começo doesta perigosa entrevista, e para o cumprir con- 
jura todas as forças. Não se humilba, despenha-se no abjs- 
mo da própria humiliação, para se não vér, nem seniir. O 
cálix dafs angustias siipremas bèbe^^o todo a tragos acerbos: 
itías Isabel enchd-o de novo, e a trasbordar, e esta prova re- 
pete^se e multiplíea-se.Não cabe mais nas forças humanas: 
o martyrio não pode ser eterno, porque seria converter as 
angustias do mundo nas penas díos réprobos. A tempestade 
rêbef)ta e«)fím. Isabel insulta a mulher, depois de ter avil- 
tado a rainha. Então uma fútminadora metamorphose ar- 
fslnca d^ pó esta creatura abatida, ergue-ã, dá-lhe propor- 
ções gigantes, e faz-lbe deitar fogo e chammas pelos olhos 
e pela boèca. 

Que magnifica erupção de raiva! 

€om que rapMo e dilacerante golpe ella rasga e deixa 
nua a virtude hypoCrita, que lhe exprobra as suas fraque- 
zas t E õ gesto real, soberano, fulminante, pelo qual, tor- 
nada rainha, expulsa dá sua audiência a culpada de lesa 
magestadet^Uma espada nua, desetlibaii^hada de súbito, 
nãb relampl^jaria na sala toda • mais ftilgurante latnpejò. E 
depois, <]nb altivo emagestoso' não é o grito de vingança, 
que rétnata esta explosão de irá, e dè indignação: • 

' Dopo tanle vercogne e tahtò aSfani 
Wora (ti veaoetta e di tiriQoío! 

d 4i^ acto é a scena dd julgamento no palácio de West- 
minster, na vasta e sombria sala de janéHas ogivaes e vi- 
di^os de cdres, onde, como di2 fam escríptor inglez. Henri- 
que VIII te assentava pára m^tar Ugatmente; Isabel se^s- 



106 íJTrVMSVt^. 

sentava para matar despoticamente: Maríq Tudor se bayi^ 
de assentar depois para .mdtar tteologicavientei' 

O 5.^.acto é o Siipplicio* e madama RistoT» converle-o n'mi| 
calvário. Este quadro díe agorfa ,presenc^a-se codí o corar 
ção confrangido, e a imaginacãO; em sobre6aUos«.AquélUs 
magniflcos. versos de .Bocage.: ... 

Multiplicada a morte anceia a inente, 
Bate horror sobre horroi^ nòpensamento^ 

realisam*se nos seus effeíto^ mais excracian.tes, para a j^lixtík 
opprimida de todo o publico» . i . . 

Maria Sluart apparece<.Vem dizer o derradeiro, adeusai 
suas aias. As agitações passaram; as chammas das paixões 
terrestres jazem exUnctas» .A auréola da eternidade irradia 
na sua. fronte serena.. Que reaign^çSo» que bondade intim;^ 
e aSèciupsa,. não transpira . toda esta desped^d^t eni que o 
peito, rasgado pela dôr» é apenas livre âmbito para a saun 
dade que já ahi anceial Quando Cécil se oppoe a que a sua 
velha amiga Ãnna aacqmpanbe ao patibulo^.porque teme. que 
os seus damores e as suas. lagrimas, mais a pSlijam: oh! 
no, no piangerá, exclama ella com o accento de qma mãe» 
que prohibe a sua Qlba que chore, e encbiiga com as duas. 
mãos a face regada de praato.da velha aia, com um gesto de. 
ineffavel gentileza. .....; 

Mas a hora extrema aproxima-se e a imagem do Cbri^to 
arrebata-lhe o espirito n^uma ies{)tecíe de extasi de antecipa- 
da bemaventurança. £ n- esta sublime attitude de contempla- 
ção que Melvil Ihe.ouye.a.tíonflssão. Com que expressão 
doce, serena, e ao mesmo, tempo fervorosa, eUa.nSo aper-* 
ta o crucifixo I É o santo: temor da alma, que se encoatra 
face a face com Aquelle a. que cúnguem engan^. 

, O tambor em fuoeral senterse na sala visinhat ao oqvil-o 
um frio glacial percorre tedaa sala,, A rainha de Escossia 
caminha para o suppUcia. .Na entrada do seu Golgotba en- 
contra o seu Judas, esse desleal e covarde Leicester, que 
t3o miseravelmente trahm a amante e a princeza^Á sua vis- 
ta a santa torna-se mulher: Hai sdoUa Iq iua fede, ó Ro- 
berto. — Cumpriste a tua promessa, Roberto. Os teus bra- 
ços deviam arrancaMoe. d':es)H»a muros, e são os teu» bra- 
ços que. me arrastam d'aquil.., 

A mdignaçâo, a Ironia infamante, a expressão de. pungeq^ 
te^ sarcasmo^ que éUa imfprímQ poesias palavras vibmdas em 



trMMuimAA 1109 

tom baixo, nao poâem explícar^se. Gusfta a crér que o trai- 
áúT tí&o caía ftilmtnado. Mas este ligeiro vislumbro de ira 
'{>a^sa como o' felâmpago. Desde esse momento um rapto 
^e alma e dos ^hii(fos sei apodera' ã'ella, e lhe dá a ex- 
^i*kss9o irtieffavePd^ alma escolhida^. O' sen bello rosto pa- 
rece fluctuar na serenidade eibérea d6 tum esptendor de 
bemaventorada. N'est6 instante p9ttte que um horlsoi/te de 
Itálbiàs; de anj09, de barndonias! e dè luz invade a scehaJ Ma- 
ria Stuart sobe ds degk^auis da satã fúnebre ou antes ergue- 
se impellida pelo sõ^ro de'i)ma asbensOo. A sua cabeça ain- 
da se votve n'esta hortí solemne para dizer o ullimo adeus, 
e abençoar as suas aias prostradas^ mas n'este momento 
aquella figura jánada tei^ de terrestre ; paira sobre fama re- 
gião de nutens; que os olhos nM téem, mas que a pAan- 
tasià imagina e aggiomera em tomo ffaquelle vulto, colo- 
rindO;a^ dafs cores do Irls.* » > 

Jámafs o veu, que se esfende tio detlso e implenetravel 
entre o mundo e a eternidade, appareceu tão dia{)h»no aofi 
olhos dõsmdrlaesí « í • «; * - ' \ . 

' Dei^oi^ de tudo iisto, destere^ os bhdos,' os damores 
de enth^usiaáhio, as palmas; as cCtoimoc@es, os ddirios, o si«- 
íéncío afflíctivo com que uth 'publico segue e escuta todos 
estes lí-aiises, é qoasí iwptísíítel. É necessário vêr, porque a 
palavra e ã escripta são miilâs: para tamanho esforço. A mente 
do èspecta&or quasi-que jWrdede idéa a grande trágica para 
^ lembrar -só da print«2â desventurada'. A inexorável con- 
defranàção 'da historia' slpaga-se n'este momenlio paira se avi- 
vàrèrn unibamènte: toliòs os Incentivos d& sjmpatbia. Com 
que saudade é religiosa' silencio nSovibiiaría o espectador 
n^esie tnomento; depois dè tôi> a 'tragfedía deSchiller, repre- 
seMada por niadama nísfóri,^ás ruina^ do bastello de Hard* 
wicke, pk*is9o dd' infot^timadà princezat <A wtÁcfi camará, gne 
existe dtepfé,'di2j rar. Niiíard, visitando estás poéticas e trls- 
Ué rúInas, è i que'síe -cbsfulaVa 'a camiira : dos gígante3. É 
ahique se vê ainda o leito' qué foi de Maria Stuart. Bsté 
leito, cújàis coberturas tém Idvôrts da' sua própria mão, foi 
db certo testemunha de basiames noites sém somno, de in-^ 
finitos gemidos abafados, de- lagrimas emsHencto devoradas, 
e dos ardentes desejos de éviafeãó d regresso^ ao ar livre e ao 
pódér.; 0'tfenftfio íem já dèsbottdo as (Jílres,e gasto a trama 
do i^oídVpé," obra dbs seuis dedos- dèlleados, duranld o caíptl- 
veiro. Um tumulo n9a seria mais 'triste 4o que este leito. 



110 hvnEfuvfjmí 

Aqoella magnificência sem brili^o já, o docel fiesm9Íado, os 
cocares de plumas nos quatro ângulos, tuop f^z assemeUiar 
este leito a um grande coche funerário^. E é pelo ip^pos uo| 
tumulo, visto que todas as esperanças da pobre senhora aibi 
pereceram, e quem sabe até se chegou a chorar ahi mais 
de uma vez a sua mesma morte ! 

«A sala aonde se vô este ieito está mobilada, qpçf^opisi época 
de Isabel. Ha curiosidades qae vér para um dia inteiro: mas 
que vontade pôde haver de contemplar outro qualquer objd- 
cto, depois de tér o leito de morte de uma princeza, quê 
pagou tão caro as suas faltas, e cujas graças desarmaram 
para sempre o. rigor da historia ? I » 

Ainda nos falia fallar da Phedra, e da Judith. 

A Phedra é a melhor tragedjp de Racine, na opinião de 
Voltaire, e madama Ristori consegue reproduzir todas aqueU 
las tempestades de um amor adultero e incestuoso, com a 
magestade da tradição grega. A scena do delírio arrebata o 
publico. 

A Judith vé-se que é o thema biblico, que aproveita o 
amor da independência patriótica, e que todavia o talento 
poético soube accommodar ás proporções de uma tragedia 
de ardentes e inspiradas situações. N'esta tragedia é mada^ 
ma Ristori auxiliada poderosamente por madama Ferroni e 
o trágico Majeoroni, que tem bellps momentos. Mas a alma 
da italiana, abrasada no santo amor da pátria, desafoga no 
peito da grande trágica, nas calorosas scenas dei. que todo 
este quadro de emancipação nacional está realçado. Bastai a 
invocação do quarto acto, e o hymno do quinto, para eothu* 
siasmarem uma platéa, e consagrarem o talento scenico, 

N'uma palavra, madama Ristori é a personificação der^ 
radejra da tragedia, como esta sublime forma de arte de;Vd 
ser concebida e interpretada. O seu maravilhoso talento õ 
auxiliado por todos os dotes physícos.Aquella.belía cabeça 
^n que reside a perfeição de linhas do ideal da estatuária an- 
tiga, aquellas formas elevadas e magestosas, tudo annunciá 
ii'ella uma d'e$sas soberbas filhas dos campos de Roma, em 
que a belleza robusta e varonil, os bastos cabellos casta- 
nhos e os braços desenvolvidos e académicos, fazem lem^t 
brar os modelos predilectos de Leopoldo Roberto. Dissé- 
reis uma matrona da velha Roma, uma Clelia das antigas 
eras do Lacio, uma Gamilla, evocada á voz poderosa do ta* 
lento da interpretação. E é por este prodigioso conjunçto 



de dotes que Adelaide Ristori pãde representar, diante de 
todas as platéas, porque todas a appjaudirlo. Âules de fai- 
lar á íntelligencia, falia á imaginação. O espectador majs h|0S^ 
pede ao idioma italiano, n3o pôde, ainda que queira, deixar 
de se idenltiQcar com todas as luctas que se passam na alma 
da grande trágica. Todos os versos na sua boca, são ape» 
m% um pretexto para aquelles pradigíos de expressão. A 
verdade das suas inflexões torna-se tão eloquente, vão e^tas 
tão ao intimo do coração, o jogo d'aque)la pbysionomia é 
marcado a pincelladas tão profundas, passando-lhe o odiq, 
a alegria, a vingança como relâmpago sobre a face tão signi- 
ficativamente, todos estes sentimentos se resumem de tal 
sorte, ora no vislumbre de um olhar fascinador, ora no sar- 
casmo de um sorriso que ao de leve lhe encrespa os lábios, 
prenuncio da tempestade que vae rebentar, emPim tudo isto 
se produz com tanta naturalidade e elevação, que o publico 
lô no semblante da actriz a historia de todas 9s paixões a 
que está assistindo, sem outro auxilio senão a attenção re* 
ligiosa a que se sente preso. Ao vel-a acodem . á memoria 
as estrophes de Hyppolito Lucas, dirigidas a Rachel: 

De son manteau grec reyétue, 
Le front marque cTun sceau fatal, 
On aurait dít une statue 
Descendant de son píedestal. 



Son souffle anima ton fantôme, 
Tragedie à ia voix d'alrain! 
Des gránds Jours d'Athènes, de Rome, 
Ghacun se crut contemporain. 



Madama Ristori voltou a. Lisboa. A Judith foi a tragedia 
escolhida para a grande actriz obter mais este triumpbo de 
despedida O theatro parecia de galla. Nos camarotes e nas 
platéas resplandecia a flor da sociedade da capital. A ancie- 
dade por ver ainda mais uma vez a mulher excepcional que 
agiia um publico, como se fora uma só alma, era visível em 
todos os semblantes. Quando o atalaya que vigia no alto da 
montanha, gr\iQu:—AlcUn s^apressa... È la JudUa!—\xm^ 
oiklulação, acompanhada d'um sussurro surdo e indistincto 
percorreu toda aquella multidão de cabeças, ondulação que, 
nos grandes auditórios, é sempre a manifestação solemne 
ã'um espontâneo e geral sentimento de respeito que nos 
liga os sentidos e os concentra n'um9 attenção religiosa. 



112 âvtBiUTinik 

Ristorí apparece por fim. Assoma no viso do monte, e 
corre pelo deâSlIadeiro a preeipitar-se aos pés do grande 
pontífice. Vendò-a as^ím correr, aquelie magestoso vulto de 
mulher atravez das penedias, que ella parece dominar com 
o gesto e com o othar de fbgo; sabendo-a ainda hontem no 
Porto, e ja hoje em Lisboa, e já amanhã em Hespanba, dis- 
séreis que é o Verdadeiro génio da poesia trágica, que surde 
aqui e alli aos $eus diíectos, no gyro tmiversal a qne a m- 
péllem as resptendêdeiites azas com que devassa as eras da 
historia. 

Estrondosos applausos receberam eâta apparição magni- 
fica. A commoção da actriz foi visivel. Prostrada jwito do 
summo-saceídote, com oá braços cruzados de encontro ao 
peito, o seio arfava-lhe, e b olhar innundava-lb'o a expres- 
sííò d^um sentimento profundo* A áttitude da artista volta- 
va-sé n'este momento para o yelbo' pontifiiie; mas tís senti- 
mentos da mulher prcndratn^h^a do intiiÀo d'aliha ao pu- 
blico que' a feçebia com tio' vehementes provas de estima 
e ènffhusiasmó. 

E que tragedia n3o è a JuíUik para àccender no espí- 
rito d'um publico inteiro os arrebatamentos da mais viva e 
ardente admiração! Vendo-a, coinprehende-se o porquê a 
Ristori enlevara ás regiões do delírio as plateias da Itália. 
A Judith é a personificação patriótica da historia moderna 
da Itália. Aquelie povo de Bethulia e Sismaria que murmu- 
ra e vocifera, é a dõr do sentimento nacional da Itália que 
desafoga nos bellos versos do poeta Giacometti. Judith re- 
presenta o amor da palria que se resigna, que soffre, que 
se vota aos tremendos sacrificios, mas que afinal se ergue 
dos abysmos da sua hiimilhaçSo, e decepa a cabeça dos ty- 
ránnos. 

' Estas scends de exaltação patriótica, acòendidàs pelo fogo 
puríssimo da emancipação nacional, não podem jamais pas- 
sar indifierentes diante de qualquer povo que tenha uma 
histeria gldríosa e um caracter capaz de avaliar os nobres 
destinos das nâçõe^. Portugal já' teve 1640, é basta-lho isso 
para seenthusiasmar com a audaciosa heroina da Judéa, e 
ouvir sempre, no accesso da febre das grandes exaltações» 
o magniiico hymno, que, saído da bocca da Ristórí, nos faz 
a^sfístit* a essas tremendas convulsões de angustia é esperan- 
ça por ique tem pasmado o povo italiaiu). 

As coroai e os ^amos, os applausos e as palmas enche- 



LITTERATURA 113 

ram a sala e o palco ao terminar este trecho de bella poe- 
sia. Uma nuvem de bouquets foi despedida da plateia supe- 
rior aos pés da eminente trágica, e em allos brados o pu- 
blico pediu a repetição do hymno. O panno ergueu-se no- 
vament.e. Doesta vez a sala toda, camarotes e a plateia, de 
pé, e na anciedade concentrada de um religioso silencio, es- 
cutou a famosa actriz. Foi Sua Magestade o Senhor D. Fer- 
nando, e os Senhores Infantes os primeiros a darem o exem- 
plo doesta homenagem prestada ao génio da arte. Âs reale- 
zas da terra exaltam-se com esta manifestação de respeito 
ás realezas, que mais que nenhumas outras emanam do su- 
premo principio da magestade infinita. Se ha direito divino, 
è das realezas do talento esse o verdadeiro titulo. O génio 
não pôde ter outra origem ; nem outra mão, que não seja 
a mão que determinou as maravilhas do universo, lhe pôde 
firmar os seus diplomas de legitimidade. 



Na sexla-feira, ás 2 horas da tarde, voava já mad. Ristori 
no caminho de ferro do sul. em direcção a Hespanha. Não 
será decerto este o derradeiro adeus da eximia actriz a Por- 
tugal. 

Mad. Ristori levou saudosas e gratas recordações dos por- 
luguezes; e levou mais do que tudo isto, porque levou um 
\ivo sentimento de gratidão para com um dos maiores poe- 
tas da Península, pelo sublime rapto de enthusiasmo que o 
seu talento inspirara ao cantor dos Ciúmes do Bardo. 

E que quadro tão pathetico, não era vêr Castilho na pla- 
teia, meio-sentado, meio erguido no seu logar, estremecen- 
do de arrebatamentos convulsivos á voz potente das paixões 
da illustre trágica, olhando-a filo, atlento, insistente, como 
querendo com a intensidade do seu espirito inflammado fen- 
der a densa névoa que uma sorte infeliz lhe pozera sobre 
os olhos, e supprir com os clarões d'essa vivíssima luz in- 
terior a luz da vista I 

«Esta mulher fez indispensavelmente muito mais que es- 
tudar a historia, a philosophía, a poesia (diz elle na Revis- 
ta Contemporânea); fez mais que observar a vida patente á 
superfície da humanidade. Fez mais que observar de perto 
no fundo das suas respectivas jaulas a insânia e a fúria dos 
alienados, a languidez dos enfermos, as angustas dos ago- 
nisantes, os remorsos e as raivas dos presos, a consterna- 
ção dos asylados, as amarguras dos indigentes, as penas 

TOMO 1 8 



114 LITTERATURA 

i 

mal disfarçadas dos anjos cabidos no opprpbrio, e o horror 
do, patíbulo; tudo obras vivas de impreterível ensinamento 
para a sua arte^ 

..(íJSo silencio da Q0it§, e em quanto as outras ou dormem 
ou velam, umas para o jogo, outras para a dança, outras 
para a conver3ação, outras para o amor, outras para os fi- 
Ibos, outras para a tarefa que a3 alimenta e as entretém; 
quantas vezes não andará esta em espirito, engolfando-se, 
por fatal necessidade do seu ser e da sua sorte, nos abys- 
mos d'onde os Shakespeares e os Hugos vão arrancar mons- 
tros e pérolas, e reascendem á luz pallidos e sobrehuma- 
nos, moribundos e divinas! 

«Afortunado o que não acredita n'estas noites de febre, 
de delírio,, de prophexia, de creação e destruição; noites 
como as das feiticeiras, que ao lume azul de uma mão de 
finado fazem surdir thesouros; noites em que, sob uma ap- 
parenle immobilidade, o espirito se revolve no corpo, como 
o alchimista no seu laboratório, a pedir a toda a natureza 
o segredo do metal rei, e do elixir de longa vida! Três ve- 
zes feliz o que ri doestes martyres da arte! 
. «Quando, ella assim estuda (porquie jurarei que ella estu- 
da assim); quando endoidece diante de um espelho, actriz 
e plateia para si mesma; quando escuta as suas palavras, e 
as contrapeza, oiro e fio, a período e período, e a syllaba 
e syllaba, com o affecto da sua heroina, com o affecto que 
tem dentro; q.:e objecto para estudo de actores, de orado- 
res, de pintores, de estatuários, e de poetas principalmente, 
não seria esse seu estudo! Mas esse é o livro dos sete sellos 
do génio; a Sibilla, que o escreve, queima-o antes de mor- 
rer. Estes fructos da sciencia colhe-os.por entre espinhos 
e para si quem pode; mas não ós dá, não os pode dar, não 
lh'os saberiam receber nem talvez a outrem se lograram. O 
talento produz para todos, mas sabe só par;i si; avaro do 
.seu segredo, pródigo de tudo mais. Dá a lembrar a arvore 
.alterosa, metade a verdejar, a florir, a frutear, a esparzir 
sombras, dejeites, musicas; mas a outra metade, de que 
tudo isto se cria, mergulhada, esquecida, calcada sob a ter- 
ra, a agenciar, ao perto, ao longe, pelo tenebroso, pelo du- 
.ro, pelo frío, os fluidos invisíveis de que se alimenta a ro- 
bustez d'aquelle tronco, a pompa d'aquelles ramos, a ale- 
gria d'aquellas flores, a suavidadei .d'aquelles frutos, o en- 
cantamento harmónico d'aquel]e todo. 



uffTBfutnu SU 

«Sabemos dós fio 'applauãrro|os -esta Ri$ftorii| qiid de ^ 
t^tíioéstotQmo% fastejatKlo lotrnifiiitos, q^H eUii «irlia b^ 
reaespWa nos «o^nlar?! ' ;r> ' . , , 

«A gloria compra-se e custa cara. Por baixo do manvo 4ô 
purpura está ntditps ve^âs o flagellado^ niaifi4&'QIA9 coroa 
de loiro tem eâcubérto frontes; que m lida8>>ptffiB0teirQ .^o^ 
^aneoerám^ 4Bpois devastaram até das òH. Dact a QsmolU 
da comptiixão aos :gloriosos. ^ . 

a Aqui tendes, se me não edgano, O, rand cofQpIe^tiQ de^fe- 
iibidades^ e amarguras, de grafas prigiDaeSjj e da i^irtude$ 
^quiridas, âeín o i\ml este pbenomeno «bainiido RiâUMri sa 
não explicaria; pbenomeno sim, e èSo mulbBr, iaotOtassiou 
que o seniimento que ella inE^íra n90 é nos bdmens a amor, 
neài nas mulheres o ciúme ou a inveja;^ 6m»todo$ uma 
«espécie de adorarão. 

ffAqoi tendes porque ella percorre os estados dd^GiéirDpQ^ 
-e percorrerá os de todo o mundo, como riinlia, que A^isit^i 
as suas provinciais; porque a musica se não atnevoía introf- 
melter^se; nem momenlanôamenite, nas solemnidaudes dOiS 
seus sacríãcios: theatraes; porque as cidades a- esperam, com 
^alvoroço, e a ficam recordando vangloriosas. 

: «Abi tendes porque os poetas se inspiítain à^elUi pana 
4slla compioem, e a 'ella dedicam os seus poemas; :pop- 
«[Qei a. imprensa lhe tece um bymno.perenn€|:e>iinlversal,, e 
~a :erítiea, essa esci^ava inioltadloína dai todos -os triui^poa, 
aiQda Hãoacbou que lhe f eprefaeqder, senão a exceasivia per* 
feição; a verdade absoluta :na>expres6ã9 dos bKMrroresre ter- 
rores iiaturacis. ) i i . , 

cAbi tendes porque a mocidade estudiosa idas icidades 
por onde atravessa: lhe dá sereâatas, e as companhias tbea- 
traeá coroas. 

I «Aqui 'tendes porque os nei8 e atè as rainhas a convidam, 
^ hospedam, a: regalam, Ibeescre^qm, lhe;ap^taia' a.mãp» 
e se ella lhes pede a salvação de um^jcondemoaido, Oidigoos 
attonito senie escapar-lbe da$ mãos ia. aua victiofta. . 

«Que mais realisaria a lyra^fabnkkosa dos antigos tempos? 

«O que somos obrigados a aoredi4a^ de B)istoi>,/porque;0 
presenciamos e de que os nossos netos sorrirão por ventu- 
ra, revela-nos em parte o sentido d'alguns mylhos. 

«Querereis, vindoiros, vós outros a quem enviamos o seu 
retrato, querereis conhecer a força, a magia, d'este génio? 
Ristori resuscitou a tragedia, ou antes Ristori foi o Pigma* 



116 UREBATCnA 

li7o doesta poesia estMaa que ficará de pé no meio d'esta 
litteratora» tSo diversa em tudo, em quanto subsistir a fada 
que a evocou. — A tragedu e Ristori moiuierão no mesmo 

DIA.» 

O entbõsiasmo arrancou estas bellas palavras ao insigne 
vate. Mas o seu vaticínio n3o se cumprirá. A tragedia,. como 
todas as grandes formas da arte, n3o morre. Quando já não 
fõr a expressão natural do caracter de um povo, deixará de 
iser a traducçSo fiel da sua historia ou das suas tradições, 
como entre o povo grego, mas passará a ser uma magnifi- 
ca forma dramática, como no século de Luiz XIV, ou o qua- 
dro sublimo das grandes paixões, como nos dramas de^ 
Sbakspeare, Sehiller e Victor Hugo. 

A arte é eterna, e existirá em quanto existirem as for- 
mosas harmonias da natureza, sua fonte de inspiração, e os 
mais nobres é elevados de todos os seus fins. As edades, 
os progressos da íllustração, os caprichos do gosto, os de- 
iirios ou extravios da phantasia podem alterada ou modift- 
caNa, mas não extinguir de todo as suas manifestações mais 
características e solemnes, e a tragedia é uma d'ellas. 

Não ponhanfK)s pois os s^s destinos tão dependentes dos 
individues, embora esses individues sejam os gloriosos in- 
terpretes dos seus segredos. Depois da Adriana Lecouvreur 
appareceu Talma, e quando este julgava já não poder legar 
a um génio inspirado a cblamyde dos beroes trágicos, sur- 
t]e Rachel. Depois esta expira ainda no estrépito da sua glo- 
ria ; mas, olhando, para despedir-se da vida e da scena, on- 
de reinava como soberana, vê Ristori que d^ponta já ra- 
diosa nos horisontes da arte. Brilhante e gloriosa cadeia>^ 
que se perpetua, pelo influxo de uma lei providencial, & 
que assegura aos que amam o talento e as suas melhores 
•revelações, que os representantes d'esta dynastia ideal po- 
derão interromper-se por momentos, mas não acabar. E a 
historia que nol*o assevera. 

Confiemos pois mais nos destinos da arte, e no progres- 
so das leis que a podein fecundar, proporcionando-lhe the- 
mas e reveladores das suas beliezas. 

Dezembro— 1S59. 



D. JOSÉ DE AUCADA. £ LBNOASTRiS 



Fatal destiDo de muitos dos nossos talentos.— D. José de Almada e a noite 
< de Natal.— A Sé de Lisboa, e o principio da amisade de dois escriptores. 
—D. José de Almada retratado por si mesmo.— Apparece o anotorda 
Prophecia.—0 Theatro Normal e as grandes ovaçdes á'e8te drama^r-O 
Tisconde de Almeida Garrett applaudindò o joven poeta dramático. — 
Jnizo critico da Prophecia.—k politica vem desviar o auctor dos as- 
sumptos litterarios.— Novas producções dramáticas.— O redactor do C»- 
ihoiico e da Nação e a aptidão complexa <lo sen talaito demonstrada no 
Orador Sagrado, nos Contos sem arle e no Santo Aioslinho^-^Yifa de 
D. José de Almada. 



Dizem que existem quadras climatéricas para o talento : 
-que assim como a natureza agenceia os mais recônditos e 
fecundantes principios de germinação» para depois os osten- 
tar em prodígios de eflorescencia e fructiflcaçSo em certos 
períodos do anno, da mesma sorte o engenho humano, por 
um phenomeno cujas leis escapam á nossa perspicácia, pa- 
rece escolher varías épocas mais apropriadas a evidenciar 
todas as suas potencias milagrosas. 

Mas» se effectivamente occorrem d'estas quadras fadadas 
para a verdadeira personificação das letras e das artes^ 
tanU)em haverá quadraá nefastas que» como um tufão de- 
solador» vão abatendo» um por um» todos os talentos» quan- 
do a aurora das esperanças risonhas ainda Ihés sorria» por- 
que as crenças dos primeiros annos começavam para elles 
apenas a viçar e a florir? 

'■ Será isto um facto que não entre bos meros áccidentés 
da, vida humana? 

Creio que sim, que d'outra sorte se não pôde nem com- 



LlTIKKATUnA 



prehender nem explicar a fatal insistência com que a mSo- 
do destino, em tão breve espaço, tem ido cortando por toda 

essa phalange de mancebos illustres, que aind<i ha pouco 
representavam uma grande parle da actividade intellectual 
d'esta terra, e que ao presente só vivem na valia de suas- 
obras, e na saudade de seus amigos t 

Triste e inexplicável fado que em menos de seis annos- 
tem escurecido com o crepe da morte tanto raio de luz fui- 
gissima f 

AlongaiKlo inibas em \cltade nós, íiSo vemos s.euSo 
um lúgubre e vasto cyprestal. Alem, onde ainda ha pouco- 
desferia melodiosos sons uma lyra inflorada, debruçam-se 
agora as negras e melancólicas ramadas do teixo, como se 
fosse a amizade ^lli ajoelhar-se a prantear curvada para a 
terra uma esperança de todo perdida t Mais longe, upa co- 
roa de myrtbo está substituida por mebncholica capella de 
perpetnasl Quasi ao pè vè-se uma palbeta, cujo vivíssimo 
colorido recordava os melhores mestres venezianos, agora 
-quebradai, ug pincéis disperso^, as tintas seccas e desbota- 
das, e por cima apenas algumas raras saudades desfolha- 
das! Vartastapidas, alvejando em torao, mostram guanto 
o affecto dos amigos ou dos parentes desejou perpetuar a 
memoria d'aquellcs que lá repousam. 

E quasí todos mal eslanceavam ainda agora no primeiro- 
limiar da vida 1 E n3o ibes bastou, hèín a energia da moci- 
dade, riem a cliamma flo talento para os robustece e ar- 
mar contra as luclas da morte, antes parece que squeilas- 
. duas forcas, por intensas e violentas, oS consumiram como 
uma febre interiorl 

Desgraçado sexiro dd talento, que; avaro de seas-lrnm- 
phos, os não concede senSo a troco da perda dos alentos- 
da existencial ■ 

E foi esta a historia 'de Soares dè Passos, do Lamáítine 
.portuense; de Coelho Lousada, poeta e romaocieta; de- 
Francisco Bordalo, o éiiígelo narradtír das nossas sSienis- 
maritimas; de Van-Deitefs, estro apagado quando -mal co- 
meçava de fulgir; de Metrass e Monteiro, esperanças da 
nossa Academia de BellaS-Artes; de Harcburt e Copte-B«il, 
TOcacões litterarias-já q reflorir; n'uma' palavra, fot esta a- 
historia de D: José ãè 'Almada, do prosatíter naturalíssimo 
e pensador sincero, em, quem o dogma religioso se 'tornava- 
vivida é constante ihspiràçSolitterarial : ■ 



LITTERATURA 119 

E aqui poderia acrescenlar ainda mais alguns nomes, tam- 
bém já illuslreâ, também sympathicos, também tendo díanle 
de si largas e brilhantes promessas do futuro, e queumà 
sorte, mais cruel talvez que a morte rápida, afastou das le- 
tras sem os afastar da rida! Mais excnirtante martyrio, pa- 
ra quem o comprehènde sobretudo, e quô observa "^aquelles 
esprrítos oolr'ora lúcidos, lâo activos, t9o fulgurantes, re- 
voando nas azas da inspiração pelas espheras infinitas do 
pensamento, e agora apalhicos, indifferentes a tudo e a to- 
dos, tremendo enigma da vida que mal percebemos 'nos seus 
rápidos estragos! 

Mas evitemos este lamentável episodio. A esperança é a 
ultima luz que se apaga no seio das trevas qiie enluctam a 
existência do homem. 

<Não esmoreceu ella ainda de todo no peito da amísade. 
Confiemos' pois na Providencia e respeitemos os seus mys- 
terios. * _. 

A primeira vez que eu vi D. José de Almada foi na Sé 
de Lisboa, n'um^a noite do Natal. Teria elle, quando muito, 
dezesele annos, e eu dezenove. Estavam comigo alguDS ami- 
gos e conversávamos todos acerca da- origem incerta da fun- 
dação da nossa velha tíathedraK 

A medida quer rios espraiávamos em considerações a res- 
peito da antiguidade d'aquélle templo, ora auxiliados, ora 
confundidos pelas meèclaá de estylo architectonico que en- 
xovalham de remendos a severidade vetusta d^^aquellas pa- 
redes, reparei eu que uminancebò trigueiro, de olhos gran- 
des e vivíssimos se prendia singularmente a tudo que di- 
zíamos. Visível tfmidéz? a tolhia porém, e contentava-se de 
ouvir com summa attenção quanto descorriamos. Eu pouca 
lembrança conservei de todo isto, mas D: José de Almada 
sempre me ficou fallando d'este encontro, repetindo-me até 
palavras do que éu dissera da controvertida historia d'a- 

• Reflro-me a Lopes de Mendonça, a Lobato Pires, que a este tempo 
moda existiam, e mi^ Am lastímavel todos deploramos. lambem entra 
n'este numero Fontoura, mancebo talentoso, aquém a luz deraáãòse apa- 
gara e a morte seguiu de perto. 

Vem aqui a lembrança de Faustino Xavier de Novaes, Arnaldo Gama, Go- 
mes Coelho (Júlio. Diniz), Corrêa. Caldeira, Dr. Gaio, que fizeram parte da 
mocidade lilterarfa d'èstes últimos anrios, e que uma sorte cruel affastou 
das leltras e da vida^ eòmo .seiesta fosse uma lei determioadâ Inesj^rAvel- 
laente contra o destino. 4e muij^s d'aqueUç^ de quem nóstçdos tinbamos 
tanto a esperar. 



120 LITTERATURA 

quelle nosso monumento. Depois nunca mais nos vimos, e 
foi só, decorridos muitos annos, que nos encontramos de 
novo, e doesta vez, elle, já auctor da Prophecia, e eu, seu 
apreciador n'um artigo da Reforma. 

Os primeiros annos de D. José de Almada encontra-os o 
leitor descriptos com a sinceridade e lhaneza que formavam 
a essência do seu caracter, em varias das chistosas e sin- 
gelas narrativas a que elle poz o titulo de Contos sem arte. 
É de um destes contos que extraio as seguintes linhas, 
que esboçam, ao mesmo tempo, as alternativas da sua mo- 
cidade e as linhas do seu retrato moral. 

cOra eu não sou (escreve elle) nem philosopho, nem an- 
«tiquario. nem poeta, nem erudito. 

cAs vezes pergunto a mim próprio o que sou, e por mais 
cque martele e torne a martelar, ainda o não pude descobrir. 

cQual é a minha especialidade? como se diz hoje. 

«Tenho tantas, que por fim de contas parece-me que não 
ctenho nenhuma. 

«Como rapaz de escola fui um grande mandrião. 

«Apenas sabia ler bem. 

«Lá disso gostava. 

«Mas acabava ás vezes de ler um capitulo de Carlos Ma- 
€gno, de derramar sentidas e verdadeiras lagrimas com os 
«dissabores da formosa Floripes pelos seus amores com 
«6uy de Borgonha, e esquivava-me depois ao criado, que 
«me levava para a escola. 

«Choviam as palmatoadas depois, mas ninguém podia fa- 
«zer bom de mim. 

«Assim eu comecei creança, muito ledor, pueril e tra- 
«vesso até aos dezoito annos. 

«N'esta edade começou a correr voz e fama de que. eu 
«era idiota, ou quasi. 

«Rebellei-me contra semelhante idéa: começo a arder no 
«amor do estudo, e eis-me nas aulas de grammatica latina 
«e lógica, a fazer um figurão. 

«O meu mestre de rhetorica fez-me n'um exame uma pi- 
«cardia. 
I «Que faço eu? 

» «Vou matricular-me em eloquência e poética, e dou-lhe 

«um quinau na traducção da oração de Cícero pro Archia 
Qipoeta. O homem esteve quasi a pedir a sua demissão por 
«minha causa. 



UrrERATCRA 121 

cPasso ás mathematicas. 

<Dá-iDe outra vez um grande ataque de mandrieira; e se 
cn3o fosse a minha extrema prudência em evitar os exa- 
cmes, sabe Deus o que seria feito dos meus créditos! 

«Depois fíz versos a quantas Marylias, Mareias, Lelias e 
«outras pessoas fabulosas encontrei no meu caminho. 

«Fiz versos seis annos a fio. 

«Veiu um dia (abençoado tu sejas!) em que me resolvi a 
«fazer auto de fé a todas as minhas producções poéticas. 

«É a resolução mais sensata, que tenho posto em pra- 
«tica. 

«Mas sempre a ler muito, e tudo o que se me apreseu- 
«lava: romances, historia, religião, philosophia, tudo. 

«Veiu-me por fim a mania de me metter a escriptor pa- 
«blico. 

«Pranteio o publico, pranteando-me a mim próprio! 

«Porque nem eu, nem elle ganhámos muito com isto. 

«Mas v3o lá tirar-me d'esla mania! 

«Agora já está inveterada, já fez casa, tornou-se vicio; ô 
«impossível arrancal-a.» 

Não era mania, era decidida vocação litteraria, e das mais 
espontâneas, que ainda eu tenho conhecido; e a prova foi 
que D. José de Almada apresentou d*ahi a pouco a Prophe- 
cia, a sua indubitável consag-^ação de poeta dramático. Até 
então, os seus trabalhos litlerarios, ou por timidez, ou por 
modéstia, não haviam ultrapassado a notoriedade do circulo 
de alguns condiscípulos^ que já, todavia, lhes descubriatn 
visos do talento que depois festejaram e applaudiram. 

Por estes tempos publicou-se a folha politica a Nação, 
cujos redactores eram da amisade e das relações partidárias 
da familia de D. José de Almada. João de Lemos e Silva 
Bruschy acabavam de legar honrosas lembranças á Univer- 
sidade de Coimbra, concluindo a sua formatura. O bardo 
inspirado da Lua de Londres fora talvez um dos que mais 
de coração acudiram ás invocações do visconde de Almeida 
Garrett, abrindo com o alaúde bafejado pelas inspirações da 
musa peninsular um novo periodo á nossa poesia lyrica. As 
tradições da velha monarchia, como o respeito das ruínas 
monumentaes do passado, haviam incendido aquellas ima- 
ginações, affigurando-lhe o dogma politico rodeado da au- 
réola dos prestígios inseparáveis da magestade das grande- 
zas abatidas e das saudades dos séculos que não voltam. 



122 LnTERATDRA 

Foi precedido d'esta ordem de impressões, que o man- 
cebo José íttí Almotb, aliiiii ardente e propensa a todos es- 
tes sen lime Cl los e idêas, conheceu João de Lemos. O mesmo 
rói conhecei-o que admíral-n. 

, „Tlo forte se tornou o infiiixo que ò poeta exerceu sobre 
o animo do seu novo .imifín. gue o desviou da tranquilla e 
incuidosa carreira ilus iilvllins, que alô então unicamente 
IriJliara, e Ihe.poz na mão o eslylete' liervado da Némesis 
polilica. Vm brado peta pátria, pampiíleto qué antes mos- 
trava os desejos do que a solidez da doutrina partidária do 
moço escriplor, foi o resultado d'esla iniciação partidária. 
Mas os verdadeiros eCTeitos do trato e contacto cóín os 
homens de letlras do seu partido, não tardaram muito que 
D. José de Álni.ida os não raanlfeslgsse. Duas gnndes forças 
fizeram de D. José de Almada jornalista: as exigências de 
uma vida cortada de incertezas, e o exemplo d'aqueltes que 
eUe tomara por modelo. Os seus estudos tornaram-se sé- 
rios e profundos: applicou-se como o homem que malbara- 
tou o tempo a divagar por atalhos è que depois quer ga- 
nhar com o esforço a larga dianteira que outros lhe leva- 

,\ara jâ no caminho. E venceu-a. O drama a Prophecia apre- 
senla-nos a prova. Não se escrevem papinas d'aquellas sem 
estudo insistente, ,e felicíssima disposição anterior, |)orque 
3i> Prophecia não significa simplesmente uma obra dramati- 

, ca, senão uma controvérsia philosopliica, e tomando por 
thema o que a philosophía reconhece por mais gravo e dif- 
fícil, a excellencia religiosa. 

A historia da Propkecia constituo ura episodio curioso 
da vida de D. José de Almada. Ou por dissabores immere- 

■ eidos, ou por excentricidades próprias, o moço escriplor 
abandonou a casa da sua familia, que era no Campo Gran- 
de, e veiu para Lisboa, trazendo comsigo, por única riqueza 
e esteio do futuro, algumas, moedas de prata na algibeira, e 
o manuscripto da Prophecia debaixo do* braço. Assim, re- 
produzindo em parle a' parábola do pobre do Evangelho, 
se apresentou ao seu amigo Luiz de VáSconceltos, ' com, o 
^idesignio d'este o apresentar aos actores Epiplianio ou Théo- 
dorico, que então dirigiam o thealro de D. Maria !!, cons- 

.tituido em sociedade. Está apresentação, porém, não se 



pôde reqUsar logo. Onj^pcqbo ç^cr^ptor vin^ia jaçpqas acom- 
pdoba^^ -da sua aUqu^eza^ digoa, por certo, pois nascia da 
confiança que é inquestionaveloiente uma das forças virtuaes 
âo.tateaiQ, m^ p^rt^.o^.Quji^Q^ nâo era ella suQiciente. Eii- 
gendradores de dramas fet-vilbavam então cOfiio boje ós no- 
ticiaristas. . . 

O Ibeatrp aioba^va-sô bloqvea^o ppr estes dramaturgps por 
atacado, que desejavam sair da chrysalída do seu anonyino 
ãcíu&ta 4a paciência das j^éas e de alguns sacrifícios dos 
taBpreaario^. 

JNSo aeí. m e^as w^eíl^s sa levantaraníii contra P. José 
.ide Alioada.1 e Ibe fizeram, 9 injuria de o tom^r^ a olbo, ppr 
-ub^ d'es.tes .Cbiatterlqn^ilde; estro qbstinado. , ; . 

Talvez nãoi mas. o 9pu,iiQ das suas circumstancias não lhe 

ipermitliu d^loogâ^j e por isso se apresentou elle próprio 

aos â^rcictor^.da sociedade, e pediu-lhes par^. lhe ouvirem 

ler um dr^ma^ Em ião i)oa hpra o fez^ que a leitura foi e^- 

' calada ^m mU) tconti^uâ. . priqgpio foi mais a condescen- 

dMCia que IhQ.grangci^ii auditprio; ao cabo pQrém dos pri- 

>meii:os actos já .os í\ppUw&o? rebentavapi 4e toií^s ais.boc- 

cas, e por fim os abraços e^.os.^p^v(>^e$» va^ticioaram ao mpço 

.«eriptor ,^ trHJíaplK)- da sua, peça. E tão seguro se afligu- 

íd^ a.todas. a^JRiãlgi.^açqefi este triunapbo, que a sociedade 

do theatro .de D. Maria. II .açriscou-se aos maiores gastos 

.para leivar a drama á sfiew com o rigor histórico <e( des- 

himbramenlo dost esplendores ,d'^9Vi6'(?s éppcas heróicas* E 

o entbuBJaamo no pqb)iQp foi tal que um escriptor d'e$sa 

época mo duvidou, de e^^cv^yj^f; .e^tas palavras^ pO. theatro 

«normal acaba de .despertar do profundo letbacgo ,que por 

«da» nftoo» Ibe entprpeqêjra a.vi^a. O milagre dos sete dor- 

- dSieoteai repetiu-se por noai^s uma vez, etc. . 

.'^•. if .— .-'v ;t^...^.. ..,;• ....,,...-.. .♦. 

.. nO pnodigio fpi a olhos vistos, operou-o o sr. D. .José 
. «de, Almada .e^ten^astre» auctor do drama, que acaba de 
,«jaubír á scç«^a. «o tbicatf o de J). . ílarisj , JK» 

E operou. E não se pôde dizer que oi^eu dranja deyeu 
o/acolb«ae»tpi.aps de^lunílpr^menlos de grfPfliQsp i^^ecta- 
.!calo.que..o.ireftlçAííam..i¥>rque..fqi priqcipalnaeft^e o açsfjm- 
ipto^.ew; Quet a^. religião, se pcepde aos primeiro^, affecto^ da 
/vida, Aijte/aUrabiu^aiiamepsidâdede e^ppcl,9|dQres que tanto 
o applaudiram, e que noiJte$< repefi^as obaoiar^ íP| aiuctor 
. ao pi)03«fOÍoi#Sira'Q,»fi(irQíH' d* a^plsj^p^. .«p>pgav^i (es- 



124 LITTERATimA 

«creveu D. José de Almada, na sua resposta á crítiòa, que 
ajunton, quando imprimiu o drama) e appareci para que me 
«não taxassem de descorlez. 

«Appareci, porque tanto a obra como o auctor eram com- 
«pletamente desconhecidos do publico. 

«O meu pobre nome nenhuns serviços lilterarios o ha- 
«viam feito conhecer. Cumpria apparecer para agradecer, 
«mas agradecer só. 

«Esses braços que se erguiam, e que saudavam o meu 
«trabalho, esse grande poeta (o visconde de Almeida Gar- 
«rett) que eu vi de pé, e como inclinado para a scena a 
<dar-me um mais que benévolo parabém, dominando com 
«a memoria viva da sua larga colheita de louros, ceifados 
«sobre o mesmo campo, que eu então pisava, aquelle au- 
«ditorio respeitável, composto na máxima parte de um 
«grande numero dos primeiros cultores das leltras pátrias, 
«tudo isto apenas o traduzia eu assim: — És moço ainda, 
«1200 queremos que desanimes: a tua obra não 4 perfeita; 
tíopplaudimos os teus esforços: ergue-te que nós te damos 
dUm braço robusto e seguro; continua e veremos se foste ât- 
€gno do favor que te dispensamos. 

«Foi o que entendi. Agora se isto ainda assim é vaidade, 
«confesso que a tive, mas foi sô esta. E d'esta mesma pro- 
«metto corrigir-me, se me mostrarem que o é. 

«O pensamento que me tomou os sentidos e a alma toda 
«foi o lançar as primeiras linhas, se em tanto podesse, que 
«servissem como de planta de um theatro christSo. 

«Mas a Prophecia é só uma obra de fé, e foi assim, co- 
«mo já disse, que o publico a acceitou. 

«O publico viu-a do mesmo modo que eu a escrevi.» 

A imprensa occupou-se largamente d'este primeiro tra- 
balho, Quasi todos os jornaes publicaram juizos críticos. 
Traslado agora para aqui parte do que então escrevi na Re- 
forma, folha politica que se publicava n'aquelle tempo, e 
que eu redigia com o sr. Bispo de Viseu, entSo ainda ape- 
nas o cónego Alves Martins. 

«São tão raras entre nós as producções litterarías de ver- 
«dadeiro merecimento, que o jornalismo tíio poda deixar 
cde saudar a sua apparição, com desculpável euthusiasoio» 
9 sem que se dé por suspeito de mesquinha inve}$, ou de 
«um indifiPerentismo reprehensivei. 

«Na aurora esplendida de um talento kidubitoireli o sr. 



UXTBRATDRA 125 

€D* José de Almada acaba de fazer subir á sceoa, no thea- 
ctro de D. Maria, a Prophecia, drama que exige esta saa- 
cdacão, por que tem direito a ella. A imprensa, prestando 
cbom^agem ao mancebo, que tão auspiciosamente enceta 
ca carreira dramática, deve ufanar-se de ter de registar es- 
cta obra na cbauceliaria das creações perduráveis, por que 
ceiia é, considerada lítteraimente, um elenàento perdurável 
«6 para o seu auctor um diploma authentico que lhe sanc- 
cciona PS foros de homem de letras. 

<A Prophecia é o impulso, e, mais que o impulso, é já 
€0 modelo para a introducção de um novo género na lilte- 
cratara dramática. Procurando nas edades semi-heroicas a 
«acção e personagens, assumindo as proporções grandiosas 
«e solemnQs da scena antiga, a obra do sr. D. José de Al- 
cmada assenta o seu logar entre o drama moderno e a gra- 
cvidade da tragedia clássica, ou é a tragedia em prosa, sem 
.«a immolaçâo do protagonista. JDa tragedia toma a grandeza 
«épica do assumpto, a elevação e heroicidade das paixões, 
«a simplicidade antiga das formas, e do drama recebe a isen- 
«ção do dogmatismo aristotélico e a liberdade de conce- 
«pção e desenvolvimento da idéa capital. É como o élo en- 
«tre o Frei huiz de 6ousa e o Polyeucte de Corneille, na hie- 
crarcbia dramática: é a transição legitima do romântico pa- 
«ra o clássico, participando, por conseguinte, das duas na- 
cturezas. 

cSabjeita aos preceitos lógicos e acceitaveis, que a escola 
«moderna referendou, a sua acção é natural, sem ser com- 
«mum; fácil, sem ser trivial; uníca, sem ser monótona. 

cEsta acção é passada no começo da era christã, no thea- 
«tro mais lamentavelmente celebre de que ainda ha memo- 
«ria nos fastps. da humanidade, e n'uma das épocas mais 
«solemnes e predestinadas, que recorda a historia das na- 
«ções. É debaixo dos muros da cidade, que vergava áob o 
«peso do maior dos crimes, o deicidio, junto da qual acam- 
«pa o maior poder de então, o poder de Roma, onde o 
«drama começa. £ com a conquista de Jerusalém, com a 
«destruição do templo, com a realísação das predicções de 
«Daniel» de Zacharias e de Isaias, que o drama Gnda. 

«Para personagens d'esta acção, o auctor foi buscar o que 
«havia de grande em poderio e prestigio sobre a terra. Em 
«frente de Eleazar, o summo pontifice de Judá, o ancião da 
«antiga lei, o representante do judaísmo, colloca Tito, o ty- 



126 LITTEUA+Ctói * 

apo dá longanimidade reunida a (ódo o esplendor e 6um- 
«ptuosidade do imperid pagão; e^entré afeies- fat^aviilt» dois 
«heroes, ambos chrislSos, trai' joi^eti gaerTfeiro>roteano e um 
«escravo negro; aquelle, pàlrrcio engraíKÍêcido lô poderosa, 
«preffeilo das in vencíveis legiõ&s YomaMs, estimado e- que- 
«rido do Cesár, provando a excellencila da díwlpiíirfdeiJhris- 
Uó, cujas verdades se radicavam já ho coraçSo liJoS' grandes 
«da terra ; este, mesquinho da fortona, ludibrio das iôsti- 
«tuições tyrannicas dos homens, personificando 'á iiumiida- 
«de de um Deus, que deu d'ella o vértladeiro exemplo,'' nas- 
«cendo n'um presépio. 

o Estas três idéas de religiões distinctas^ o christíanfistoo, 
«o judaísmo, o polytheisnio, conrt>alem*se, porfiam» erepel^ 
<flem-se. O amor, porém, symbolisado em Sara, com toda 
«a effusão e intensidade de uma paixão enengii^a, generosa 
«e pura, domina em roda de si, impregna -aquella atiho^ 
«phera do seu suave infliiicé, vibra todas ascordas da alm^, 
«faz 'brotar e palpitar os mesmos afifectos; e as almas assim 
«abaladas por commoç5es idênticas, os corações embrand^ 
«eidos por um sentimento commutó*, rendem se á evidencia 
«elpifluente -e sublime d'essa rèirgíão, ique, -toda eápiritualis- 
«mo, resignação, exemplo e heroicidade supplànta b paga- 
«nismo material e exterior; qbe toda verdade, revelaçSo e 
«prodígios dissipa até a própria cegueira do chefe das sy- 
«nagogasl 

«Eis o pensamento predominante do aoctor: o Iriaiôpho 
«do christianismo. 

«Esta idéa, arrojadamente philosophica, desenvolvera- eite 
«e dramatisa-a com a consciência ç 'confiança do talento, e 
«com a fé viva e fogo de eníhusiasmo de uma crença prto- 
«funda. Os sentimentos* e afifectos slo apenas, como os meios 
«empregados n^este vasto e ítiageíílóso edifieiD;'em cttja ea- 
'«pula se ergue por fim ò symbola eterno da redempçlo. 

«Um tal plano era agigantado. Sublime de stía-toloreía, 
«tiníha de ser tratado na esphera própria para nada pender 
«do seu vivido esplendor. Todavia, o sr. D. José de Altíia- 
«da, compulsando-se cons-ciencío^anrtente, achon a ^empreza 
«digna dos seus esforços, e o resultado prova, cdmo diz La- 
«ihartine, que o talento suppre muitas veies oonu uma das 
«suas mais excellentes faculdades, ò instincto das grandes 
«conveniências, o que nem o tempo dá nem oprbpHo eSluido 
«concede. 



UTTERATUBA 1^7 

«Cheguemo-nos mais á questão. 

«A Prophecia encerra bellezas, mas 030 é isenia de de- 
«feitos. O seu auctor sabe-o melhor que ninguém, je nós re- 
«baixariamos a linguagem da verdade, se a entremeássemos 
«de lisonja tão banal. Tratado quasi sempre na esphera phi- 
«losophica, o drama é bem delineado; os seus caracteres 
«principaes acham-se tragados com vigor e sustentados com 
«naturalidade; a sua acção desenvolve sentimentos magna- 
«nimos, affeclos nobres, expansões sublimes e espontâneas. 
«Mas n'estas luctas tremendas da ternura e do amor coná 
«os diversos princípios religiosos, que se guerreiam e anní- 
«quillam; n'estes trances afflictivos, que o capricho da in- 
«dole dramática cria, como para experimentar toda â per- 
«severança das crenças de CJeto e Sara, a rasão resplande- 
«ce sempre atravez dos sinistros bulcões, que a paixSo ag- 
«glomera nos horisontes da existência moral dos dois aman- 
«tes, e a cabeça regç constantemente o coração. 

«O amor, na Prophecia, é sempre dominado, ou modifi' 
«cado pela crença religiosa. Sem perder nada do arrojo de 
«seus Ímpetos, o embate da diversidade das religiões, dé- 
«purando-o, mais tende a sublimal-o, fazendo-o por vezes 
«tocar.as raias da heroicidade. É éó pela evidencia dos pro- 
«dígios, posto que esclarecidos pelo sentimento sublime que 
«Cleto inspirara á filha do pontífice de Judá, que elle rece- 
«be as aguas do baptismo; e da mesma sorte é quando esta 
«se acha purificada pela conversão, que o esforçado prefeito 
«lhe dá o nome de esposa. O próprio affecio paternal de 
«Eleazar não se desvaira em presença do heroísmo dos doís 
«amantes, e só depois de presenciar o complemento de to- 
«das as prophecias. é que, prostrado, por terra, adora no 
«Martyr do Golgolha o Promettido das nações.» 

Não seguirei mais avante, porque estas linhas bastam pa- 
ra dar idéa do drama. O modo porque foi recebido, collò- 
cou a D. José de Almada n'uma posição litteraria de pri- 
meira ordem O jornal a Nação e o CathoHco offereceram- 
Ihe logo o logar de redactor. D. José de Almada acceitou 
effeclivan^ente parte na collaboração doestes periódicos; mas 
a sua índole litteraria, as aspirações do seu espirito, os seus 
estudos de predilecção, não o levavam para a carreira po- 
litica: ò seu desejo era proseguir em trabalhos exclusiva- 
mente litterarios; e sobre tudo o triunipho que lhe obtive- 
ra dí Prophecia incitava-o a realisar o vasto plano que coní- 



12& LITTERATURA 

cebeu de escrever uma serie de dramas sacros, que redu- 
zissem a quadros as differentes phases porque, no decorrer 
das sociedades antigas e modernas, passaram as differentes 
luctas religiosos, personificando estas nos maiores vultos da 
egreja grega e latina. O drama Santo Agostinho, escripto em 
doze dias, foi o primeiro fructo doesta larga concepção. Pena 
foi que o auclor o não publicasse, e que os estorvos da cen- 
sura dramática lhe vedassem a representação. Talvez ainda 
veja a luz da imprensa, e com elle sairão decerto os diver- 
sos pareceres dos censores, e será para esse momento o 
julgarmos quem teve rasão, se a censura dramática, com a 
sua austeridade, se D. José de Almada, em não querer mu- 
tilar o drama. 

Depois d'esta época, D. José de Almada escreveu constan- 
temente. Os jornaes a que se havia ligado roubavam-lhe as 
melhores horas do trabalho, porém tudo o que podia tirar 
a estes momentos o applicava a escriptos mais de sua fei- 
ção; e foi doestas horas, assim aproveitadas, que vimos sair 
o Casamento sipgular, a Associação na familia, a Meia do 
saloio, o Jantar amargurado, o Artista, as Ambições de um 
eleitor, comedias que foram representadas no theatro do 
Gymnasio ; Vamos para Carriche, que fez epocha no thea- 
tro das Variedades; a Lição, o Boa lingiia que ultimamente 
vimos no theatro normal, producções de diversos géneros 
dramáticos e intuitos philosophicos, porque o talento de 
D. José de Almada offerecia a mais admirável combinação 
de qualidades serias e galhofeiras. A par, por exemplo, do 
Jantar amargurado, episodio cómico de immenso chiste, 
encontramos logo a Associação na familia, melancholico 
quadro, onde o espectador encontra uma eloquente lição dada 
pelo amor do trabalho, a que serve de laço o affecto da fa- 
milia ; e se nos voltarmos para outro lado, vemos ainda D. 
José de Almada a escrever o Orador sagrado, magnifica 
collecção de sermões que abrange, e trata as mais difliceis 
theses da historia da fé christã. E depois ainda o encontrámos 
a preparar-se para o Curso Superior deLettras, e simultanea- 
mente a escrever romances, como o Mestre de Aviz e ou- 
tros folhetins que assignava com o pseudonymo Victor, no 
Jornal do Porto, bem como infinitos artigos que todos os 
dias appareciam nas folhas litterarias, que solhcitavam a sua 
penna, e por fim de tudo os Contos sem arte, singela collec- 
ção de narrativas, que a morte lhe veiu interromper, e que 



ufnouTDiu i7$ 

6lo um modelo de simplkidadjd. Depois d& Garrett ainãa 
n3o vimos em portuguez feições mate uos3ii$, e mais sincero 
6 earaclefistiico respirar em figuras trazitlasao livro. 

Esles coolos resamem principaimente o iiiléresse de apro^ 
voitatem muitos accidentes da Ytda do auctor; porque, já em 
referencias, já àté em successos e personalidades •reprodu- 
zem vários dos episódios da mocidade de Dv Josóíde Almada. 
mí^SèbasiiamstQ (escrevo eu no proemío.qtie fis^o livro) 
i«la4ou-nos elle. as inclinações o desvarios da sua infância ; 
iid D'esks ha poucos apresenta^nos o quadro áo seo viver 
reciuso :e< tristonho; no Anionm Lopes e JUaria, Agostinho^ 
uiQ dbs .apuros da sua vida de estudanto;: na 7í<i Carriça 
alardeia os seus protestos de fé politica ; no José da Costa 
mostra^nos o culta que professa .a muitas iqslituicOeg» das 
qoaes o camartello revolosionario: demoliu bastantes que 
aão devera.» 

•^'.Em^D; José de Almada encontram-so dois escriptores: 
MS» inspirado pelo taIdJito:; outro» influído pelo caracter; e 
entre estes dois vae a distancia que medêa da penna grave 
^(iie aprofunda as questões religiosas» á penna aombe(Qira 
qoe bosqueja os perfis dos nossos iypos populares. E é por 
isto que um disserto críticOinosaiO' o deâniaas^im: Uma 
altua de í^niança com a raslo de um pbilosoptiQ e a eievaçSo 
de um poeta. 

Os limites doestas duas nature&as Mtterari^s,. resumidas 
Q:ttm só; homem, encontradas o leitor na Pro^/^c^^. pos 
Contos sem.artà, isto é n^Amaobra da vasta concepçáo phÊ^r 
losophica, e numa galeria de quadeos de costumes inspir 
radas pela musa galhofeira da cemadia social. N^aquelie esiá 
opsnsador, o philosopbo du cèristlanismo, appeta das cren- 
ças da inEancia; atestes expânde^^se: o génio tlp^maqcebo» ro- 
trata-de o estudante, partieularisa«sa o individito. 

Não sei se me.quarem admittir ^críptos em qi}e o auetor 
peítôa^ e outras em ^tfe não pensa s iõ^^s^t^ ^.^ Eu ifw 
sisto lem ^ue os ba, o: aliontoia D. josò de Almadiicomo 
exemplo de uma e outra c^sa» Ha <esciptoa que* $ão p.tra* 
baibo da nossa scíeucia, a das faculdades mais, solidas da 
90^st ra^o» e ha eiscriptosemque d^j&amos corror á rédea 
solta os de<vaneios da imaginaçáOf É o'estes. ultima onde se 
POtnata o fundo 'moral doescriptor. As Vi^g^ ^a. minha 
UnOf de visconde d)S' Almeida (iUuH^^tt» signiQcaoi este go* 
oero e mostra. besi« 4 possHMidadc^ida isubslstir o awtor 

lOMO I 9 



tal 

ée um littov como aquelle, oo mesmo corpo e no mesod^ 
pensamento' do aoelor do CanOe». 

Porém, em D. José de Almada a differença era profania. 
Quem, por exemplo, ler o Ben drama Sêmía Agostinho^ as 
0tía$ /ipM» do pbiloeopbía^ transcendente, as suas* calecheses^ 
AOS jornaes o Caibotíco e o Seeuto XlX^h» de presmnir ^e 
elle era uta pensador sorumbático, caracter anstero, geiriO' 
risifíMo, sempre engolphado nas cogitações profundas de ensh 
ranhadas Iheses de metaphysica theoíogica, e n9oera>assim. 
Tiído fsio se passava apenas na sua cabeça.. D. José de AU 
mada era um rapaz folgasOo» e que passava* a nraté as- 
maiofes amarguras da sua exislenca; e entre a preducçio 
das^uas obnas mais gravQsei as propensSes d^aquella índole 
galbofeir» dffisrecem^se até conlrastes excessivamente eorni^ 
eos. Por exemplo: ^a quaai semipre doliaito ^ algam ca^ 
ramanchSo do jardim de Carriche que elle compunha e es*^ 
previa os seus melhores sermões. E que sermões?! OsMr* 
mões (fue fizeram a reputaçdo de muitos bons pregadoma 
de Lisboa. 

: Eh» quasi sempre com tirças ou comedias para o Gjmh 

liasio, é Roa dos Condes que pagsfva as casas. Pqroee qu^ 

esta ciromnstáncía de um homem tenpor força ide residir 

n'om qnarto, e este quarto ter de ser pago sem haver«dik 

nheiro para isso, o deveria preoccupar e até entriaiecer*. 

e tal aSo acohteeia. fira quando elle senila mais vMÍads de 

galhofar, e lontade de ejaculaçlo t3o natural que produaío 

ftrças como as Ambíçiões denm deitar, ú o Jantar amairgu^ 

rúdó, diíetosas cotnpÂi^sfções que lliztam rir as mossas pkitéa» 

ás bandeiras despr^adas^ fi mk Contem «rm arte\, e%s^ es^* 

pairecidia coHecçSo de esboços populoires, desenhados com 

a graç4i de «m Nieolau Tolentino, como nasceram elles? 

D. José vk^se n'um dos seus flreqoenles apuros, e de mie 

^ Ée ba de leníbrar? De escreif«r «im trvrp, expediente qao 

^ era o se» erário. Mas o assumpto? Hfkjiefa preciso asstim^ 

l pto. Olfcoo em roda de 'si, recordu^u^se de alguns relan^!^ 

^ da suaf vid^ intima, e^ o th ro ^idioií-isie feita. 

( Parece mate natural qoe, n^urnra cnnfoncturaufflidtiva, á^ 

l teria antes^ encaminber^ee a >iiMgiffa!;lo do poeta a idear por 

ahi um drama, ou uma tragedia, ^srui^Ma « sangumaría» tran 

gedia, é termos A rèpp(id«idç9«y de ouir» Obalterton ntis 

higubre dos que- tem piíedbiMouaeí' exbsperos do ^omant^ 

dsm<^ exaltado. Mas^^iâda. Slfr Dg losi de^iMtlnda as cri* 



ses operavam de optra â«r<e. Sahiase d^Uas fei^pre a wmr 
har^ A sorte attríbulav^-o com r^^^s&es insistentes, e eile 
fazi,a á sorte a pirraça c|e nSo^ deer dos seus insultos. Até 
D'isto se conbece a magni$k:a ali^a daquelle bom rapaz qw 
nw> tinha azedume^ neia contra o seu destino cruel. 

Todavia» nos últimos teo^pos. da sua e^^istençia, Quandoi 
vieram os padecimentos physicos juntar-se aos desgostos wh 
raes, e todos em) ferina conjuração o saltearam, então a4]uellíS 
grande animo, q^ tanta conformidade havia sempre ivos- 
trado na adversidade, sentíq-se vergar. No entanto, no Jor^ 
ml do PoríQ appareceram folbetins. assignados com o pseu-< 
dooymo FeWor, jque enculcavam ainda os vestígios da anti* 
ga alegria. Pois os derradeiros foram já escriptos com « 
laz dos olhos a fugir-lhe, e para sempre, e a cabeça a es^ 
vair-se, e a pender-lhe sobre o peitot E comtudo, aquelle 
espirito superior, que com tanta paciência e resignação sup* 
portava ts eonlrariedades da sua at^ribqlada existência, re^f iu 
contra esta eiiteoaação de forças. Afflrmam que Henriquf 
Heine, jk parAlylico e c^» ainda nos exlremits dias da vid« 
dictava sitypcfs cwtra vários poetas allem&es. Porém, e^^ 
ei^ergia intellectual, que até á uliima se debatia e aprovei*^ 
tava os expirantes alentos para fulgurar, conu) ainda lampe^ 
jam os denriadeiros rejkimpagos da trovoada que vae tonge, 
pode bem explicar-se por uma exacerbação do espirito oq 
irritação febril; e, em todo o oaso^ é um estado anornal. 
Mas, em D. José de Almada, o talento cDOservoy*gíe-lbe sen)? 
pre inalterável. Não era irritação ou exaceiba^ão, ara apti- 
dão e espontaneidade. Dias antes de expirar escrevia elle, 
não satyras, esse triste desabafo dos e.<>^piritos irriquietos e 
invejosos, porém escriptos inoffensivos e de valia litleraria, 
como, por exemplo, o JUe^tre de Aviz, romance histórico; os 
Contos sem arte; folhetins para o Jornal do Porto; lições 
de philosophia que recilava no Curso; e vários sermões avul- 
sos. 

Porfjm não pôde mais, e já era milagre tanto poder. 

A exuberância d'esta vida intellectual abateu-lhe as for- 
ças. O corpo é fraco para tamanhas luctas do espirito, e os 
desgostos vieram ainda exacerbar estas grandes excitações, 
aggravando-lhe a enfermidade que o matou. O sentimento 
profundo de que lhe haviam feito uma injustiça, não deci- 
dindo francamente o concurso a que elle fora opposilor. para 
uma cadeira do Curso Superior de Lettras, «^ttribulára-o 



1% liMBRATiniA 

de profundâB magoas. Elle desTorroa-se' aresta MJdàtíçá; er- 
gtiendo-se eomo se ergliem os homens áé talebto seguros 
do' terreno qae pizam. O curso gratuito què deo nas pró- 
prias salas da Academia, mostroa ben que elle seria dentro 
em pouco um ornamento dò nosso magistério. Methodo, 
clbreza, doutrina, lucidez na exposição, palavfafluetite, cbn- 
cisaf e correcta, todos estes dotes essenciaes que qualiBcam 
o engenho didáctico, elle os possuia condo poucos. 
-Más aQnal não poude maisl Succumbiu, termo lastitaa- 
yel-de quasi todos os homens de grande força de vida, do 
espírito e do coração 1 Os revezes da adtersidade tãú são 
síbiples infortúnios para estas orgánisaçOes superRnas, mas 
feridas profundas, que em breves dias destroem a existen* 
ciar.' 



- ( • 



^ Hoje, o desconhecido que deseje desfolhar algumas sau- 
dades sobre o derradeiro logar onde repousaim as -cinzas do 
desditoso mancebo, entre no cemitério do Alto' de S. João. 
Eincima de algumas pedras irustíeors, á maneira de mc^nu- 
mento celta, hastea-se umi cruz tosca: na cavidade que for- 
ma: esta espécie de iappa> Vé*^ encravado um athaude : ao 
lado está inclinada umâí harpa, 6 em cima uma coroa de 
perpetuas. 

' í âhi o logar onde descansa o cadáver de D. José de Al- 
mada, o poeta christão. 

* Setanbro— 186t. 






I 



jOAQimc emiMEsaa ookEES coelho 



o Paraíso Perdido e as PupUlas dç,^. iki/or.— Addiçon decretado á Uv- 
glaterra o seu primeiro poema. — O sr. Aleiandre HerculaDO e a ai^cto- 
ridade de um grande nome. — O romance de costumes populares è vá- 
rios moralistas' affemães, inglezes e fHinceses.— As PupiUas e os %us 
perd<mi^eiiB.*^AnalyBe â'68te livra-^ Os estados e as natoraea ineiiiia- 
çdf994Piti^tor. 



O modo. pof que foi apreciado entre nós o livro das Pur 
pillas dasr. Reitor recorda o succedído em Inglaterra com 
b Paraíso Perdido. Foi já cego, e do seio das amarguras 
de um retiro obscuro, onde vivia ignorado e pobre, que Milr 
ton offereceu á publicidade o seu poeína, cuja idéa funda- 
mental lhe despertara uma viagem em Itália. O grande poeta 
só encqntroq um editor,, que Ibe deu apenas trinta libras es- 
terlinas' pel^ sua obra, e o publico acolbeua desfavoravel- 
jnente. .^|iltoD falieceu, passados tempos, levando de certo 
comsigo paraa sepultura a triste idéa do pouco apreço dado 
a uma producçl^o tão laboriosa e largamente concebida* 

Decorreram, porém, Vinte annos, e um famoso artigo no 
JSpectateur, escripto ppr Addison, proclamou á nação ingleza 
o grande geóiQ dó cantor do Paraiso Perdido .e a maravilha 
d'aquella obça^ Àddison era critico eminente e homem de 
estado distinctp, duas grandes forças que não podiam dei- 
MV áe influir, no animo do povo inglez. E influíram, porr 
que foi então que a Inglaterra acreditou, que Milton era um 
.prodigioso taleptp poético',, e o Paraiso Perdido um poema 
notável. 

Até abi não tinha dado por tal. Necessitou que a voz de 
nm litterato illu^tre, ou antes a autoridade de um ministro 



134 UTTBRATDBA 

de estado lhe explicasse e exaltasse aquelle merecimento, 
para depois o comprehender e se ulanar com elle. De sorte 
que se pôde bem afBrmar, que a celebridade do Paraíso 
Perdido, não foi acceita, mas decretada. 

Triste sina do poeta, cuja obra seria sepultada e esque- 
cida com elle, se não viesse uma grande competência criti- 
ca bradar ás turbas: — Admirae este monumento litterariol 
Orgulhae-vos com elle, povo inglez, que será o vosso poe- 
ma immortat, e uma das nossas gloríAS oaciDnaest 

Triste sina do poetai 

E todavia, foi preciso isto! 

Verdade é que depois do artigo de Addison, a Inglaterra 
ficou acreditando que tinha um gi^ande poema, e que Milton 
loerecía as coroas da posteridade. 

Abençoada Inglaterra! 

Com as Pupillas do «r. Reitor tivemos qoasi um caso aná- 
logo. Se nao é um grande volo, que todos bós rdspeitaiQOs, 
o livro jazeria talvez ainda por abi nas estrêâs da primeira 
edição t 

Narremos o caso áquelles que o ignoram. 

O romance fora publicado, em folhetins^ n'om periódico 
do Porto. Fosse péla sua inserção ser assim interrompida, 
o que afTrouxa o interesse da obra é desvia a attençSo do 
leitor, OQ porque actualmente a indifferença etn coisas litte^ 
rarias carece de ser combatida por fortes impulsos, o certo 
è que a noticia das Pupillas nlo chegou á capital, e pense 
atè qúe no Porto nSo impressionou notavelmente o publico. 

Depois, o romance passou do jornal para o livro; porètti 
a nova forma bibliographica continuou a deixâfl o vivera vi- 
da modesta de até então. * 

Não conheço o génio do auctor, mas por mais faamilde 
juizo que este faça de suas forças litterarias, níão podia dei- 
xar de se sentir d'esta frieza, e foi de certo tal resentimei^ 
to que lhe suggeriu o nobre e ao mesmo tempo Mh desfor- 
ço, que foi procurar no valor e eminência d'um grande vo- 
to toda a importância que poderá ter a opiniSo de um pu- 
lt>lico inteiro. O romance foi dedicado e remettrdo ao sr. Ale- 
xandre Herculano. O illostre escríptor, decerto tocado d*a- 
quella singeleza de forma que é como o invólucro crystali- 



* Note-se que este artigo foi eecripto em 1868, quando Gomes Coelho 
ainda existia. 



no da tn»Df linde scíeiícia d« obsenraCSo^ iM^ com 4aiba- 
«íMino e esse enUiusiasnu» Iranspirott o&fãra cmi a.coioper 
leocia 8 auetoffidade que poesuem sdtnpre abvitares taet4 J^ 
repaU(^ do livro floou feiUK « o sr. JuJío Dioie^ ou aDte$ 
Joaqdiíb Guilherme Gmoes Goelbo» pòrtjpie asano «e ckama 
o mancebo leêerípitar, lentíu^se viiigado, porque ao, g|aci2d 
«aqaecimento que pareeía esperar a obra^ seguiram-se (toaa 
«ediíçQes» hoje quasi exhaualas. 

Aqui temes pois a historia do Paraíso Perdiéo^ de algusi 
«odo repetida entre dós. Masi» sobre lodo» com a ífoportaalie 
4liflereDça« de que Miltoo foí> para á cova com a aogoslioâf 
cofyvícçSlo de que o seu poeoia havia perecido antes (l'elto« 
6 o auctor das Pupillas do sr. Reitor teve occaaiio de se 
ooBvebcer que a timidez do pseadonymo qoe adoplára fôra 
omaiínjostiça feita ao deeernimealo e bom gosto dos Jaitot 

Mas, dir-nos-hlo, porque se nSo revieiou esse deeeroi^ 
mento e bom gosto logo que o itvro appareoeu, e.se toriuni 
neoBSsario que o sr. Alexandre Herculano nos dissesse que 
tia^ia alli um bom livro, para o lermos e festejarmos? 

A rasio explicasse com o estado moral da época que atra* 
vessamos. A curiosidade dos leitores» hoje, procura assuna*» 
ptos extnaordinark)s, inculcados por títulos espectaculosos^ 
« recua desalentada diante de qualquer historia que lhe pa^ 
roça loBga, ou suspeite não possuir o attractivo das coisas 
imprevistas. Essa triste enfermidade das; civilisações adiaa* 
tadas também já nos contamínon. Não logramos atada to^ 
dos os regalos da industria moderna, mas soffremos já dos 
seus resaUados moraes. Ainda ha meia dúzia de aanos abrir 
mos os olhos para essas estupendas maravilhas do engenho 
industrial de nossos dias, e já sentimos entorpecereiB-se^no» 
aulhcnldades para a apreciação dos prodactos mais delícar 
dos do espirito e da imaginação. Attrae*nos só a liiteratara 
de cartaz, a litteratura dos rótulos ingentes, dos, prologou 
charlatanicos; não temos paladar para a comida si e digasr 
Uva dos assumptos chios e comesiahos. Pais os olhos que 
calão habituados a arregalarem-se em .presença d'estes titur 
los estapafúrdios: — lUstorin de cento e trinta muikerM; Ú 
Ikra^ vermelho; O anno deSOÕQ; MU ê um fatOasmaê: 
9dm funambulescas; Nò gordio; ús segredas do iiab0i fMi^ 
àeaa lá sequer enxergar o singelissimo título c^o eseriptor 
portuense, Pupillas do sr. Reitor^ Chromca da Aldeia fi 



* Aldeia f . . . ' Aldeia cbamam os^ .nossos cas<imlbos «a Lisboa^ 
emaís é a<oapílaI do neioo, e qae» pela importaBcia do seo 
porto, situacio geographiea, vasta ir^ formosíssimos as* 
pectos, ' figura como sexta ou seltiina oidaáe do mundo. Ora^ 
se eltes cbmiam «<ioleía: a Lisboa,- como haviam de lobrigar 
a pobre ald«ip minbola do bom do José dqs Dornas, enera» 
víki^ nos stems que -a cimait^m, volver para elia os seas 
olhos espirituaes, e vêr o que por lá se passa, ainda mes» 
mo q«ieosaribass)em dos^binbootos, qoe usam nos theat^os, 
Ota da Isnela^ que completa a skia picaresca elegância nas 
praças e salQes? Para elles, q mesquinha aldeia nSo era de 
certo senSo um ponto indistincto 00 mappa das suas dtver* 
89es intellectuaes* 

O sr. Qomes Coelho teVe a culpa do pouco eiito do seo 
livro, no cotadéçou As PupiUaíí foram publicadas, sem > om 
nome que lhes auctorisasse a entrada n'este vastíssimo. sa* 
ISo chamado mundo- literário. Foi um erro. O sr. Golnes 
Ooelho sabe^qoeas pessoas mais qualificadas carecem de 
apresentante e mestre de ceremonias^ para serem admttti-* 
das ao trato da boa -sociedade. Se até' os próprios embaixa* 
dores, e -mais sSo- acreditados por credenciaes junto dos 
s^ranos que os esperam, se fazem annoncíar por arrotos, 
6 as mais Impertigadafe personagens qne inventou a. etiqueta 
palaciana, .lhes abrem pi^ça e proclam;)m a entrada! 

Ora se isto acontece com embaixadores, indivíduos essen-* 
ctalmente espectaculòsos, que resumem na paspalhice da soa 
individualidade todas as byperboles da apresentação, como 
querem que não seja preciso annuneio estrondoso a um au* 
ctor que-pehi primeira vez se apresenta aos leitores, ea lei- 
tores d'esties temposi de agorpt, que ou chegaram de vér o 
Leotarâ, o celebre voador, ou que partem a admirar o Blon- 
din, o ftNvambuio qne atravessa em corda snspén^ lO .Nia* 
gira, emfim leitores f cujo espirito anda cheio de coueas^s* 
pantosas, e que Mo teem tempo, nem resignação, tpara se 
occupareín de«hronicas de aldeia?- 

O sr. 6omes>€eeUio foi o primeiro que desconfiou de si^ 
porque se' occultoci por- detraz de .um pseudonynioj, e'.am 
pseudonymo em llttenaiura torresponde a um doqu&õ 00 
carnaval. Ouè uma ^írmça feita á curiosidade das visMs ia* 
dagadoras, ^ou rèoeio<levseraik)S conhecidos. No sr. GobUô 
Coelho foi f)ouoo valor.* Desconfiou, de si, e do seu traba^ 
lho, e não teve audácia para irrostak* com os efifeitos re- 



1S7 

«QltaotaB da publicidade. Vào fez bem. O pseiidonjrmo iarto 
fiMtaodo. Tire d^aqui uma líçao» e» para a outra vet exUiba 
bem ilor exlenso o seu nome, visto que agora já é conbeâ- 
do, e> eom o oormimâo maia grando que houver nas lypogra- 
phiagi 

. B\eeatesae tempo possuir alguns titules litterarios, soien* 
.tiâeoa/Ou.poliiicoa^ eslampeoâ a lodos por inteiro. Diga*«e 
commendador doesta e d'M}oelia ordem» eoneelheiro, aocie 
4e muitas academias e institutos scieotíricos, porque depois 
bastam os commendadores, os cooselheiros, e oâsodoa das 
acaidemias seus collegas, para lhe apregoarem o mérito e for» 
marem um graode numero de. leitores, 

Esiles sio os segredos da publicidade, e tambefn de ai* 
gnma« reputações que por abt vemos. Gu»ta a crer que ha»> 
jatti escapado >á Sna. perspicácia aQaly4ica do auctor das Puf 
fitVdi».. Não. escaparam, de eerto.Mas a natural tinaidez de 
um talento que participa por força de uma grande modes* 
Ua de earacter, aconselhou-o a relrahir-se, quando mais cod* 
vinha appacecer. F<eiizmenle« a falia foi corregidat : Houvis 
um; braço poderoso que tocou com vara magica no Uvro^ e 
08. leitores e^elareddos, ou, aquelies que apenas lêem por 
habite* mas que. todos sabem que da bocca do nosso pri- 
meiro «bisionador nao saem panegyricos banaes, aecudiram 
ao brado,: a o romance do sr.. Gomes Coelho foi procurado 
oom s^vioroço e lido com satisfação. 

Mas. qual. é o mérito doeste livro? 
. ¥oa explícalro 4X)jatbrme o enteodo. 

• fla bastantes annos escrevia eu, i^ núnba liemorfa offe* 
recida á: Academia. da3Soiencias, que seria benemérito das 
Jetttfts todo .0. escriptoc :empenhado oa proveitosa tanôfa\die 
eolligir, podasse reino^ as I^ndas^e tradições populares, para 
depois^ ajustadas em episódios. ou encadeadas como parte 
ekordatiFa,. servirem á. pequenos. nomauees de fazer realçar 
a physiwomia e índole da nossa geouina poesia nacional. • 
I ..A perspica^a de algqins. romancistas portuenses tinha já 
adiviDbad/9i jazeste rano^ litterario um rico minério, cujos, veios 
abqDdâ0tÍ9&imos podísriam ser explorados com acceitação, e 
atóôiMe^reeimenlo por .todos os que. desejam vér a nossa lit*" 
ti$ratilra,isem si liga nem fezes de influencias estranhas, i 
tím^eêcurèh da tão mallogrado. escritor Coelho LouMda* 
morlei m florescência da vida.iei da taieoto» desdobua im 
dr'estes. quadros em que as .çren^s e abusões , da creduiida- 



» 



1 

■ 



136 

<de vêem tdâr ^qia e Mcfio a oôf ag^règadé 4e^^6fito • ttgi^* 
láâàs dentro 4es liMífes de oitia épooai dêteminadaj QÍw 
yenàifoi im bom estreado engenho nâo poder medrar m» 
militei <}(ie nos protnetMa f Arco de SãM^Anmi^ do ti9coii<- 
de de Almeida Garrett, e Um anno na corte, do sr. Andi^ 
ite Ck)rvo, e tm^bem- as^iwveHae iniilotadas Um fiMim ha 
ttmmnnos e À uUifia doáa de Sa^n Ntcnlau, do sr. Arnaldo 
GaiBa, de egaal sorte se aprorevtam doestas floções e iad^ 
vidhisúdades, como vierdadeíros elementos qoe tanto cons^- 
goem imprimir eunbo portugiiez n^estes Inabalhos éa íbm^ 
^MiaQ^v : Na Sruxa do Monte Córdova evoca o sr . Gaflittlo 
Gastelio Branco, com mão de mestre, algumas doestas enCi^ 
dades, que as recordações da infância tanto nos podieam. 
Porém, As PupiUas d&sr. Reitor vieram agord- traçar mais 
largamente um d'esses quadros, donde, como flotes siltw^ 
(res naeoidaâ de entre os silvados das ai|]eias, «irde» o$ 
eoi^ames» as figuras, as usanças e os enflorados aspedtos 
da vida dos campos. É este decerto o tbeairo matd adequa*- 
do^ para o desafogo da larga veia da tradição popular. Àtn^ 
da^ entre nós, ninguém liavia aooeitado o geriero t3o áber^* 
tameute, como agora o sr. Gomes Coelho. Na Siiisea alle<» 
mfi sSo abundantes estas tentativas. Na veRia Allemaiiha mui*' 
tos tèem sido os romancistas e poetas empenhados ém coa** 
sagrar, em seus escriptos, os costumes e o viver intimo doa 
camponezes. Pestallozzi é um pintor escrupuloso da ^vidla oam<* 
pestre. Na mesma época em que Vos escrevia Luii^a, com- 
punha elle a soa graciosa novella de Uenhardt e Getrudes^ 
que reproduz, com verdadeiro attraclivo, as alegrias e lua- 
goas ds existência rústica, e prega bem suavemente afs Misdo 
trabalho e os poros e santos didames do lar. Johg SMKtíg^ 
\ o mystico e brando detaneador, que tanto subttlisa a seiva 

verdadeiramente campeia de seus primeiros trabaHioa, 't 
tauibem K^bel, e mais ImmermanD, José Rank, Bei^thotdo 
Âcixerbach, Leopoldo Rompert^ e por fim Jeremias OoMhelf, 
ou aotes Alberto Bitzius, porque Jeremias Gotlbelf è um 
p^etrdonymo, completam esta collecçSo de ebgentHis preoio» 
sisstmoe* peto amor desinteressado oom qtie se voiáikiápiá» 
tora dos costumes dos aldeões aliemSes, ao estudo paciente 
dos seus bons e mins instinctosi e sobre tudo peid desejd 
de thes éer útil, desefo ardefile de tbes revolver ^ coraoli 
e ftzer iabi fructificar os germens sagrados de uma A mbral 
Ettt França, este exeaòrplo encontrou tateatos kttlladdres, 



^=Ld 



mas talentos^ apeBas. Gom rarâs excepções» a loovavel aina^ 
iação nio pfodíluim mais do que obras aptificíaes. As sceoa$ 
de Berri, de iorge Sand» são em si thi»sooro» de verdade 4 
poMÍa, mas eontrafeilos pela affectaçBo do artista. Niolra^ 
lo das Composições de Lanurtine, aflècluosas, lyricas»- po* 
rém as mais laisas que lem imaginada a chamada insfHraçIo 
popular. 

Já assim Q3e è a Inglaterra; essa apresenta-nos formosos 
e oaturaiisstfBos modelos. Uma das melhores provi netas da 
poesia ini^leza, e de certo iim dos ^eus deminios mais ca* 
rMlerisÉieos» é a* variada galeria de vigários e rekores, deo* 
tre os qnaes sobresae a physionomia maliciosamente attra^ 
dvva do vigário de Wakefield. Thompson, Penrose e William 
Gowper ligam^^so estreitamente a esita familia de qae Golds* 
mith traçou o ideal. 

▲ nossa litteratupa também possue duas doestas apreciá- 
veis personifieai^õe» no padre FroilSo, do Alf(igemÊ\ e nO 
presbytero do Pãroeko dê Aldeia; de sr. Alexandre Hercu* 
ianno. Betralam bem do natoral os puros; e bondosos aspe* 
elos dos vettfos tempos, qoe fi nio voltam. Bem raros sSo 
hoje até os itiodètos; ou, se existem, falleoem-lhes os poe^- 
tas para os eneafrecerem ; e, se nio fa^lecem» úofnprazem» 
86' em alterar, oovd intenção insidiosa, a pureza d^aquellas 
venerandas flguras palriarebaes, iniroduzindo-lhes na bima 
cândida as torbolencias e irritações do espirito moderno. 
Slo antes obras de artisitas:, qoe n2o compõem para o povo, 
mas qoe, aproveitando do povo os costumes, os effeitos pin«> 
topescos e as feições poéticas do sen viver de todos os d)as, 
testam, oem^ este oabedal» remodetpr ama IHteratura esque"* 
eida ou despresada» colorindo*^ de cores de certo adversai 
á súa* Índole, e nem sequer curando da ingenuidade do ca» 
racter moral da obra. 

Esta arguição nlo se pôde fazer ao livro do sr. Gomes 
Goelbo, poslo que, diga-se a verdnde, o romance das Pu^ 
piièãs seja um trabalho de mera arte, analjrsado ceim rígOr 
píor algum dos seus aspectos. N3e que o proposKo do ao^ 
clot* fosse devassar os mysterios e transes da vida provin« 
dana» {lara especular com elles» porque, pelo lado moral, 
nada de mais írpeprehensvvel do quiB aquella serie de qua-» 
dtos, em* que ao lado do ek*ro surge logo a líçfio ai tamenie 
ediácanté. S^ exemplo a scena dos jogadores na taverna^ 
lauee reproduaido e bem conhecido já» mas que iradu2 os 



•140 uranuunnu 

bem íntencioDados mCaitos do auctor, assim como o que se 
passa com as mães das ^disetpgyilas de Margarida, onde a ca* 
kmiDia é humilhada até aos. extremos do arr8{ieDdimeolo. O 
sr. Gomes Coelho exalta, com fenfo^as virtudes do^ coração 
da mulher, e os deveres do lar» à faz eomprebender a di- 
gnidade da existência em iodas* as cqndiçdeft do trabattio 
honrado. Todas estas qualidades estão demonstradas,, eeaiem- 
plificadas nos sentimentos e actos pratíoados' por José das 
Dornas, pelo cirurgião Jo3o Semana, peio. reitor, pelo mes- 
mo caracter de Pedro, typo da Ihâseza e boadade provin- 
ciaãa, Vé-se que estas diversas creaUiris obedeceu^ a uoia 
elevada < ifispíraçâo moral. E até, diga-^e a verdade inteira, 
o romance, apreciado poreste lado« rfirveia uma candura, 
uma pureza de Índole» qye de certo .attnAe verdad^iras sym- 
pathias ao anctor, 

' E.é doesta branda 6 vi^tificadora .atmos|}hera^ que banha 
todo o li^ra, de . que resulta o maisi seguro e irresistível 
condão para .o. leitor se seàiir atiraidoa iél-o e relél^o, fi« 
caiido^e ainda, depois a eo-existir, a peiisar,iie a tratar com 
aquellas figonas AodãSy que ainda; as meaod favoírecídas pe* 
los dotes de.um bom inatural, como o JôSo da Esquina, a 
muíber, a beata, e outras, noaagnadam, a.eomellas. folgá- 
mos, pelus XraçQs comjcos que< lhes alcigram. semblante. 

Quanto á parte moral, já diase, o livno ó completo: en- 
cerra exemplo e ensino« E sobre tudo, a. lição é dada sem 
que se sinta a. rispidez. do im^ralista, nemacausticidadedo 
pedagogo. . : 

O defeito do livro è puramenie .como obra da arte. O co- 
ração da mulher do. campo èjallit^dpftfâlieadD.Qsr. Gomes 
Goallio esqueceu^se do coma aeotiam as pobres raparigas 
da saa aldeia, e tomou por exea»plar oiíCOfação da mulher 
das cidades. ■ .. 

Coisa í^ingularl Nada- mais verdadeiro do que ioda a es- 
tenda galeria de seus personagens comícoa^ie.nada mais ar- 
( tificíal do que Margarida. le até meamo Gaval Aiquella à uma 

^ baS'bleu sentimental, e esta não passa de. uma loureira, coy 

mo nol-as apresentaa devassidão já. requintada das cidades. 

£ porque sará,.qu0 .0 ;lapisi que<eshotKHi tão da viez^. e a 
trago tão firme, os pre&9 dio(bom.'iâvrador, doiteiKleiroi, do 
cirurgião^ da criada d^esile e da: beaía, aão cansni^iu a .siiar 
plicidade de linhas. que< padía a naMirai». riisAiea das duas 
aldeãs 1 Porque. foi o auotor Qm.vfirdadeii\^i£logartb>. quan- 



UEnBBAinnu 141 

ào tratou de nos oonpôr o quadro dos indivíduos caracte- 
rísticos da vida é» poovioeia; e depois empregou uni estyk) 
tão repintado e 4ãmM9, oomo se diz em piotura, quando 
desejou surprebender e inqiiertr os segredos d'aquellas crea- 
Itiras femeninaa? 

P&rece«me que poderei espUearo phenonieno d'esteinodo. 

A infância do; sr. Goines CoeltM) julgo ler corrido {onge 
da GídadOt esi presença dos .espeolacolos grandiosos da na- 
tureza, e no seio do espairecido ambiente dos trabalttes ro- 
raes. N^ sei se nasceu, aldeio, mçis as tendências áq sen 
coração, as predilecções do seu génio artistioo levam-no par 
ra as aldeias. PercejDe-se que n^aqueUa meaioría ha -recor- 
dsíções vivas, .d'eelas que só peáem nutrir e enflorar os sue- 
cessos dos nossos primeiros annos^ Toda a parte descripti- 
va do livro das Pi$pilla8 offereoe exfmplos disto. N2o é 
um pintor tauriM qoBf embevecido pelas agruras de uns 
serros alcantilados» ou pela vista aprasi^el de um casakinho 
a. sair da eepeasura.da carvaHieiras oculares, se detém a 
copialras, para. enriquecer o album^das suas «recordações de 
viagem; é um fliho dos campos que sabe a Ustoría d'aquel«- 
les montes, e ^e ois entrevê lodos povoados das reminis- 
emms da soa jolTaneía^ ' 

Pordm, t), àldeio( ereseeQ> e lomou^se bontem; as exigên- 
cias do seu futuro destino troqxei^aiín^^a és cidades* Âhi en* 
eetQU estudos serioâ. Cometi o frusto da seienoia, e perdeu 
a innocencia primittiva. Os eonheeimwtos pbyeíológieos ad- 
quiridos pela sua profissão ^ e o seii pronunciado tatento de 
laoralista, JSzerM» d'elie iaquelle^ anatomista dos homens e 
das^ 001^09, q!U0 tanto i^os- encanta e assombra; 

Mas.odeoionio da ánaijr£ie.crealou-*lbe as azas dos^ antigos 
voos, que seriam de certo as iâmbranças innõeentes, os so- 
nhos juvenis, as recoídações da ingenuidade infantil,^ onde 
transluzia, como em cambiantes formosissimos, o verdadeiro 
e siegek) sentir dias babitanttfs^da sua aldeia^ Depois disto 
fiçou-os vendo aat^ como espícilo ofasefvador, do que co- 
mo seu irmão» O.fCoraçio jáios^nâo isentiu, foi a cabeça qiie 
os observou. R.o escessoda aoalyse levou-o a surpreben- 
der, ou antes a crear sentimentos dó alma estranhos em 
personagens, onde fora mais natural encontrar apenas os 
affectos primitivos da natureza rústica. O amor de Marga- ; 

I •!..'••• ! 

I 

■ o sr. Gomes Coelho era medico. \ 



142 

rida, prificipalfnente» loa]Di»*o eUe eomi mm grande these 
da paisâo buoiaqt. A simplieidade e itiaxi^riíencía do sen* 
úv aldeão rugiram dianle' do livro meiíphysíoo da Tkiorin 
rim paiúDõt(!$. Cada hypelhese do sentimento (feminino tor- 
noiíse motivo de uma larga dissertação. E esle abnsode 
phyiosophia moral (permitta-M-me a palafvra nbmo) infibitt 
Qão só tia ordem das idéas e affeclosv mat» no seu oorolltirio 
immediate, na linguagem. Em gerai, as muMieres do ro- 
mam^e» isto é o seotimenU). é mais regido pela cabeça dõ 
que pelo coração; eo, piíra meHK)n dizer, è o auNHor qne 
pensa e falta em sen nome* 

Kís-aqui o grande defeito do livre. A iuiC«ralidado &sim<* 
pieza daqtielle quadro pi»(;oril eao «esentialmenle alteradas 
por estas dissonâncias êcienêifio&H. 

R permitlam^-meHque, sem a mais <i]gfH\ra' sombra de hos- 
tilidade, aponte aqui uma teve amostra^ d^te défeHo, que o 
farei mais para jusiiticação dos meus repams do que por 
desejos de censora^ Qu«kqiier dos lances^ em qoe faltam as 
doas irmãs, serve para exemplo. Seja este, em que Marga^ 
rida se dirige a Clara * 

«-^A minba amisade, pedes fii, e t«m fmce àemú9kí4a, 
disseste? E, a não ser a ti, a quem* qoehss que eu vá dar 
$€íd($ esta qinê Rem me foz nn (wrsçõo pêra éat?' Da tua 
mãe i^ècebo eu a esmeta dti pão e do nin-iffô ; agradeço4b'a 
e rogo a Deus por ella : atí^ dito^te mais; àevfhí^ m esmêh 
da Gonsoiaçóc/ é da tmfano; por isto io esiremeço e qmro^ 
Clarínka. £ iu duvidai^?. .» 

Dtgam-nes realmente se é crítel qite n^Mifta aMofa se fsHl 
assim? Até creio qiieem poocas sMas da eidaiAe. Pt8»fece^me 
antes estar aqui a reproduzir a tinguagempiegais de ooiteei- 
tos e trocadilhos dos loeutorio&defreíras, oodos tempos dos 
aèrostjcos, do qtae as bttas sem os (M«itn.90i escholastieos; 
nem arrevesamentos gramníia4i($aes dos habitantes das serras. 

4>orèm, Margarida (dir ms^hBo) sabia lér e escrever^ era 
lida e applicad». Seria; nlas rt atmospbera akleS é tilo den* 
sa e ctimateríca, que «té nos espíritos cuttos aotoa de om 
modo especial; e por isto o (Mafeeto ^s tampos, nos seus 
próprios riruumioquios e diM»$iOes, apparece-nos «empi^ 
vivo, pintoresco, e enei'gi^, e ae metaphèras empregadas» 
colhidas directamente no espectaeolo das cousas reaes, de- 
senham vigorosamente o pensamento, sem lhe fazer perder 
a simplicidade. ■ ' 



14S 

^ Ouçam agora um dialogo. 4as •doas jrmis ; da ÍDStnrida 
e da que o aia éi 

c*-^OIba» Glaciotia (diz Margarida^ a gente é como as flõ* 
rte» que umas nascem com abre» vermelhas que alegram^ 
ootrascom cores escoras que enUistecem. Oika tu as ti(h 
ktas £ ^à suspiros. Qu& te digam pol*qiie nasceram assim« 
6 ponque» crescmio na mesma le^-ra e sendo aHtmiadm 
peto me$me soL não tenm as eóres hrilkamtes da rosa. 

— Bem raspoodido, sim» senhora. D*aqoi em diante bel 
de <shamar-le sempre a minha violeta. 

^^Oreançal E tu, Clartoha, nunca te sentes triste? 

-^Tk*íate, porquê? Que tenho eu a desejar para ser. feia 
de t(Klo9 

--^Tena rasão. Ta... nada... elci 

E assim faliam as doas aldeãs I... A lingoagem do^âSa^ 
Gtos é cpiasi sempre ezppe:!i8a n^eetes termos symbeiicos q 
metaphysicos. 

A mie de Glara, quasi » expirar, diríge*se doeste modo 
a Margarida: 

c-H^iGuida-^^pela primeira vez lhe deo este nome afiíictao^ 
so-^pordoa-me t Detês allumiêu^mé c espirito. Só agora eo» 
nheço a «ninivi maldade e as tuas virtudes. Perdoa^me, mi-* 
nha filha, e sé generosa até ao fim. Clara íica só; é ainda 
BUiito ereaflça. Lepibra-te qnè ella é toa irmã ; aconsetha-av 
e estima-a ; olha por ella. Perdoa-lhe o ser filha de. . loa 
madrasta:». 

Betas, fiflb ne derradeiras polavrae da velha camponesa, 
DOS artigos > de morte. Seqdpvs asaoesHaas relícenciasi ea 
mesa9a< Mblileia.nas ií)éas. .Vejipm se isto é possível. Nem 
a sua condição rústica, nem a hora tremenda, que lhe exH 
pirava n»s tidsiosi vislambram nas. «suas pbrasesv mais tee- 
didas^e f^hmmalicaes d^^ue miiitos doa nossos rhetorikos 
ou legifiaddresas poderam difeer. 

Em gera), d Kvro. lodo participa, e rèsmte-se em «iteei** 
80v das foalidades do talento do audtor. É a:peilsi|(Jk)r que 
n^elte prevalece. E se estaa qualidades, alids apreciáveis ao 
escríptbn-pkiloeophíco^ioo didatico, irastem -dotes notateia 
ao esfcylo, popifae da soiencíadas nousas resutlaa preoislé 
das idéas^ e da: preeisSo das idéas a ooncieSo e nitidez da 
fóipai, no aseriptor de pomances podam pnejudicari porqm 
DO romance o estyloi dtife.-ser coloridoe imaginoso, corno 
oi tdfiaéos aapeotp» da naltimui,. cujatheatro àbrafa, e ta* 



144 

torai e iacil, como a fórÉu»^ oaractemtiea das diveiM9 atas- 
ses que possam naturalmente entrar no S8u (jaadro. 

É inquestionavetmeate este utn dos pontos púi' bnde o 
sr«. Gotees Coelho pôde ser mais justamente eensurado.-Ha 
sempre verdadeira iuddez na sua forma; porá», as mais 
das vezes» é inoolor. E nos trechos descriptiyos observa-se 
mais este dereito. Narra oQ disserta quaá sempre.. Oca: o ro- 
mancisla deve antes piâtar do ^ftienalrrar ou dissertar. So- 
bretado a dissertação é a frieza, a mòaotonia* a delilama- 
ção, e estas qualidades constitaem a morte das paginas da 
novella. Diante da palheta: rica de ions do.pfiator dá vida 
iátima e exterior dev«m erguer«se, animadas e Odridás, to- 
das as scenas traçadas pela pbantasia ou aproveitadas^^ 
instincto do realismo, e nas PupMas nótsi-M a falta, de va- 
riedade e brilho. de eôres, que só o propvio sòl:<d<i9 cam- 
pos, risonho e esplendido como a vida jda natureza;, conse- 
gue aviventar na imaginação do escriplor. Sirva de eatemplo 
aqoeila esfdihada, um dos mais signi^cafttros e galfiofeiros 
episódios da vida agraria, que nos apparece apènas:i»Mno 
um. quadro demorte-oõr. Mui tos outros folguedos, campesi- 
nos^ tâo folgasões, paracteristíeoft lô poetttòâ fios/sduB ^píso- 
ãi€6, bem a panto n'aqueUas localidades, deveriam ter vin* 
db dar feição e imprimir cunho ao livro do sn Gomes Coe- 
lho, e ficaram esquecidos. É de suppor qud enueude a falta 
nas obras que devem segnir-se. O estudo e copia de bons 
traslados, podem influir muito no seu espirito. E se não 
fosse o receio de ferir o melindre de Caisíille Caslello Bitin- 
€0, índicar-lhe-biamos, por exemplo, o quinto !casainento do 
seu livro Ihze oasammtoi fetizei, que é um modelo no gé- 
nero. 

Ainda mais um reparo, e depois o louvor aberto ejoieiro. 

Tem^se. dito, por abi^ Kfoe^ aê' PupiUom do sr*í^ik)r.tòb 
um romance perfeito e acabado; e.«a entendei que bão. 
Mostra -eèle a grande scieqciai dq mundo. real, queria eoca- 
reoi e applaufli nò auctor, mas falleoetlbe a ÍDlvânQ|o^ Gomo 
eoiiteilura, como tecido de aventoras^ é ' frouio, ioconsis* 
tónie e inverosimel até. Conlo romancei, qão passaide uma 
ligeira composição^ em que as tMongrOenoias! obrigariam a 
fiòcbar o livro, se não fosse a ra^ slngelezai dos materiaes 
apifoveitados, e ainda anisa rarissima naturalidade com que 
estão dispostos, sobresaindo o elemento jocoso. 

E cbamo4he ligeira compaei^rio, nBo- porque M iotenda 



derem! unicamente os complicadoks lances de ezaltaçSo seiH 
timeQtal os preferíveis para qóalifioar o bom riOmaace^ Qap 
mesmo do centro de uma aldeia se poderiam djar, sem jn- 
^erencia nem invierosimílhanoa,, porque q coração nâq.ei^ 
colhe tbeatro para rebentar em paixões violeqtas. Só os crí- 
ticos da poética Arcádia pretendiam que os amores, | 403 
campos, obedecessem ás formulas tranquillas e enQorad^^ 
dos id}ilios. Hoje a critica regalasse por outras. Jieis, que^Sp 
sobre tudo as do gosto e do bonx. 8ienso;.e.s|o. eçâa$ j^s- 
tameifte que encontram o enredo ádt^iPupims inçopsisleri* 
te^:e:S^m que todavia^i^^i ealii, deiíxem de sef^notaV ai- 
|[uns toques melodramáticos^ A scena de rivalidade doç. dcns 
irmãos^ mas arrastada, que resullante do ,a&damenÍQ.49 
acção; o quadro dos jogadores, na taberna, pass^ndo-W is^ 
todo u'uma aldeia certaneja do Mmbo; qs apparecia^en^os, 
sempre >^ propósito, do reitor, nas situaçoeç^ cujminaptesdo 
romance, quando os babitos da sua vida o deveriam reter 
de certo n'outra parte, tudo isso pertence, sem contestação, 
ao género, cujo intenU) é çrear interesse, ainda mesmo á 
costa da lógica dos factos. A existência do desconhecido 
mestre de Margarida, também podia urdir um melhor epi- 
•sodio com a intriga do romaaoe; bem como é de todo in- 
crível a separação permanente em que o auctor nos conser- 
va a heroína de Daniel, e o esquecimento, d este des qp/e 
sahin a estudos da aldeia. Nunca teria ferias este estudante? 
E não seriam ellas passadas jamais na sua aldeia ? 

Parece-me esta a maior dureza do livro ; e custa a cre\r 
até que espirito tão fino, e analyse tão meticulosa adoptas- 
sem, como principal mola do enredo, ,uma inverosimilh^M^ça 
tão banal. Homero também dormia. Só assim se pôde ej^pli- 
car. 

Agora chegamos ao ponto, onde a penna corre á vonta- 
de, porque não encontra senão motivos de elogio. Fallo da 
chistosa porção de typos cómicos, que a musa popular ba- 
fejou de certo. n'uma das suas horas mais fadadas. A pri- 
meira, a mais completa d'e$tas physionomias é indubitavel- 
mefite a do cirurgião João Semapa, tão caracteristicamente 
completado, na sua intimidade domestica, pela rotunda e e^- 
pivitada Qgura da boa velha Joaona, criada e governanta do 
nosso facultativo de aldeia. E com q^ie tacto o auctor pol-^o 
apresentai Nas lioras calmosas da refeição; e do descançp, 
debaixoda torreira do sol, é que aqueUe bom velho atrjji- 

TOMO I 10 



' Í46 ' iMvÉStíomA 

Tessd o {iovoa^, tlfò â^sènafjienbo 4a sud tarefa homanita- 
riá. E âeqtie epíèddíos, tfld pecatiares e pintorescos, elle 
Ibe 1)30 «emeia á visita aosf cl3e»tê6t Nlo resume só um vè^ 
trato, set)9o um qdaídro cétn todas as figuras ^pis^icas t 
eomplementares. Olbem aquelle lavra<}or, seatado na solejra 
da portá,i'a rHhar a stia latira de bacalhau^ queibe pergua- 
laVse ia ini^lher iéonvaléscenie pódet^oaier uma sardinba assa- 
da/que náttirátissítnò toque mio é da vida doméstrca d^aquella 
gebtet G átespoista 4e MSo âáaiana, e o suspiro da mulher 
lã de detítro I Õ^è Venâadeí, que ehiste <em todo isto! 
' ,Jo^ "das pòrilas #ealislsl lambera uma bella persKmrficaçSò 
do iK>ss6 laV^adôh iBasta õs diiosi'<]ue etlè atira aos Slbos 
e criados; m oeéasiâo da esfolbátda/ para meulcar a verdade 
d^aquella índole. ' .' 

O èaraeler do reitor é' bem estudado e reproduzido. Ha 
alif a bondade d^o eoração, alltimíada pela sciencia do ^an- 
getbo. Mas áo bom do )>ad^e folta^lhe trm requisito. Faita- 
Ihe o latimf. Lemí)rem-se priocipalmente de que elle é um 
egresso. Não o posso admítlir, sobre tudo nas suas prati- 
cas com o vetliotè do JoSo Semana, sem o texto latino, au- 
nexim obrigado d^aqoellas conversações. 

No tendeiro è na família x^é-^ mituratíss^imamente refere- 
sentada a besbelbof ice da' provineid, que afinal é de todos 
os invejosos e malévolos em povoações pequenas, e muitas 
vezes também etó grandesi 

N'umá paiaTrâ,^ todos estes typos sSo traçados com vigor, 
«talvez atè sejam retratos fáicissiUfios de parecença. £m 
toáos éllès se vê o seHq lia realWade. É, pelo menos, e^ 
o effeito que me prtíànieúí. 

Resumindo í o iívro áò^ IHtpittes, avaliada na spa impor- 
tância moral e litteraria, annuncia uma natureza enérgica, 
roas bondosa, é ^oma rára^ faculdade de observador. O es- 
criptor, porém, 'ainda tem alli que desprender-se das heá- 
tações da$ primeira^ (entá^rvâfs^ Careoé de fôlego e amplitu- 
de d e^lylp; máB a sua conòi^So dá uma alta idéa do rigor 
lógico dofelento do ^udlé^í. Por ora, o meu parecer, é qae 
íeraos no sr. 'Gomes Cofelh(^ uih; dos nossos primeiros nofo- 
'ralistas. É de prestímir^qub o eistudo da fónma especial, e 
os sribsidiòs que áegram> e o^islehiam a phaintasia, conoor- 
rsím também, com 'o temfpo, para que elle venha a ser tim 
dtís hosrsos mais''i)idstres romariei'^^^ No entsínto, tal qn»! 
aiâDái è, ò dètt livro veio oCctípar elevado logar na nossa lít- 



UmOUdDDRA I4T 



leralanr, e dar ex^wpjio e iiinpttlso' a «m género de con^po- 
$1içQes« que Aalzac iatitu^ou èomdi4jk kumam. 



i^TOO. 



fi ■■»■* ■*■■ 



Infelizmente tenho de fechar este estudo, conoo já fecho 
oulros tfeste livro: com o necrológio. Uma phlysica adian- 
tada cortou as forças a l3o amável escriplor, mas não lhe 
afrouxou os impulsos do talento, que, cada vez mais vivido 
6 fecundo, produziu ainda três romances, que completam 
de certo a reputação do auclor. O pequeno artigo do Jor- 
nal do Porto, de 13 de setembro d'este anno (1871), que 
se vae lêr, dá conta da triste nova do fallecimento de Go- 
mes Coelho, e de alguma sorte inteira os traços biographi- 
cos que tentei contornar do retrato litterario do sympathico 
auctor das Pupillas. 

«Aproximam-se as tristezas do outono, e ás tristezas da natureza ajun- 
t am-se as melancbolias do coração. 

«0 paiz e as boas letras acabam de perder um dos seus mais estimá- 
veis talentos : Joaquim Guilherme Gomes Coelho expirou esta madrugada, 
á 1 hora. 

«Mais que a nenhum outro jornal do paiz, ao Jornal do Porto cabe-Ihe 
o dever de derramar uma lagrima de saudade sobre o tumulo do grande 
romancista. Foi nas columnas do nosso diário que o auctor das Pupillas 
do Sr. Reitor principiou a sua brilhante carreira litteraria. 

«Era com a maior avidez que os nossos leitores seguiam os folhetins do 
Jornal do Porto, quando esses folhetins publicavam as pérolas da nossa 
litteratura, que se denominavam as Pupulas do Sr. Reitor, Uma familia 
ingleza, e a Morgadinha dos Canaviaes. 

«A providencia não quiz conceder a Gomes Coelho mais um momento 
de vioa para rever as ultimas provas do seu romance : Os fidalgos da casa 
mourisca. Que saudades não levaria elle do seu livro ! 

«Gomes Coelho não era somente romancista, era um homem de scien- 
cia. Três vezes concorreu ás cadeiras da Eschola-Medica, e de três vezes o 
seu talento robusto deixou um rasto fulgurante. Todos o reconheciam como 
uma das primeiras capacidades d'aquelle estabelecimento scientifico. 

«Como Soares de Passos, de quem foi amigo, Gomes Coelho deixa uma 
lacuna difíicil de prebencher na nossa litteratura. A sua carreira litteraria 
estava ainda fresca, como um dia de primavera. Que de flores que se não 
perderam ! que de fructos esmagados sobre a lousa de um tumulo ! 

«Gomes Coelho deixou retratado o seu espirito nas paginas suaves, do- 
ces, innocentes dos seus romances. Era uma alma singela como as scenas 
que tão delicadamente descrevia. Observador profundo, enamorava-se do 
que havia de bello na alma popular, e deixava no escuro as misérias que 
enegrecem a vida. Coraprebendia que a litteratura tinha uma sacrosanta 
missão, e nunca manchou a sua penna nas torpezas da comedia humana. 

«Gomes Coelho ha muito que se debatia com as agonias da doença. seu 
espirito era gigante, mas debalde luctava a debilidade do corpo. Os seus 
^profundos e studos^ a sua assiduidade no trabalho deviam-lhe minar forço- 
samente a existência. Debalde procurou na Ilha da Madeira allivio aos seus 
padecimentos. Os amigos, que o viram partir da ultima vez, ficaram nutrindo 
a esperança de que os ares purificados da pérola do Oceano lhe dariam 
novo alento. A esperança foi liludida. 



148 LIITERATinU 

«Doraate a sua estada na Ilha da Maddra, Gomes Coelho conviveu com 
mn tdento privilefi:iado, a quem o Jornal ao Poria deveu também os the- 
souros opulentos da sua penna. Mais feliz que Francisco de Paula Mendes, 
Gomes Coelho veio morrer ao solo natal, entre os amigos que lhe queriam 
6 a família que tanto o estremecia etc.» 



o BENEFIOIADO 
FRANCIBOO RAPHÂEL DA SILVEIRA HALECÍO 



L'eloquence des docteurs de TEglise 
a quelque chose d'imposant, de fort, de 
royal, pour ainsi parlar, et dont Tauto- 
rité vous confond et vons subjugue. On 
sent que leur mission vient d'en haut, 
et q'i]8 enseigueut par i'ordre exprès 
du Tout-Puissaut. Toutefois, au milieu 
de ses inspirations, leur genie conserve 
le calme et la magesté. 
CHATEAUBRUND— 6renio do Chrislianismo, 



O púlpito da egreja lusitana está de lucto. Já tão pobre 
de vozes auctorisadas que, com o exemplo illuminado pelas 
instituições do Evangelho, derramassem por entre as des* 
crenças do século a semente fructiflcadora da moral cbris-^ 
a, agora mais pobre ficou, expirando de entre todas essas 
vozes a mais eloquente e fervorosa, aquella que se animava 
da austeridade dos exemplos próprios e do fogo vivo e for- 
tificador da fé apostólica. 

O primeiro orador sagrado de Portugal era, de certo, 
actualmente, o beneficiado Francisco Raphael da Silveira Ma<- 
Mo, que, ha pouco, se finou na villa de Óbidos K Com a 
extincção das ordens religiosas, a escola, e, por assim di<^ 
zer, o seminário pratico dos pregadores tinham acabado, fi- 
cando apenas um ou outro avesses evangelisadores eloquen- 
tes que. davam fama das boas letras e virtudes dos seus 
mosteiros e honravam a cadeira sagrada, d'ond§ proclam** 

> Em 10 de novembro de iseo. 



150 LTITBRATURA 

vam a palavra do Evangelho. O beneficiado Malhão fora uma 
rara excepção d'esla regra. O seu tyrocinio oratório não o 
deveu elle á lição d'esses mestres do púlpito: com quanto 
pelos annos não pertencesse á presente quadra de reacção 
litteraria, pelo género da eloquência enérgica e apaixonada 
que o caracterisava, pertencia á escola que baniu a meta- 
physica theologica da bocca dos pregadores, animando-lhes 
a palavra das grandes verdades da moral christã Nas suas 
orações, a religião perdia o ardor das controvérsias» em que 
muitaç ve^es ae inflamma o aelo do missioDarío, mas onde 
também não poucas se exalta o espirito do fanatismo cleri- 
cal. Deus e a caridade eram, se pôde dizer, o texto perma- 
nente e o mais fecundo manancial das suas dissertações. 

N'estes tempos modernos de conflicto reaccionário, a fe- 
bre dôs partidos tem levado os seus excessos e desafogos 
átè sobre o púlpito, desauctorisando-o com as invectivas que 
sò podem ter cabida nas folhas controversistas da politica 
militante. O beneficiado Malhão era legitimista; do fundo do 
sou retiro agreste e solitário olhava com saudade para as 
relíquias das antigas instítuíçdes monarchicas, que elle vira 
desapparecer no tempestuoso horisonte das revoluções, e 
que a seus olhos tinham por si a auctoridade dos séculos 
e a magestade das tradições; como sacerdote até se repu- 
tava elle n'uma quadra de aggressão e injuria para os foros 
do clero é para os dogmas do catholieismo ; mas, apesar 
d'i3to tudo, nunca a sua bocca foi manchada da cadeira da 
verdade com esses tristes desabafos, com que o uogido do 
Senhor, tornado pamphletario, despede o raio da ira das 
facções do logar^ onde deveria sempre ouvirse a palavra de 
paz, de amor e fraternidade. O oiro e as pérolas são assas 
otmmum, mas tèão assim os íofrtoi do sábio, qm são oõmê 
um vaso raro e sem preço. Estas palavras do rei SalomSo 
a nenhum outro saelbor cabem do que ao finado oradofi O 
paoegyrico fúnebre á memoria do conde de Barbacena, prfr* 
gado em S. Vicente de Põra, em 25 de agosto de 1854, é, 
de certo, uma evidente demonstração do que fica dílo. O 
fidalga, cQjas virtudes se celebravam, havia sido um dos 
mais auGtorisados e nobres chefes do partido legitrmista ; o 
aodiiorío que enchia o templo era de todas as opiniões po- 
Micas, pqrqoe a fama da eloquência do pregador tinha at^ 
trahido, sem distíncção, todas as classes, todas as convic- 
ções e todas as intelligencias. E, no entaDtOi o iUustre pa- 



Begyffista sojQlíe. dispor o quadro i^yiàsí do feltoeído eoode 
MIO. verdadeira iaspèrâçio cbfistã,;e< exaltar^tlba ^ aa vir- 
tude»^ ainda meâmo as do sôaaracter {politico», ^eoi ferir 
nenhuma crença, nem melindre. 

QnereiQ ver como elie* trilbou esle eompo» ouriçado de 
iteolbos para outro qualquei? que não pci$siiiss9. a ei^riU) 
fiDQ qudy no moralista — qa^ não pôde ser ouiro o boniefii 
que derraúíia a semente do E;vang6ltio--re!$uo^: o primeira 
dote da intelligencia ao lado das .exeeílencias d^ coração? 
Querem yer? i 

Quando chega á^poca eai que a adversidade viaiioa o 
eonde de Barbacena, pára e m asaim) 

cMast que vejo?*.. Deus qii9 condaziíra O fidalgo pelos e«s^ 
«miohos reclôâ da humild^e, e o soldado pelosi camnboBi 
erectos da piedade, vae abrir um novo eampo á ^a virtut 
«de: quer q^ue o vejamos tão gríMide na -adversidade^ como 
«o viramos na fortuna. — Ao atando de Deus^ a adversida- 
<de, que mora ao pé da fortuna, saiu um dia de sua.eaaaf 
cdeu trea passos, bateu rijo á porta. do conde, entrou • e 
fdisse-lhe : — Sabes o que são decretos de Deus? Por Ó0r 
«creto d'elle venbo aqui para ke acompanhar atô á mortel» 
«iN^essei dia, a fortuna voltoi^-lhe as costas,: e.dei^^ou-o a bra? 
«ços eom: a adversidade.~Éi a lei do muodoí! NKo ha ptaoiai 
«viçosa, qoe esta. geada não Gr£iste;> flor debicada,, que esta 
fsol não murche; arvore robusiav que este furacão^ não der- 
«ribe; rochedo duro^ que este raio não lasque^ . 

«Quando a adversidade entrou :em oasa do condev e a forr 
ctuna saiu, a virtude não se reticou.— GoBopanheira fiel no» 
cdias de gloria,, d3o o desamparou nos; dias do^ infortúnio* 
««r* Depois de fazer qua não se deslumbrasse com^.Qsrísaa 
cé» prosperidiade^í fe£ qge nãoi sqcci]iiit>is&e coott o^ reveaes» 
cda desgraça.-— Âjudou-o a ser feliz com sabedíoria,; ajudottrOi 
«a ser desgraçado com valor. 

«:fiste campo, conifesso-o, para o ijlustre finado esiá ma- 
«tisado de flores, mas para o orad<j>r está. coberto, de espir< 
fjiboft.— Apresenta flores det aUo preço,..tnas diffieeis deeoi 
«Ibei; a de um. aroma que só* pôde aen jtts^atiiente apneeiada 
cfHor um soBtido fifiO. — E deyerèi eu> deixadas morrer oa. 
««bscuridade, onde foraiú tão diligentemente. cultivadas? 
f Nio ^ irei com eautella por causa: dos âspinhoaií masi bei^ 
«colhel-as, e até espero fazel-as amar. — Só peço diiâa.coiii^ 
fâaa;iboBa ufio do.espií^ftQeiido.oova^^ú;. : : : . 



1&I2 LlfTÉRATORA 

«Cdda xittí ée võs stíbe o qa6;s3o conTÍcções (nio traíte-* 
cttiòs agora de áprecidr o vator d*ellas); as boas, louvam- 
éé&; tu rum, lametitam-se ; idsqUo não se faz a neDbama, 
tetc.» 

Se pôde haver mais delicada maneira de tratar nm^iís- 
stimpto difficilf Gotn que siimplicidade antiga nio exprime 
aqui a palavt^ do pregador todas as idéas, que deveram de 
9€ír os dictameâ do catecismo philosophico de todos od par- 
tidos; por^e Sião vá*dades eternas ? 

Nunca leio este bello sermão que me não lembre do ef- 
feito que produziu ém todos ^ue o ouviram, uo mosleira de 
S. Vicente de Fora. Uma parte do auditório era á primeira 
Té^ que io^viá ò beneficiado Malhão. Muitos atè nem ò co- 
tíheciafiâ. Eu' era um d'estes« Oiiand<i) o venerando sacer-^ 
dote atravessou a nave do cruzeiro, para subir ao púlpito, 
um sussurh), em que a veneração e a sympathia se tor- 
naram 06 sentimentos predominantes, fluctuou por toda a 
egfreja. • i 

O padre Malhão, a este tempo, já contava mais de ses« 
senta àtirios, e os cabellos brancos, como flocos dè neve, 
oddêavami-ihê em roda da fronte. De estatura elevadd, de 
um porte grave, doestes que, ennobrecendo as maneiras, ki- 
mmfam a todos 'naturalmente o respeito, e com ^umaex prés- 
sSo de semblante sdave, radiosa, expansiva, (|ú6 era ao 
mesmo tempo a luz serena do génio resplandecendo no seio 
das convicções do caracter verdadeiramente apostólico, a 
impressão í que causou em todos a vista doeste homem' ve- 
nerável, que — como elle mesmo diz-^ vinha da solidUo t&á- 
vidado pélw amisade a homar a virtude^ foi uma ímpr6s- 
lâo como^ se víssemos re^urgir das trevas do pa»sad(){ tmi 
â'esses padres da egreja primitiva^ :em cuja palavra e vr* 
Iodes o christiénibmo teve os seus primeiros atbietas e M^ah- 
gelisadores. 

iXíiKifída isurdiu no púlpito, esta idèa completou-se ainda 
HlQis; Aquèlla cabeça, qilie apresentava os lineamentos (cor- 
recto^ 'O suaves das cabeças bíblicas de Raphael, trazia é 
lembrança os Gbrisogtomos e os Ba^ilios, e a mitra d*estes 
antiffos patriardhas,' traçada pela imaginação dos «spectado* 
res< enHiUgiiasniados, comoíque vinha cíngir-«lhe a fronte como 
QÉi > oomnlemento de tão acabado e admirável conspecto 
apostólico. '. 

E foMhe offerecida esta mitra por varias veMs;' mas a 



UTTERATURA ^ 153 

isenção d^aquella alma desapegada das honras e attenções 
do mundo, nem consentia que a proposta se tornasse for- 
mal. Era no seu retiro humilde, longe da cidade, com a 
vista alpestre das penhas, onde se occultava com os seus li- 
vros e passava uma parte do dia a estudar e a orar, que 
elle se queria unicamente. Santo Agostinho diz na Cidade 
de Dem, que a alma contemplativa forma por si própria uma 
solidão, e a ninguém melhor do que ao padre Malhão ca- 
bem estas palavras, porque aquelie espirito, que a religião 
e a poesia, esta outra religião do sentimento, elevavam na 
contemplação das perspectivas da natureza, recebendo d'el- 
las as suas inspirações, os seus effluvios e as suas sublimi- 
dades^ nada mais desejava, nem mais a seu gosto se sentia 
do que quando se podia entregar a estas meditações. Antes 
de o saltear a enfermidade que o levou á sepultura, um pas- 
seio pela serra, dois ou três livros na mão, alguns fructos 
para um repasto ao cabo das horas de estudo, era todo o 
seu viver. 

Foi n'esta solidão contemplativa, mas tão povoada de bel- 
lezas para elle, quç o foi encontrar aquella bella poesia do 
sr. Mendes Leal, que, passando por Óbidos n'uma occasião 
em que se dirigia ao norte do reino, não quiz atravessar 
aquelles sitios sem saudar na sua Tebaida o poeta e o sa- 
cerdote. 

O magnifico poemeto com que o padre Malhão respondeu 
aos versos do sr. Mendes Leal, servindo-se dos mesmos 
rhythmos e das mesmas rimas, é uma prova eloquente de 
que aquelie espirito, que pertencia a uma familia de poetas, 
Dão envelhecia, antes se acrisolava e inflammava nos exta- 
sis das suas cogitações solitárias. 

Aqui as damos á estampa a ambas, porque formam um 
apreciável certamíe de sentimentos generosos e nobres e ele- 
vadas inspirações poéticas, que muito ex^Uam os dois va- 
tes, e em que não é fácil decidir quem mereceu a palma, 
se o illustre dramaturgo se o afamado pregador. 

Foi doesta sorte que o sr. Mendes Leal se dirigiu ao ins- 
pirado cenobita de Óbidos. 



Ao mavioso cantor, illustre herdeiro 
D'mna esplendida lyra, 

Sauda curvo e humilde um forasteiro 
Que respeitoso o admira l 



154 UTTERATTmA 

Tu excitas o transporte, 
Eu sou simples trovaei^r; 
Mas fe^-nos irmãos a sorte 
Que nos deu o mesmo amof : 
Seix4 pois que o peregrií^a, 
Bemdizendo o seu destiao, 
Teus umbraes logre passar : 
O rico ao cobre eousoia; 
Do teu espirito a esmpJa» , 
Como poBre, vou buscar. 

Salyè, nobre cultor de um nome illustre, 

Siue de louros revestes ; 
as, sobre as glorias do passado, 
Às palmas em cyprestes! 

Alem do valle e do monte 
Teu canto n*alma senti; 
Cuidei que era Anacreonte» 
Julguei gue ouvia Pamy : 
Via-te a fronte elevada^ 
Tocar nos céos, inspirada: 
Vi-te explorar, grave e só, 
Essas ruinas tamanhas * 
E, como o rei das montanhas, 
Bradar-lhes : Erguei-vos, pó! 

Foi teu berpò, é teu leito (oh! que hag de amal-o!) 

A veiga florescente: 
O monarcha da serra é teu vassallo, 

£ Deus teu confidente! 

Quantas vezes, inclinado 
Sos partidos bastiões, 
Terás tu interrogado 
Segredos das gerações? 
£, quantas mais, «scutando 
O sueste, sussurando 
Pelos rendados maineis, 
Terás chamado á memoria 
Vinte séculos de gloria, 
E oitenta raças de reis ! 

Ohl que beilo ha de ser, em pé, na cdsta 

Das torres seculares, 
N'um relance, abraçar, cingir co'a Vista 

O campo, o (Mão e os mares 1 

Alvos lyrios ao poeta 
Quede.eoisas nao dirão I • 

Sue brando affecto a violeta! 
ue negra magna o chorão ! 
Coroo as névoas matutinas 
Sobre o cálix das boninas 
Mil diamantes irão pôr, 
Tomando d'esta maneira 
Uma estrella cada flor! ' 

* As ruinas do antigo caslellade Obiflof. 



IJTTBRATURA iS^S 

Tu indagas do tmnuio os segredos 

E com elles discorres, 
Quando ao luar vacillam nos rochedos 

Ás arestas das torres! 

• 

N'essa hora de mysterios 

E de vago meditar, 

Vida e morte dos impérios 

Vaes na pedra decifrar. 

E se, farto já de estragos, 

Ergues o rosto aos afagos 

Da nocturna viração, 

Vaes findar, com a voz. que encanta 

Nas endexas uma planta, 

 historia de uma nação. 

Tu disfhictas e intendes, tu revellas 

Essas magicas scenas. 
Tu nasceste e criaste-te com elias; 

São as tuas camenas! 

As magestosas ameias 
Dos fragosos alcantis, 
E as planuras, todas cheias 
De topasios e rubis : 
Ora o collosso na altura; 
Ora o arroio, que murmura; 
Ora ne^os os portaes 
Pelas cinzas dos Fronteiros, 
Ora os plácidos outeiros 
Âljofrados de crystaes; 

Tudo isto é teu, e assim a rocha austera, 

Como o campo esmaltado 
Deu-t'o o génio do ermo: é teu: impera 

No que o génio te ha dado. » 

Teu espirito domina 
Sobre os rotos coruchéus; 
E das esm'raldas da campina 
Se arremessa livre aos céus: 
Quem tal gosa, e tanto sente 
No passado e no presente 
Pódfe acaso de um mortsd 
Attender o voto insano? 
Pôde: um vate é sempre humano 
Mesmo n'esse pedestal. 

Quinta do Jardim junto a Óbidos, 
25 de novembro de 1847. 

Mendes Lbal. 

Agora a resposta do beneficiado MaMo. 

Avulta muito mais que ser herdeiro 

D'alguma iiiustre lyra, 
Greal-a. como fez o forasteiro 

Que a pátria assombra, e admira 



156 UTTERATURA 

O mundo lê com transporte 
Bellezas do trovador : 
Não somos eguaes na sorte, 
Se temos o mesmo amor. 
Porém, venha o peregrino 
Adoçar o meu destino 
O tempo que aqui passar : 

Suem os enfermos consola, 
ão lhes dá pequena esmola. 
Vem trazer, não vem buscar. 

Ó tu, que a poesia tens honrado, 

E fecundo a revestes 
Das gallas do presente e do passado 

De rosaes e cyprestes : 

Tu és o Albano do monte 
Pelo arrabil que senti, 
És o lu;zo Anacreonte, 
Vences o gallo Parny : 
Pôde tua alma elevada, 
Essa voz sempre inspirada 
Recrear o mundo só. 
Com faculdades tamanhas 
De cima d'essas montanhas, 
Que vês tu? mesquinho pó. 

Quem pôde conhecel-o, e não amal-o, 

Esse génio virente I 
Do rei da lyra és ínclito vassallo: 

Que disse? E's confidente. 

Inda joven, inclinado 
A valentes bastiões, 
Também tens interrogado 
Arcanos das gerações. 
• E o pensamento escutando. 
Que n'alma vae susurrando 
Ao descer, junto aos maineis. 
Te diz juizo e memoria 
—De que serve humana gloria? 
Acabam povos e reis ! 

Vô mais do que se vê aqui da crista 

De muros seculares 
Quem tem os çrandes quadros sempre á vista 

Da que já regeu mares. 

Esses quadros ao poeta 
Maiores coisas dirão, 
Do que dizem a violeta, 
E o dobradiço chorão, 
Ou as névoas matutinas, 
E as delicadas boninas. 
Onde o orvalho se vem pôr. 
£ sempre humilde e maneira 
A inspu^ação da balseira, 
£ da campesina flor. 



LITTER ATURA 157 

Da linguagem conheces os segredos: 

Quando falias, discorres. 
Após ti, como Orpheu, levas rochedos, 

Feras, arvores, torres. 

A natureza os mysterlos 
Não veda ao teu meditar, 
De seus três vastos impérios 
Ousas tudo decifrar. 
E's grande, pintando estragos; 
Tomando a voz dos affagos^ 
Lisongeira viração : 
Brilhas, delicada planta, 
No solo d'esta nação. 

De Racine, de Dumas tu revellas 

Aprimoradas scenas. 
Um renome immortal ganhas com ellas, 

£ são tuas camenas. 

AlU levantas ameias 
E figuras alcantis, 
£ apresentas fadas cheiaã 
De lopasios e rubis ; 
Torreões de immensa altura, 
Doce rio que murmura, 
Já carcomidos portaes. 
Fieis, valentes Fronteiros, 
Gastellos sobre oiteiros, 
^'os rios puros cristaes. 

Alli, com voz suave, e voz austera, 

A si próprio esmaltado, 
Se tem— como em conquista, onde impera^ 

Génio que o céo te ha dado. 

Alli manda, alli domina 
Sobre altivos coruchéus; 
Alli bafos de campma, 
Alli tem sopro dos céus : 
E quem seus eíTeitos sente, 
E as vivas scenas pressente, 
O julga mais gue mortal. 
Mas ah! perdão! Quiz, insano, 
Pôr um génio mais que humano 
Sobre frágil pedestal. 

Ao bardo, a quem o céo dô nobre herdeiro 

De tão suave lyra, 
Offerece o seu lar de forasteiro 

Quem o respeita e admira. 

29 de dezembro de 1847. 

Malhão. 

O beneficiado Malhão deixou uma irmS^ respeitável se- 
nhora também edosa, e afirmam que algumas obras ma- 



156 UTTERATURA 

nuscriptas : é um legado de summa e immensa responsabi- 
lidade para todos nós. Âs obras n9o devem ficar no esque- 
cimento, 6 a irmã não a podemos entregar ao desamparo. 
O governo não deve deixar de olhar pela conservação d'este 
precioso espolio do venerando sacerdote, que só pôde legar 
a pobreza á sua família, mas que deixou a opulência das 
suas virtudes ao clero portuguez, e a fama de uma palavra 
eloquente e inspirada ao púlpito da egreja lusitana. 

Novembro— 1860. 



]unfnin>o Airromo buu£í:o pato 



Qassiflcações arbitrarias da crifíca. —Alfredo de Yigny e a poesia Mira. 
^Macias e Benmrdim RibeíTO e o verdadeiro sentimento poético da pe- 
xunsuia prelwliada pelos arãl)es e trovadores provençaes.— Bolhão Pato 
representante d'esta família, como Thomaz Ribeiro e João de Lemos.— 
Analogias nas soas composições.— iá convcUecerUe no oulonOj Bétena^ 
Visão do baile. — O espirito inquieto da época influindo no talento do 
poeta.— A Zeíia.— RetomO' ás primitivas e nativas isspirações. 



A critica tasnbem tem as soas aberrações e as 3uas sym- 
patbias, e em o numero d^aquellas âeve de certo eotrar a 
facilidade com que ella appellidou a poesia de BuIbao.Pato 
poesia loura. Se, á maneira do que Saiole-Beuve escreveu, 
trataàdo de Alfredo de Vigaj, desejam expriíiaJr na pbrase 
poesia hnura a poesia pi^ra^ entbusiasta» cândida, a poesia 
íDgenoa e de expansivos e singelos affectos, talvez que o 
epjtbeto aao seja de todo descabido no poetar do sincero e 
apaixonado cantor; mas agora> se poesia loura querem que 
seja a poesia de indole buliçosa, doudejante, infantil^ tra- 
vessa, embora de simples e descuidosos devaneios» D'esse 
easo a qualificação não è de todo verdadeira, porque o au- 
€Íor da CmvaksceMe no ouiomno, da Helena^ da Visão do 
òaUci € de outros ítaotos poemetos inspirados pelo amor e 
pela saudade, é^um*. poeta intimo« affectuoso, melanchoUco^ 
«lègiaco até.e ourja candura de alma âiesaffoga em* ardentes 
<eôuav6s estropbes de sentimento lyrico. 

Nem tão pouco tme parece completa, e ainda meâos apro- 



160 LITTERATURA 

ximada a similbança dos instinclos poéticos de Bulhão Pato 
com o género de talento de Alfredo de Musset; ha evidente 
differença nas inspirações que mais habitualmente ínflammam 
o estro dos dois cantores, e de certo maior differença nos 
caminhos que seguem, nos aspectos naturaes com que sym- 
pathisam, e nos affectos que lhes accendem o coração e a 
phantasia. 

Nada mais diíQcil do que fazer classificações, e todavia, a 
critica abalança-se muitas vezes a este arbítrio, separando, 
analysando e qualificando o talento de qualquer escriptor 
por espécies e famílias, como o poderá fazer qualquer bo- 
tânico, tratando-se de famílias de plantas. D istp segue-se 
mais de um Linneu ter naufragado no empenho de simi- 
Ihantes divisões scientíQcas, por que realmente ha grande 
distancia entre pôr uma etiqueta sobre este arbusto eaquella 
flor, ou collocal-a sobre um poeta ou um prosador. 

Que, no nosso caso, a analyse e a divisão estão feitas. 
O talento de Alfredo de Musset apresenta um mi&to de By- 
ron e Sterne, em quanto que Bulhão Pato pertence á sen- 
timental e me.lancholica estirpe de almas apaixonadas, que 
em França tem por irmãos mad. de Yalmore e mad. Tastu, 
e que entre nós se apresenta como a expressão da verda- 
deira Índole da poesia peninsular. E se não fosse a anciã, 
que sempre houve entre nós, e muito mais nestes nossos 
tempos de fáceis e desejadas aclimações estrangeiras, de ir 
procurar fora aproximações d'estas, como se este baptismo 
estranho se tornasse indispensável á consagração dos nos- 
sos engenhos, se não fosse esta anciã, repetimos, facit seria 
encontrar, mesmo no parnaso portuguez, os congénitos e 
os illustres ascendentes da linhagem poética de Bulhão Pato. 
Analysando-lhe e seguindo com a vista a veia poética, que 
ora se derrama em tranquíllos e cr}'stalinos meandros, por 
éntré balseiras perfumadas, que, attrahidas pelo suavissimo 
sussurro do gracioso arroio, vem remírar-se na corrente 6 
beijar-Uie as aguas; ora correndo mais apressada e espa- 
mosa se esconde em grutas, onde o amor depositara seus 
mysterios ; ora volvendo atraz e enredando-se na selva, (im- 
para com uma gentil serrana, e ahi se demora em límpidos 
rodeios, como se tão seductor aspecto lhe immobilisara o 
nativo impulso; analysando e seguindo com os olhos todbs 
estes caprichosos gyros, quem não comprehende que a alma 
do poeta se anima de todos os sentimentos que o contacto 



LITTSaáTimA 101 

da formosura inflamma, e os diversos aspectos da natureza 
idealísam» e qup daqui sáe aquelle composto de lyrismo 
suave e affectuoso, que umas vezes toma as formas bucóli- 
cas, outras arde nos Ímpetos eróticos, outras emfim pro- 
cura 08 tons meigos e penetrantes da elegia» composta s^m- 
pathico e mavioso de que o nosso desditoso Macias é já o 
precursor, ainda que mal defíiiidov e Bernardim Ribeiro a 
nossa mais perfeita e gloriosa personificaçlk)?:! 

Quem nSo comprehende esta indole e esto parentesco ?! 

E do poeta das Saudades que descende em linba recta o 
auctor da Helena. Até ha incontestáveis pontos de analogia 
«Dtre muitos dos sentimentos, inspirações o até entre a pró- 
pria concepção poética dos dois trovadores E trovador eha*- 
marei a Bulhão Pato, porque elle, como João de Lemos, e 
como Thomaz Ribeiro, e talvez mais do que o primeiro, e 
tanto como o segundo, signifíca um dos naturalissimos fi- 
lhos doesta família peninsular. Na sua e:>trca o mostrou elle 
logo, na Revista Universal, Foi juislamente a ingenuidade, 
o gracioso desalinho d^aquella musa que, para se mostrar, 
nem procurava as pompas das metaphoras de Victor Hugo, 
nem os embevecimentos contemplativos de Lamartine, attra- 
biu a attenção e ^ympathia de todos. Quando a maAw parte 
dos nossos^ mancebos corriam azafutmados.a jurar bandeiras 
nas hostes gloriosas dos grandes mestres francezes, BulbiO 
Pato parecia só querer evocar do primeira e mais nilivo 
p^iodo da ipossa poesia aquella singeleza, aquella candura 
de affectos, aquella profunda edotorida saudade, que os 
cantores provençaes nos trouxeram, e que os poetas ivabes 
DOS deixaram e,que ãcou sendo a manifestação da nossa io- 
dote poetii^* 

É lesie o caracter ^a poesia peninsiulaf ^ e ninguém, como 
Bulhão Pato» a uão ser o auctor do D. Jaymei a sent6< e re- 
vela, «melhor. Nos mesmos verso$ emi\m parece affastarrse 
um pouco da natureza dos assumptos mais predilectos do 
aiaude antigo, n'esses mesmos respira. a simplicidade, os 
affaetos. tranquillo3« o. tom da suave e intima tristeza» qo^ 
4ão o S6U característico. Na Falha desbotada diz, por exem- 
plo o poeta: 

• ' '' 

. «l... ÉesttBaexiateDoia \ 

k tua estreiia dç amor! 
De amor puro, intenso, ardente, 
Maa que, opciuto eternamente, 

TOMO 1 li 



1G2 LftTERATtnU 

If O meu peito acará ! ': ' 

Que, uo infortúnio nascido, . 
Só conimigò tem vivido y 
E commigo morrerá. 

: Não será esta a ingenuidade, o affecto tocamie e singelo, 
a mesma aiifeencia de artifícios de estylo dos trovadores?!. 
Até as repetições âo mesmo penssnnenlo no trocadilho fi- 
naU uma dàs soas formulas mais usadas e caracteristicas. 
E D'«sta estrophe da poesia qde o auctor intitula voUas, 
não encontraremos nós da mesma sorte a própria maneira 
bucólica de Bernardim Ribeiro, a ponto de nt^sphreoer estar 
leDdo (á parte a dífTerença do progresso littérario das duas 
eâades) algumas das egiogas do auctor da Mmim e Moça? 

« * * ■ 

. ' ' ' ■ . • * ' • 

^ Agora entre as oiítras flores 

; ,. . Correm uns oertos fumores.... 

Quaes são, não sei ; mas ouvi 
Que as mais belfas da campina ' ' 

(Por quem és tão inyejada), • \ 

Quando hoje chamam por ti. 
Dizem— rosa namorada, 
à não ^ rosa pocpurina. 

Nlestes versos ha a graça do idyllío junto ao perfume 
8ua?e da egloga: é Rodrigues Lobo e Bernarâes ao mesmo 

tempo. 

Mas quem* me vir tão escrupuloso a inquirir assim a ori- 
gem e progénie poética de Bolhão Pato, talvez presuma que 
elte faz consistir seus tithlos de Qdalguia litteraria em ser 
perfitbado n'esta ou n'aquelkx eschola, e que* 'eu por lison- 
jear a vaidade do poeta» a mais feminil eHieticolosa de to» 
das as vaidades, me dei a esta tarefa de investigação de li- 
nhôgensi desentranha^ído do cadoz dos pergaminhos da ar- 
dieologia litteraria os seus àttestados de filiação. ' Pois se 
cuidam Isto; cuidam mali Bulhão Pato nonca'pensouom es- 
folai poéticas, e é justamente doesta' isenção de pensamen- 
tos que lhe resulta a liberdade que desde os prihieiros an- 
fi03 incoteara a individualidade do seb engenho. Bulhão- Pato 
cantaoomo o rooxmol trina, ôonío a rèia geme^ como a an- 
dorinha pipilla, sem outra mira. nem intuito senão o desa^ 
bafo dos Ímpetos que lhe agitam a alma, sem outro auxilio 
mais do que a nota espontânea e natural. Ê um poeta in- 
tuitivo, affectuoso e expansivo, e tão faciiem derramar la- 
grimas e mover-se a todos os transportes, tão debatidD e 



uraRAiURA 16S 

envergado pelos ventos da paixSo, t3o inspirado pelos aba- 
los Íntimos, tão estranho a escholas e arlificios da arte, que 
lendo-o, e, ainda mais, ouvíndo-o recitar os seas próprios 
versos com a veljemenòia e admirável naturalidade com^iae 
elle o& recita, to^na-se impossível não eoDSíderar a poesia 
como ifidependeAte de todo o flm convencional, e- deixar de 
ver D'elia o simples dom do poeta chorar, oompadetiBrtmi 
exaltar as suas angustias, envolvendo na melodia o seo spf» 
frimento. E é por isto que pertence, nio- lintetacionataneiilei 
mas pela organisação do seu ser poético, á mesma família 
de cantores naturaes e espont?ineos que, çm combinações 
rbythmicas de extrema singeleza, acol^^ni por únicas inspi- 
rações a natureza, a gloria e o amor. 

Nao confundam, todavia, a naturalidade d'este talento com 
a ligeireza que possa resultar de uma imaginação fácil, por- 
que Bulhão Pato é d'aquellas organisações em que seria até 
impossível separar o talento da sensibíUdade, e que, por 
um admirável accõrdo moral, e grande fundo de pathetico» 
nunca se apresenta deveras poeta, senão qtiando é amante 
ou vivamente impressionado. A sua faculdade poética liga-se 
á paixão, como o echo á vaga, e como a v^ga ao lago soli- 
tário. 

Ma pauvre lyre, c'est mon âme ! 

Pôde âi2er o poeta, e n'este verso resumirá 9 eseebcia At 

sua inspiração profunda e melancholica, mas aoattiaio teiftjMi 
espontânea e desartíQciosa. E isto explica-se. Foi no embate 
das contrariedades da vida, em lucta com as paixões, em- 
bora juvenis, porém sempre ardentes e acerbas, que o co- 
ração do mancebo modelou os seus solqço^,;S^m outro mes- 
tre senão a voz secreta da sua dôr. A lyra de Bulhão Pato 
nasceu uma lyra harmoniosa, mas uma lyra aSnada pelos 
insinuantes accordes da angustia. E qijiem foi que no pri- 
meiro dedilhar lhe arrancou logo accentos tão penetrantes 
e doloridos? Que ingratidão ou que infortúnio lhe misturou 
com innocentes amores os ais carpidos da saudade que se 
lastima, ainda no limiar da. vida, como Milieveye ou Soares 
de Passos? Talvez nos seguintes versos achetnos parte d'este 
segredo. 

Esvaeceu-se então oompletamenote • ' 
 meus olhos o anjo da candort, 
Das commoções diyinaS) da virtude, 
E achei-me só, perdido, faíce a face 



164 hvtastiktmjí 

. ' . i '. . < Ante o âeoiDiiio das paixões terrestceaJ 

, Déi-ibe. a mão, e senu n'um paroxismo 

i ' • < ' De desejo e de amor, fagir a vida. 



<"< 



Amargaá detíllusfies enchem a vida do poeta, umas ver^ 
dadenras, oafafas agravadas pela ardência da sua imagioa^o 
apaixonada. E n^este primeiro poemeto da Lelia estão re^ 
Bomtdosl oâiinystaríos da alma do affectuoso cantor. É na» 
tiRpaosSes deiírantes de um aGíecto cândido, que desabroxa 
este aibor: <É$^ minha, diz o poeta, 

«És mfaiha: do céo proveio 
O poder que a li me prende, 
Vtts èhrerso fogo accende 
teu e meu coração : 
. . Tu no mundo és a innocencia; 
Eu sou na terra a poesia; 
Tu dês-rae a toa alegria; 
Eu dou4e a minlia paixão 1 

' bòti^-te as somtras da tristeza, 
, ' . Qi» acertam sobre leu rosto» 

Como as sombras do sol posto 

2 ia rosa agreste do vai. 
ecebes irum mei^o abraço 
Meu profundo sentimento,' 
£ dás-me o contentamento 
Do teu seio virginal.» 

Mas a aurora doeste amor depressa se annuvia de nuvens 
de trísteia, porque logo depois o coração, feridoí da iogra^ 
tkiao,' exdama : 

guando a razão voilou, como o murmúrio 
á fresca viração da primavera, 
.0 sopro perfumado de seus lábios 
' . V^ba af{agar-me docemente a fronte. 
< ' * Os anileis io cabello ondado e negrov 

. , ' EspiKlgindo-se avaros procuravam 

Occuitar-me da vista aquelie seio. 
: lÉipatciente os affasto, devorando 
. Ifum beijo, em mil» am mundo de delicias, 
OU! como então no peito me pulava 
Ò coração vaidoso e tríumphante ! ' ' 

Noí langúiâd quebranto que socoede 
io febril desvario dos sentidos^ 
JuIia estava a meu lado: amortecida, 
Por entre a densa rama das pestanas, 
Partia a luz das languidas pupilias. 
Desmaiárft de amor a rosa esfilendida; 
E voltava de novo áouella face 
A pallidez do iTrio das campinas. 



LimHATinui 185 

Abatida e indolente, erguera â fropte; 
Caminhámos os do^ para aianetta: 
Os primeiros ctarõeB da madr ligada 
Vinham rompendo ]á lio l^ímainento. 
Chegava, emtlm, a hora; era forçoso 
Dizer adevd á seductora ima^in ! 

Que formosos versos! Como a paixão, pQogída ligeira- 
mente pelo espinho do remorso, desafoga n'estas ardentes 
estrophes, qae um attraclivo de melancolia torna mais insi- 
nuantes I 

Não resisto á tentação de ainda trasladar para aqui mais 
uma parte d'esta' c&mposiçâo. Agora o espirito diabólico» 
depois de haver apparecido ao poeta, e empsabado em per» 
der Lelia, fallalhe do seguinte modo : 

— «Um sacerdote ancião, que além habUa,. 
N'aquella ermida qae d'aqai se avista, 
Teima em não m'a deixar: tu só podias 
Âjudar-me a vencer n'esta batajiia. 
Inda ha pouco menti, quando te disse 
Ser tarde já para salvar a pomba. 
E tempo amda. Ohl vai! coUie as primiciaa 
D'aquelie coração que te idolatra: 
Tudo é iuz, seducção. amor. encanto, 
Na voz, no olhar, na lanffuíaa ternura 
Da rosa virginal que tu aespresas. • 
Anhelantes te esperam já seus Jabios; 
O seu peito infantil por ti suspira; 
No ouvido sente a voz dos teus protestos; 
O súbito rubor lhe aífronta as faces; 
Não a vês hesitar, tremer, fugir-te, 
Acercar-se outra vez, sorrir a furto, 
Escondendo nas mãos a fronte bella, 
De novo inda luctar, mas Já sem forças, 
Cahir por fim num languido defiqutot 
Ohl corre a ser feliz em braços a'elia1» 
Um momento depois d'estas palavras, 
Em doce consonância estranhas vozes, 
De improviso romperiun n'este canto: 

—«Seja a breve passagem da vida 

Uma serie de ardentes delírios ; 

Queoi procura colher os marmioa ^ 

Quando existem as rosas em flor? 

Venturosos ergamos as taças, 

Onde brilha o licor purpurino, 

È doltemos as vozes n'um hymno i 

Consagrado aos deleites do amor f 

Vem, poeta: as tristezas do mundo ! 

Não comprimem iámais nossas almas ; 
Nds cercamos de floridas palmas 
Á existência votada ao prazer l 



166 UTTERATURA 

O que importa que a noite succeda 
Aos sorríaos do astro .diurno? 
Para nós o astro nocturno 
Ifil delicias nos torna a traser!» 

Apossou-se de mim o immundo espírito. 
~« Sou teu, ó tentador, emflm lhe disse: 
Ao teu fatal poder entrego esta almal 

Size, dize, onde está esaa q[ue eu vejo, 
as que procuro em vão cmgir nos braços f> 
•r* «Onde está ? Vaes sabel-o ; e n!um mosnoito 
A seus pés cairás ébrio de goso!» 

Ao secreto aposento, onde Jazia 
 Tirgem de nwusjSonJios, me dirige 
O torpe embaidpr. Entro em delírio, 
B ardendo em chammas de brutaes desejos, 
No casto ninho onde vivia a pomba. 
De repente uma luz serena e branda 
Yeiu alegrar as trevas da minh'alma. 
Outra vez á rasáo volto, e que vejo? 
Ante mim tenerando sacerdote, 
Pondo-me ao peito a cruz que mais tarde 
A enganadora Júlia me roubara. ' 
Leiia a seu lado, com as mãos erguidas^. 
E os olhos postos no sagrado emblema, 
Estas doces palavras me dizia: 

— « Deixou-te o negro espirito ! 
Feli^ de novo agora, . 
Sorn tua alma em, extasi 
Ao ver a pura aurora, 
Da qual somente é nuncia 
Na terra a humilde cruz I 
Só ella, eterno símbolo 
De amor e de. piedade, 
firilha no mundo esplendida, 
£ diz á humanidade: 
Surge dais trevas lúgubres, 
Ascende á etherea luz I 



Mpi de propósito transcrevi mais amplamente parte d'esta 
poesia, para evidenciar a modiQcação que pareceu operar-se 
DO espirito do poeta. Sem perder de todo a singeleza pri- 
mitiva, aquella graciosa singeleza de cândidos affectos, que 
de certo fez appellidar a sua poeâia de poesia loura, Bulhão 
Pato deixa entrever na Lelía, ainda atravez da antiga exal- 
tação e do seu verdadeiro e .sincero enthusiasmo, uns lon- 
ges do sarcasmo de Âflfbnso Karr e do azedume satyrico de 
Byron. Mas isto é uma concessão á época. O prurido da 
analyse, esta incurável enfermidade de nossos dias, que tem 
ido embotando nos espíritos os mais Dobres e gèuerosos 
impulsos, e semeado o desalento e a desesperança por muito 



UTTERATDEA 167 

espirito, tentou talvez o poeta, mas n3o o venceu. Foi o Sa- 
tanaz da saciedade pervertida, como elle mesmo o Ogura, 
que o levou até á beira do abysmo, onde, uma vez preci- 
pitado, o talento perde as azas cândidas da sua innocencia 
primitiva, esquece de todo as imagens risonhas dos hori- 
sontes por onde espairecera as íllusoes mais queridas do 
seu viver, e mal respira nas lobregas entranhas onde se 
passam as grandes misérias humanas. O poeta, n'este triste 
estado, deixa a penna dourada das nativas concepções, e 
trava do escalpelo que disseca uma por uma as fibras do 
coração; já nâo é o cantor singelo dos santos e nobres affec- 
tos, é o analysla cáustico e ameaçador das nossas fraquezas. 
Porém, a boa tempera da índole poética de Bulhão Pato 
salvou-o a tempo. Nada mais dvêsso aos seus instinctos, ás 
suas predilecções, ao jacto natural, limpido e sereno da sua 
veia, do que as irrupções abruptas do estro doestes poetas- 
moralistas, doestes libellislás metrilicadores, mistura inces* 
tuosa de Rabelais e Jeremias, que apregoam bem alto os 
defeitos do mundo, que fingem até condoerem-se d'elles, 
para mais facilmente esconderem . os seus. E Bulhão Pato, 
um momento transviado das antigas predilecções, logo mos- 
trou sua natural e directa projiensão, compondo a inspirada 
dedicação a Helena, a sua ultima composição poética ^ e 
que é um regresso felicissimo aos primeiros tempos do seu 
singelo e affectuoso poetar. Que pena não a poder trasladar 
para aqui por inteiro! Mâs já' nas primeiras estrophes o lei- 
tor conhece a verdade. dp que fica escripto. 

Lembras-te, Helena, o dia em que deixámos 
O teu saudoso valle, è lentamente 
Pela elevada encosta caminhámos? 

O sol do estio ardente 
Já não brilhava nos frondosos ramos ' 

Do arvoredo virente. 
Chegara o íim do outono: a natureza, 
Sem ter os mimos da estação festiva, 
l(em aquelle esplendor e gentileza 

QuR tem na. quadra estiva, 

l^a languida tristeza, . 

Na luz Dranda e serena 

D 'aquelle ameno dia, 

. Que immensa poesia, . 
E que saudade respirava. Helena I 



• N'esta época, em 1862, data d'este artigo, esta poesia havia sido a ul- 
tima, . .•..;•'■ . . • . }' • i / . 



1S8 LirrsnATimA 

* 

Subindo pelo monte, 
Cbegámos ao casal, onde habitava 

k tua prote^da, 
AqoBlla pobre anoli> qns se agatravii 

Aos restos d'esta vidai 
Assim que te avistou, erffueu a fronte, 
Curvada ao peso de tão longa idade, 

Sorriodo nesse instante 
Com tal vida, que a luz da mocidade 
Parecia alegrar o seu semblante! 



Vinte annos tu contavas nesse dia: 

A flel servidora 
Era Ji primeira vei que náo pedia 
Deixar a casa ao despontar da aurora, 

È, cheia de alegria, 
Gamhibar para o vaile como ontrVyra, 
Depor uma lembrança em teu regae^, 
É unir-te ao coração n'um meigo abraço! 

Tu, na força da vida, 
Gircumdada de luz e formosura, 
Foste levar á pobre desvalida 

Os dons do lar paterno; 
Alegrar com teu riso de ternara 

Aquelle frio inverno! 

Ao ver-te, com teus braços 
Nos seus braços senis entreiaçados, 
A ventura nos olhos encantados, 
A inspiração na fronte deslumbrante, 
Afigurott-mo então o pensameato 
Ver um anjo descido dos espaços, 

D*aspecto fulgurante, 
Enviado por Deus nesse momento. 
Para animar os derradeiros dias 
De quem, cançado do lidar constante. 
Abre o seio ná morte ás alegrias! 

As ia^rymas de gosto 

Cornam cristalinas 
No rosto d'ella e no teu bello rosto I 
Como orvalhos do céo aquelles prantos, 
Um brilhava na hera das ruinas, 
Outro na flor de festivaes encantos, 

Na rosa das campioas. 

Suando voltaste a mim. illiiminava 
teu semblante mna alegria in&iâa; 
Depois quizesfte ainda 
Ir visitar a ermida que ílcáTa 

No ápice do monte. 
Firmaste-te ao meu braço, e caminhamos. 

No esplendido bmsonte 
Já declinava o sol, quando* chegamos. 

É exactamente a mesma simplicidade de formas, a mesma 



LirrfiRATURA 169 

pureza de affectos, o mesmo expansivo e natural desabafo 
do coração, sempre aberto ao amor e que o aspecto melan- 
cbolico dos campos enche de saudade. 

Onde se sente mais isto é na sentidissima elegia, leívada» 
como uma saudade sem esperança, á sepultura de Salvador 
Corrêa de Sá, amigo de infância de Bulhão Pato. Parece 
que o anjo da dôr, depois de ter enchido a sua urna das 
lagrimas da amizade, as infiltrara todas no coração do poeta. 
Só um talento que tão de perto vive dos impulsos do co- 
ração,, poderia encontrar accentos de l3o viva e penetrante 
agonia. Vejam se não ha nos versos que vão seguir-se al- 
guma coisa do sentimento intimo e delicado, «que unica- 
mente pertence ao aíTecto maternal! É a mesma exquisita 
sensibilidade, . o mesmo conjnnelo de sensações aillictivas 
desentranhadas dos seios de alma, e coloridas pela eloquên- 
cia das dores sem consolação. 



«Bem sei que era exUio a terra 
«Para ti, anjo do céo ! 
«Porém, filfia, abaodonares-me, 
«Quando toda a minha vida 
«Era a luz d'um olhar teu, 
«Ouvir essa vo2 infante, 
«Ver a impaciente alegria 
«De teu cândido semblante! 

«Deixar-me assim na existência, 
«Triste, só, desamparado^ 
«Âquella flor de innocencial 
«Que lhe flz? Tinba-a creado 
«De quanto amor n'esle mundo 
«Peia mão da Providencia 
«A peito de homem foi dado ! 
«Oh! que affecto tão profUndo! 
«E tu podeste partir?! 
«Pois não tiveste piedade 
«Desta solemne amargura, 
«Desta infinita saudade?! 
«Vi-te inda olhar-me, e sorrir, 
«Erguer os olhos aos céos, 

«No instante de proferir 
«0 fatai e extremo adeus! 

« , , 

« .....,,. 

«Ofal volve outra vez a mim, 
«Desce á terra, anjo do céo, 
«Yem dar-me a ventura eimmn! 

<*......... » . , , i , 

« , 

«Olha; o vivo sol de abril 



170 LITTERATURA 

«Já nestes campos rompeu; 
«As rosas desaoroxaram, 
«O rouxinol de prendeu 
«A voz em saudosos Qantos; 
«Os sitios onde passaram 
«Os teus descuidados annos, 
«Mo os vês cheios de encantos? 
«São estes! A' mesma fonte 
«Ferve além; n'aqueiie outeiro 
«O meu casal alvefa; 
«As ramas do verde olmeiro 
«Dão sombra á modesta igreja, 
«Onde tu vinhas resar, 
«Quando o som da Ave-Maria, 
«S'hora meiffa do soi-posto, 
«De vaga melancolia 
«Toldava teu bello rosto. 
«Tudo o mesmo !... esta inscripção !... 
«Este nome!... anjo do céo, 
• ' «Este nome, fl lha, é teu! 

«Oh! meu Deus, por copipaixão, 

«Na mesma pedra singela, 

« Juntae o meu nome ap deilal» 



E Deos ouviu a oração... 
O mesmo tumulo encerra 
Filha e pae. Na mesma lousa, 
Onde repousam na terra, 
Uma lagrima saudosa 
Vem hoje depor também 
A esposa, a viuva, a mãe! 



Um dos mais subidos méritos de Bulhão Pato é a conci- 
são admirável do seu estylo, concisão que elle leva aos ver- 
dadeiros resultados dos grandes mestres, principalmente 
quando bosqueja os painéis da natureza. Os aspectos diante 
dos quaes a sua musa parece embevecer-se, são sempre sim- 
ples e tristes, como a índole do poeta. O pôr-do-sol, o cair 
das folhas do outomno, o adro áe uma aldeia, o casal que 
alveja ao longe por entre as cristas da serrania, são, em 
geral, as scenas que a phantasia se compraz de lhe aproxi- 
mar, de contornar, e que lhe torna como os horisontes per- 
manentes da sua existência poética. Mas ha sempre um vivo 
sentimento de poesia n'estas pinturas; e é observando-as, 
6 estudando-lhes os effeitos que a sua impressão nos pro- 
duz, que se percebe bem que secretos dons de influencia 
moral exercem n'alma estas combinações, em que o poeta 
parece chegar a ser pintar, po.rque o pintor, para o ser ver- 
dadeiramente, não pôde deixar de ser poeta. Alguns exem- 
plos, colhidos aqui e acalá, explicam isto melhor que todas 



UTTBKAJIHIA 171 



as analyses. Vejam se cobIí linhas mais síDgelas se pôde es*: 
boçar quadro maiis ampla e solemoe, 

,*"''• ', 

Nas nossas almas exista um mundo 

Deindefinitoamof; 

Do pélago profuBdo, . 

Onde ruçe o faror 
Insano, concentrado, atroz; maldicto, 

D'e8ta arnenta auôrra- 

Das amt)iç^e8 da terra, 
Nem uma matdiçào, um som, um grito 

Nos vinha pel^tarbar ! 
Bra a ampUdio do. céo, a ttolidão da serrm 

Ao Ipnge... a voz do mar! 

Qae magestade e simplicidade de líDbasI Outro quadro 
d3o menos verdadeiro: 

Daquelle pobre casal, 
O fumo que vae subindo, 
Em ondulante espiral. 
Não diz que em volta do lar 
Se reúne a pobre gente, 
Que já de perte presente, 
frio inverno cnegar? 

Quita não saberia traçar melhor este painel campesino. 

Agora este outro que parece sair da palheta suave e me- 
lancholica de Gessner. Ha n'elle o sentimento dos mágicos 
affectos da natureza, que tâo bem comprehende e exprime 
a musa allemã. 

£ra singelo, mas sublime o quadro I 

Em roda o mato agreste; 
No meio a pobre ermida; ao lado d'ella 

Dm secular cypreste; 

E sobre a cruz do adro, * 

Pendente, uma capella 
De algumas tristes, desbotadas flores, 
Talvez emblema de profundas dores ! 

• 

Bulhão Pato também algumas vezes tem ensaiado o gé- 
nero satyrico, e com felicidade, como se vê pela poesia o 
BrindBy que é um desfechar constante de epygrammas con- 
tra algumas das grutescas personificações da nossa comedia 
politica. Comtudp eu prefiro, declaro-o francamente, ver tão 
bello estro sem abater os voos a estes charcos. As suas ten- 
dências são outras, e mui diversas. O talento que vive do 
coração, a mente que se inflamma com o fogo dos sentimen- 
tos nobres e serenos, não pôde prestar-se a acceitar em o 



172 unnsBAtimA 

namero de soas preditecçOes ass^umptos r€f>ugnairtes» e cujo 
hálito cresta sempre as asas cândidas d« inspiraçSo. Qm 
Bulhão Pato è o primeiro a repellir, com o seu desdém» 
estas lastimáveis individualidades, dignas só de attrahirem 
as iras do libellista; e nas raras horas 0m que a sua musa 
lhe tem emprestado algumas expressões de zombaria con- 
tra taes creaturas, ha sido sempre com a hombridade e de- 
sabrimento de quem àpplica unoa correcçSo por força de 
necessidade: é antes uma pirraça do ^enio insoffrido do 
mancebo, que um desafogo do poeta. Este n3o se rebaixa- 
ria a tanto. 

Agosto— 1862. 



SXVISTA LXTTEHARU DO ASNO DE 1865 



Passou O aoDo de I85II. 

É mais um passo dado Da vida dos homéns<; é mais um 
período decorrido na existência das nações, é mais um in$r 
tante submergido na vorageoa dos tampos; é i^ais um capi- 
tulo cerrado ua bi$taria das elucubrações do espirito e. da 
ímagínac9(^,. 

Debaii^o doeste ultimo poqto de visia, n3o se pôde dizer 
qm o aoikode 1855 deixasse de correr feriil e florescente 
para nós. Diz um escriptor celebre que as grandes catastro- 
pbes doa.acoatecimantos da vida,, qmos grande especta- 
iCjuios dos povcs em conflicto acceindem a inspiraçlk) aus 
maiores génios, e affogan) as vocações, iodistínetas no trop^ 
doft siiocesâos do muodo exterior. 

Entre nós deuTse a e«\cepc3o. 

No meio doeste immenso movioaeato dos espíritos e dos 
fsctos que arrasta a Europa para> destinos aiod^ bem pouco 
definidor, é lisongeirQ ver Portogal^ como albieiado d'essia 
febre reaccionária,: que tem ^rimdo poyos e reiis uns eontca 
08 outros, ir progredindo na &ua[ tarejfa: de civilísaçSo. Ele 
balde o céu se toldo de grossas nuveqs^ ao \wg^, debaldie 
o sdntillar do relaiiàp^o e o ribombo do trov3o annunciam 
a guerra e o extermínio, porque a ab/elba diligente e inoes^ 
sante pjpir entre oa esplendidos viergeisi atraveg ,da mais fe^ 
rax e virente vegetação^ vae colhendo o mel de cada dia, « 
depositando^) n'e0se edifioio, sempre crescente, chamado 
illustraçio de um po^o^ 

Sentados no limiar do anno q»e se abre, e alada mal dea^ 
pedidos d'aqueUe que 9nda» e grato realmente alongar íms 



174 LITTERATURA 



olhos pelo espectáculo que formam essôs génios fadados, 
esses engenhos brilhantes, essas vocações desenvolvidas pelo 
esforço e pelo estudo, pela perseverança e pela meditação, 
esses nobres corações que se obstinam, em despeito das 
contrariedades da vida, a caminhar para o futuro, que um 
sentimento intimo lhes indica. A historia e o romance, o 
drama e a critica ligeira, o poema e a comedia, tudo ahi 
Qgura. E senão apresentamos quantidade de obras equiva- 
lente ao movimento arinuM da França e da Allemanha, d*es- 
ses paizes onde as faculdades tfa mtelligencia paréôbm mul- 
tiplicar-se, atestando-o em monumentos que de dia para dia 
mais enriquecem aquelle verdadeiro império do saber e do 
atticismo, se isto não acontece, muitos livros de valia se 
vão produzindo entre nós que sugprem, pelo valor intrín- 
seco, outros que não se recomniéndam senão pelos ddtes 
da pbamtasia, e, quando muito; pelos fulgores de am esfylo 
deslumbraftle. 

É sobrertyaneira diíficil á tarefa a iqad nbs propozemos: 
passar revista, em patacas paginas, aos trabalhos litteraríos 
de 1855. N'um tão pequeno circulo torna-se indispensável 
resumir ou apresentar ò substtiaclo de oma obra em breves 
palavras, encargo penoso èm que d concisão nein sempre 
triumpha da díffietíldade. * < . • 

N*este trabalho poremosf de fora, além d'esbas publicações 
que nascem logo marcadas coto o sêl lo da morte, t oatràs 
que desappárecem no redemoinhar dos acontecimentos sem 
despertar a attenção publicti, tíem mesififo^consegnit^m amos^ 
trar-se á superflcie da publieídado, poremos de fóra,'reí)e- 
timos, o jornalismo polttíco, essa inumensa elaboração do 
espírito 'e da imaginação que acoitda db m^anhã para notorrer 
é noite; complexo' de talettto *é Ècíencte da vida, de prelAi- 
dencia e temeridade, de fhMtlft e cholera> de persevisrat^ii^ 
tfd ataque e oontfamácíade^fepalsa, ({tte^^cititilla e se apaga 
na atmosphera das paixões polilícas; Ilda vertiginosa onde 
as pequenas misérias e as aspirações ftíMs nobres, onde Gha- 
teaubríand e Marat;, Vlllele^ d Thifers ou o mais obscoro es* 
criblero, Victor Hugo OU' o tniH ignóbil foUcularío, 6So 
eraalmente hei^oet^ ou pygtiíeus, ^segundo a 'aberraç6o< dos 
fanáticos políticos O a tyrannia da^ cvrcumstaneras/ '* ' 

Mas no meio de todas estas alternativas;' aueP'poderao de* 
primír o fcaracter^ do escHptor político, visto atraVez^do 
prisma das paixões facciosas, ha uma qualidade, aquella qae 



IJtTEIUTDlML 175 

mais se.oppSe âo natural orçulho do homem de letrias, que 
fii&guem Ibe poderá disputar, e que só de per si resume o 
sefD panégyrico e o exalta no conceito da critica desaftaixo- 
•nada: esta qualidade é a abnegação da sua individualidade 
como operário do já rmmenso e<Jificio da imprensa diária. 
Quantos periódicos publicam quotidianamente artigos que 
só em si bastavam a fazer e proclamar uma reputação e 
cujos auctores morrem absorvidos no seio d'essa entidade 
collectiva chamada jornal?! Ouvem em roda de si exaltar 
os rasgos do seu espirito, a elevação das suas considera- 
ções políticas ou sociaes, a sua previdência no futuro dos 
successos públicos, e, anonyraos e recolhidos, assistem como 
espectadores aos seus próprios triomphos, tendo de des- 
.apparecer por detraz do titulo da obra de que são alma e 
inspiração I 

^ Lei fatal da civilisação moderna que tende, em todas ais 
sua» manifestações, a fazer desapparecer o homem, a enti- 
-dade individual, no seio do complexo das suas mais esplen- 
didas maravilhas, deixando-llie apenas o goso intimo de ha- 
ver cooperado para esses documentos de sabedoria é anda- 
da, que se erguem sob o influxo commum de muitos de- 
sejos, vontades e intelligencias ! 
. Paremos o primeiro logar á historia, n'esta revista. 

Não seria n'este caso que, com direito, Voltaire pOdesse 
dizer de nós o que disse dos seus: La France fourmille 
^historiem et manque d^ecrivains. Três dos nossos escii- 
ptores mais brilhantes, que dispõem de todas as galas do ed- 
fylo e dominam a língua como mestres, seoccupam acfual- 
menlede trabalhos hisioricos: os srs. Alexandre Herculano, 
Rebelk) da SilVa, e Mendes Leal. 

O primeiro de todos, o grande escriptor, o areheologo 
infatigável, o sr. Alexandre Herculano, começou o anno pas- 
sado uih precioso trabalho de investigação e critica phllo- 
sophioa sobre uma das instituições mais notáveis que aircf- 
xaram 06 povos e malicham a historia. O volume publicado 
Díi origem e eêtabeiecmento tía inquiaíção èm P&rt^gúh 
tétn^^^a importância de uma d'aq\]ellas obras ()ue foritiam um 
nome, ou, para melhor di2er, qde não podem éer produzi- 
das senão por historiadores da ordem d'aquelles, que^PM^ 
iQSfal, oom justa vaidade, pôde 'já coliocar a pa^-ée Sbbl^ 
geU Herder, Thierry ou Guizot. O sr. Alexandre Herculano 
é um d'aquelles espíritos eminentes, iniciados na fÓrma dè 



4octrína e n'aqciell6 methodo úq além do TXhem que, para 
chegar aos resultados puramente philosophieos» taes como 
os presencea o nosso século, iem passado gradualmeote 
pelas lentas estações de uma exegese successiva. Ningbem 
melhor do que elle aprecia esse mixto indeflnivel de raeio- 
nalismo e de fé, de arrojo scientiOco e de reserva rafleiiva, 
que se tem por tanto tempo mantido em equilíbrio nas pro- 
fundas ínteilígencias dos philosophos allemães, e que entre 
BÓs importa uma excepção, e cujo exenoiplo único que co- 
nhecemos está represeniado no bomem^ que tem, desde as 
épocas mais obscuras e rebeldes á analysd, reconstruindo a 
nossa historia. 

Bico de conhecimentos sobre os tempos decorridos, ani- 
mado por aquelle ardor de erudição que dá. valor a tudo» 
que nSo despresa um accidente, que nâo passa indiffereote 
por uma feição característica, o seu livro Da origem e esta- 
belecimenio da Inquisição em Portugal é um dos resulta- 
dos das suas porfiadas escavações, feitas n'uma longa pere- 
grinação atravez dos séculos xvi e xvii. Foi um trabalho re- 
^altanle de outros mais vastos e completos, ou, para ma- 
Ibor dizer, foi um novo edincio erguido com os materíaes 
predispostos e talhados para a nossa historia geral. 

Um livro doestes não se analysa n*uma revista ligeira,, que, 
^ i9ua carreira precipitada e veloz, apenas tem tempo, para 
se curvar, aqui e alli, ante os grandes monuaientos ergiÂ- 
4ps pelo talento e venerados pela estima publica: o qiae ha 
a faaer é cital-os. É o que fazemos. 

Mas passemos agora a outra obra, a uma d'estas obras 
cuja puUicação caminha lentamente, mas caminha, e qoe 
tem como suspensa a anciedade dos amadores das letraB 
ejn longos períodos. 

São os grandes themas qne elevam á sua verdadeira ai- 
iura os espirítos fadados a illuminarem com a luz da ot^er- 
vação.^ da critica os pontos mais difficeis da historia. Não 
ba milito tempo que Rémusat, o hi&toríador das maia bel- 
\à%^ figm^is do século XVI, publicava am excellente trabalho 
^bre Santo Anselmo de Gantorbery; e qnasi apar Ville- 
4iiam, n^aquelle grande estalo em que se elevais verdadei- 
ras eminências da pbilologia-ditactica^ escrevia o elogio de 
ikiDtQ Xml^rosió. N^esse mesino anno, e quasi pelos iqes- 
ÍQOS meaes, começava o sr^ fiebello da Silva os seus Foc- 
los da Egreja. 



UTTERATURA 177 

Esta coincidência, n'oma época em que os espiritos pare- 
ce descerem tanto ao positivo da vitla, e em que a própria 
litteratura, em todas as suas manifestações, se consagra aos 
assumptos mais repugnantemente humanos da sociedade 
existente, é de festejar para aquelies qm aioda se compra- 
zefflf de ver os gra^ndes engenhos duplicadamente empenha- 
dos na carreira das letras e da religião. 

E nenhuma obra allia melhor estas duas apreciáveis qua- 
lidades que a dos Fastos da Egreja. De género narrativo, 
mas n'aquelle estylo levantado pelas altas considerações phi" 
losophicas que tantas vezes approximam o auctor de muitos 
dos melhores periodos do Gmio do Christianismo, acham- 
se alli quadros que respiram a sublimidade caracteristica dos 
grandes vultos da egreja grega e latina, traçados pela penna 
de Viliemain, e toda a unção e erudição religiosa do abbade 
Guené. 

todavia quizeramos que o plano d'esta publicação fosse 
mais amplo, e que a concepção abrangesse o christianismo 
em< todo o seu influxo morai e civilisador da historia*. Chris- 
to, não como o primeiro dos santos, mas como o primeira 
dos philosophos moralistas; os apóstolos e os evangelistas 
considerados como os principaes obreiros do immenso e 
magnifico ediflcio sob que se abriga hoje quasi o mundo 
culto, chamado catholicismo; as épocas mais florescentes 
da egreja primitiva, representadas nos séculos III, IV e XVH 
pelos seus luminares mais esplendidos de eloquência e sa<- 
ber, como Santo Agostinho e Santo Hylario, S. João Chry- 
sostomo e Santo Athanasio^ Bossuet e Fenelon, tudo isto 
fdrma um quadro grandioso, em que o christianismo flgura 
como a base da civilisação moderna, & o seu influxo moral 
mais fecundo é directo. Era no seio d'estes hortsontes sem 
limites para os voos de uma penna que tanto se eleva, que 
desejaríamos ver assente este novo monumento littepario do 
fecundo escriptor. 

Mas é preciso caminhar, porque o talento sempre vivaz 
e fértil de Rebello da Silva é d'aquelles que nunca empre-> 
gam todas as suas faculdades n'um assumpto único, por 
mais elevado; e a critica, ainda ligeira e quasi que simples- 
mente expositora de uma revista, mal o pôde acompanhar 
na multiplicidade de suas prodiícções. Este bello engenho, 
tão fácil em reproduzir-se em todas as fórmas da arte, e 
n'um estylo que é sdnda mais um reStíiíO da força imagina* 

TOMO I 12 



178 LITTERATtmA 

tiva do que o resultado dos seus grandes dotes íilterariQs, 
profunda e triumpha dos melhores ramos das lettras com 
egu^l êxito e facilidade. Âo romance hístorrco temos mais 
dois livros a acrescentar: no Panorama, a Pena de Talião; 
e na. Pátria, a Tomada de Ceuta. Estes romances, como 
todos do auctor, excepto a Mocidade de D. João ?, de um 
género distincto» filiam-se na escola implantada peto sr. Ale- 
xandre Herculano, e cujo chefe è Waller Scòtt, e signiflcam 
um bello trabalho de erudição, onde o leitor encontra o es- 
boço de varias épocas e personagens mais gigantes da nossa 
historia, reproduzidas com a verdade daguerreotypica. 

O theatro, n'um dos seus maiores vultos, despertou tam- 
bém ao sr. Rebello da Silva uma das mais primorosas ver- 
sões que pôde figurar na scena portugueza. O Othello de 
Shakspeare achou todo o vigor d^aquella paixão intensa, 
cega, selvática, na energia e colorido esplendido do estylo 
do nosso escriptor. É mais que uma imitação, é um traba- 
lho no género dos de Ducis e Le^Bron, porém trabalho em 
que nenliuma das bellezas dramáticas do poeta inglez per- 
de cousa alguma da sua vehemencia e conlraste, approxi- 
madas das conveniências da scena moderna. 

Os sangrentos espectáculos das nações em conflicto tam- 
bém acharam entre nós um historiador consciencioso na 
apreciação dos factos, e vehemente e orhado no estylo. A 
Historia da Guerra do Orientei pelo sr. Mendes Leal, abre- 
Ihe mais um titulo â consideração da critica. É um novo 
género litterario que encetou com applauso. Sobre essa 
nova Iliada cujo theatro se estende do Már*Negro ao Bálti- 
co, a França tem escripto com que fartar a saciedade de mil 
bibliomaniacos. Só as correspondências diplomáticas -inser- 
tas no Invalido Rmso, e sobre as folhas do Times, dão que 
ler por um anno a setenta políticos. Mas a mesma multi- 
plicidade traz o labyrintho. Aqui o quod abundai, nocet. O 
leitor curioso, que queira tomar o fio d'essa serie de peri- 
pécias, que ' arrastam as nações para destinos por ora des- 
conhecidos, tem mais difflculdade, no seio d'essas rumas 
de publicações que os prelos francezes atiram todos os dias 
a- lume, em escolher que de encontrar o livro cabal e op* 
portuno, que o ponha ao corrente de todos os mysterios, 
acontecimentos e catastrophes d'essa guerra fatal. 

Porém» no meio de toda^ssa abundância de trabalho, de 
investigação, de compulsaçSo de documentos diplomáticos 



LFITERATOáx 179 

e históricos, de critério e arrojo de vistas politicas, a obraf^ 
do sr. Mendes Leal possue o seu mérito, e vendadeirov É* 
como o subslracto de tudo isto, mas exposto óòm lucidez, 
deduzido com fidelidade chronologica, enriquecido com per-' 
spicacia de observação e critério, e narrado n'tim ebiylo,; 
que, sem perder nada da gravidade histórica, se ergue pOf' 
v«zes à altura de apreciáveis considerações philosophicas: 
Esta obra começou o anno pasáado e já vae no 3.*^ volume. 

Comtudo, um dos mais esplendidos acontecimentos Htte-. 
rarios do anno, e que ainda pertence ao sr. Mendes Leal, . 
é por certo a sua comedia em verso, a Herança do Ghan^ 
cieller. O auctor póde-se com justiça jactar de ter resusci- 
lado uma forma da arte, esquecida nos monumentos de Gil 
Vicente e Calderon, applicando-a ao género que melhor se 
lhe combina na scena. Os espíritos levianos viram* n-isto uma- 
autigualha, um archaismo no que elles julgam progressos 
da arte; nós vimos uma apropriação e um esmero littera- 
rio. É aquelle o verdadeiro molde peninsular da comedia. • 

Não se atterrem os perdidos de amores pelo repertório 
francez, que aqueila forma pôde ser alargada, ampliada e 
prestar-se a todas as exigências da comedia moderna. E de- 
pois, como a redondílha, o mais popular de todos os nos« 
SOS metros, aquelle em que naturalmente se vasam os con- 
ceitos do nosso idioma e mais se coaduna com a sua indole 
e phraseologia, como se presta ao estylo salyrico e descui- 
doso, familiar e dialogado da comedia! Quem o duvida que 
leia a Herança do Chanceller, e conhecerá como o lyrismo, 
afinado pelas sensações populares, logra attingir toda a al- 
tura na phantasia do poeta, e romper cm bellos trechos de' 
enthusiasmo patriótico ou de melancholia e amor. 

No anno decorrido publicou o sr. Mendes Leal o seu 
Homem de Ouro. É um dos membros d'essa trilogia, ence- 
tada com os Homens de mármore, e que mais tarde com-* 
pletarão os Homens de Bem. Os poetas costumam não ter: 
palavra em assumptos d'estes. Deus queira que o sr. Mendes 
Leal rehabilite a família, inteirando a sua obra. 

Não fecharemos o capitulo consagrado ao í Ilustre escrip- 
tor sem catalogarmos mais um dos seus bellos voos poéti- 
cos. A poesia consagrada a memorar a morle do visconde 
de Almeida Garrett, no theatro de D. Maria II, se não viu 
a luz da estampa, teve comtudo a publicidade da scena. É 
um trecho repassado de saudade e nobreza, em que o poeta 



180 UTTiSRATURA 

mos alevaotou bem solenmeinente o volto, qae o cantor de. 
Camões já projecta na posteridade. 

. Da historia á politica ^ traosiçâo é fácil. A historia resu- 
me os diversos períodos que abrangem a existência dos 
povos, e estes, subordinados ao regimen dos governos cons- 
tiluidos» demonstram a politica das nagôes. Nao são estas 
porém» as idéas do sr. D. José de Lacerda, na sua obra 
Da forma dos^ governos com respeito á prosperidade dos 
povos. A natureza dos governos, para o illustre deão da sé 
patriarchal, é um facto indifferente á ventura ou infelicidade 
de qualquer pai^,. como se a organisação d'uma sociedade, 
ainda a mais alheia ás verdadeiras instituições de uma po- 
litica aprecia veU possa dar- se sem o principio de governo, 
e este, SQJa qualquer que fõr a sua forma, despótica ou de- 
mocrática, monarchica ou republicana, se não reflicta em 
todos os seus effeitos no viver intimo e exterior de um povo. 
Mas o sr. D. José de Lacerda percorre a historia antiga e 
moderna, e apontando-nos para as grandes convulsões dos 
impérios, para as suas épocas de florescência ou angus- 
tiosa oppressão, affirma-nos que essas se deram tanto na 
Athenas de Milciades, Themistocles e Aristides, como na 
Athenas dos trinta tyrannos, tanto na Roma dos Césares,, 
tanto na Europa dos reis, como na Europa republicana:. To- 
davia a apreciação é errada. O esclarecido escriptor avalia 
a organisação dos governos segundo os defeitos dos homens, 
e attribue á natureza politica o que pertence exlusivamente 
á Índole humana. Condemna os systemas na forma abstracta» 
e não nos actos d'aquelles, que, tornando-se seus interpretes 
e instrumentos, os protrahem e pervertem. É a inversão 
dos termos fundamentaes do problema que leva o sr. D. José 
de Lacerda a conclusões, que os mesmos factos que apon- 
ta» combatem. Sem irmos mais longe comparemos a Rússia 
com a Bélgica, e veremos quão diversa é a sorte dos dous 
povos. Mas é porque ahi os systemas» representativo e au- 
tocrático, reflectem-se directamente em todas as condições 
da sua existência social. É alli que se pôde apreciar a or- 
ganisação politica, pura nos seus efl'eitos, os quaes o au- 
ctor Da forma dos governos toma indifferente e promiscua- 
mente para as suas conclusões, quer derivem da natureza 
dos systemas políticos, quer da cubica ou tyrannia dos go- 
vernantes. 

E comtudo» este erro não parte do entendimento» parte 



UmiUTURA 181 

^a desesperança. Esses conflictos estéreis de uma politica 
pygmea e sempre individual, com qoe a larga área dos in- 
teresses públicos tem sido invadida pelas ambições, mata- 
ram toda a crença na alma do antigo jornalista e depatado« 
O seu livro é o manifesto do verdadeiro sceptico politro). 
Como homem de Deus, nSo quer dizer que desespera dos 
homens; mas como homem de partido;deelara que desespera 
dos systemas. 

Pois nós confiamos nos systemas; porque os homens s3o 
as paixões, e as paixões passam e os systemas ficam. 

E aqui o logar de mencionarmos os Esttidos biographi- 
€08 do sr. Cannaes, do homem profundamente erudito, que 
está á testa do nosso principal estabelecimento iitlerario ^. 
O livro do sr. Cannaes é uma extensa galeria, onde a reli- 
gião, a historia, a poUtica, e o talento collocam muitos dos 
personagens, nossos e estranhos, que melhor os represen- 
tam. S3o como os elementos dispersos de muitas phases 
da civilisaç^, da historia ecciesiastica e politica que o illus- 
tre bibliographo collige, dando-nos assim a idéa de varias 
épocas notáveis nos homens que as symbolisam. Mas na im- 
portância philosophico-politica, a obra do sr. Gannaei é um 
anachronismo na ordem das idéas: o auctor proclama o di- 
reito divino dos reis. Embebido nas doutrinas de Bonaid» 
de Genoud, de Ghateaubriand, de Le Maistre, identifica-se 
á tegitímidade do principio hereditário como a um dogma 
da sua consciência. Admitte a monarchia como derivação do 
poder paternal, e considera os estados como simples famí- 
lias. Engana-se. Os estados, como drz Lamartine, são povos» 
e os povos, uma vez terminada a sua infância, não devem 
ser jamais condemnados senão á tutella da morat e da ra- 
zão. A fiamilia é a humanidade; o pae não é o rei, é Deus. 

Ainda a biographta, tnas aflfastada doestas luctas tempes- 
tuosas das convicções politicas, e unicamente colhendo, aqdi 
e aHf, elementos dispersos da vida dos nossos maiores ho- 
mens de letras, apresenta-nos agora um dos seus mais va- 
liosos trabalhos no Ensaio crHicfhbiographieo sobre os nós- 
SOS melhores poetas, por losé Maria da Costa e Silva; outra 
obra, metade publicada pelo auctor, e nietade que vae cor- 
rendo ppsthuma. Esta extensa publicação, que abrange os 

.1 

. 4 * 

* N'este tempo o sr. Gansaes, hoje faUeâdo^ era o bíMqthecarXo*]^ 
da Inbliotheca publica. 



182 LPXERATUEU 

mais resplandecentes vultos da historia da nossa litteratura, 
-sera ter o mérito dos portraits de Saint-Beuve, St. Marc- 
.iSírardin e Gpstave Planche, é todavia um grande reposito- 
.riOi, onde o erudito encontra variadissimas noticias queder- 
jam^m immensa luz sobre as feições esquecidas ou ignora- 
das de muitos doS: nossos melhores talentos. Mas o crite- 
,rÍQ nen) sempre acompanha o trabalho do auctor do Pas- 
seio, e a aulhenticidade por vezes deixa de legilímar muitos 
.dos. dOiCumentos apresentados como de origem incontro- 
versa. 

Temos emfim uma novidadq na nossa litteratura. Com 
vergonha o dizemos, a critica, absolutamente fajlando» e 
.ainda mais. a critica* ligeira, episódica^ chistosamente saty- 
ricfi, aquella critica gqe.é como o tQurista mais apaixona- 
da dos.grjançles panoramas da natureza do que de subir os 
4ades: je. os. Alpes, e de visitar as crateras do EUna e do Ve- 
.suvio e correr por entre as slalactytes das cavernas mais 
l2|bplada$; essa critica, que. observa e indica cpm. mais amor 
4o h^Wf^ dO'qu<e auctorídade^analytica, com mais enthusias- 
^0)d<e.9;tma,da poeta que olhos de censor, e sempre ligeira, 
sempre* rií)do, misturando a analyse com a anecdota, o epi- 
^amn^i: com* sis flores do atticismo; essa critica acaba de 
folligHF o:melh.or de suas divagações atravez'dos immensos 
.jai:dins da litleratura, e de nos. apresentar tudo debaixo do 
ti,tulo ^^ Memorim deJiiterfUura contemporânea. JÈ» um li- 
.vrQ do sr; Lopes • de Mendonça^ inquestionavelmente um 
Jt)eUo jensaip n'este género. Espirito afiQnado pelo sentir fran- 
cês, e essencialmente desenvolvido pela leitura aturada dos 
iinelbòres tcrjticos, ropíiancistas ei poetas qqe formam essa 
4Í]|US^re. familia com que; a França tanto se honra, o folheti- 
h\^\& da Revolução de Setembro, n'essas paginas em que nos 
.traç£|;'ipuit03 dos nossos mais distinctos perfis litterarios, 
jr<^spir^ toda a negligencia çuj.ta de Jules Janin^ Theophilo 
.Gauthier e JuUx) Lecontie, ^>(enturando por vezes, nias ra- 
jTiã^^.ja.çensiura. acerada de Gustavo- Planche. N'aquelles des- 
.abafps (permitia se-nos a expressão) de um espiri^, verti- 
jgiqpso^ que to^am a^ raíap; mais sublimes da phantasÍA sem 
.qjueco/nt.udo.;se moldein aos preceitos. da crij^ica regular» 
J\a,o.que quer. que seja de e^ebri/ánte e.transnoissjveltapes^ 
tylo, que nosembriaga a imaginação, desvaira os'sentidos 
e nos faz correr, sem respirar, atraz d'esses atrevidos e pa- 
fâdoxaes raptos do brilhante escriptor, como correríamos» 



UTT^RATinU 183 

se DOS víssemos nas campinas suavemente. esplendidas dos 
quadroK^ de Watteau e Pussin, sempre atlraidos pelos en- 
cantos de uma natureza desconhecida, 

A critica tem uma certa affinidade com as viagens. O es- 
pirito an^lytico, como a alma do viajante, alimenta-se da cu- 
riosidade, e dirige-se pela reflexão. Passemos, pois, do en- 
saio critico do sr. Mendonça ás viagens do sr. Bordallo. 

O sr.| Bordallo, depois de ter dado um passeio de sete 
mil léguas, faz agora uma viagem á roda de Lisboa. É en- 
colher muito as azas de viajante, É como que se obrigas- 
sem Sindabah,. o famoso viajante dos contos oríentaes, a 
fazer ^^penas um gyro ^autour de sa chambre. 
( Perdoem-nos o$ admiradores deiLisboa.^ Ninguém mais 
âo que.Qu mm e admira esta formosa rainha do Occidente, 
qqe tão enamor^o traz a beijar^lhe. as» espumosas vestes o 
melhor dos Filhos do Oceano, o altivo e. caudaloso Tejo. Mas 
^e Lisboa à. China, por esses longos mares por onde o sr. Bor- 
dallo singrou, ha sete mil léguas de paizes e nações diver- 
sas,, de maravilhas. da natureza e da arte, de costumes poe- 
tJQOSp de povQ3^ onde. as: raças encontram toda a idealidade 
artistifía dos seus primitivos typos de belleza,. onde a poe- 
sia acha os .sens traços épicos, o passado tem os seus mo- 
pumentos, e a humanidade a$ suas tradições* Doeste qua- 
dro, Ofide simultaneanoente se avistam os pagodes de Bra- 
nca, as pyramides.do-Egypto, os mirantes da Alexandria, os 
panoramas «do .Bospliioro, e as tempestades do deserto, a 
des^imbarciar no cáefi das cohtmnasy investir. pela roa Au- 
reftit entrar nai. Praça de D. Pedro,.dar' de chapa com o seu 
monumento,, agachado, incompleto ^e tacanho, como iodo o 
poE^amento politico, que. in,vada. as regiões da arte \ e de- 
poi3: deixar o tbeatro de D. Maria á esquerda para ir mais 
adiante dar^nes ou .^atroyqUa&noPassalo Publico; de 
qmaiCoi^ á outra, s^ nSo ha efectivamente^ o passo de que 
falia Napoleão» .alludiodo. aos dois poios do gosto e da arte, 
ha .por certo uma grande distancia» £ comtudOí as descri- 
pções do sr. Bordalo, gyrandOipon essa Lisboa,: apontando- 
DflA OS: seuiS monumentos (arcbiíeetonicose muitas dias suas 
))elíezas naiqraos, ,e expficandohnosisobrQ ludo o género da 
suai>existencia sociat nos traças mais geraes da sua physio- 

1 A referencia aqui é ao primeiro monumento, que felizmente se não 
ooBcIí^u, e OHía iioDecilidade «rchitectonica e esc^tlptiirai andou em pro- 
vérbio. 



184 LITTEUATURA 

Domia qaolidiaDa, produz-nos o effeito de um cicerone iilas- 
trado e complacente, que se compraz em elucidar o cami* 
nhanle acerca de tudo que lhe desperte a attençSo, ou lhe 
mova a curiosidade. 

No meio de todas estas producções, toma-se notável prin- 
cipalmente o desenvolvimento que vae apresentando o thea- 
tro. Effectivamente a litleratura dramática, que estava como 
adormecida, ha dois annos para cá vae apresentando inques- 
tionáveis symptomas de vida própria e abundante seiva. No 
theatro de D. Maria II temos o drama do sr. Biester, Um 
quadro da vida, scena intima em que o coração é vencido 
pelos preconceitos da sociedade. A Dalilla, do sr. António 
de Serpa, mais um dos nossos mimosos poetas arrancado 
pela politica ao culto das musas, é um drama todo paixão 
e sentimento, grupado em bellas situações, fluente e espi- 
rituosíssimo no dialogo, que o nosso escriptor extrahiu do 
romance de Octávio Fouillet, publicado na Revue des Deux 
Mondes. 

O Gymoasio passou das suas pochades mascaradas á por* 
tugueza, e dos seus espectáculos de transformações e pom- 
pas scenicas, á comedia de alta sociedade e ao drama inti- 
mo; e deu-se bem. Pelo menos assim lh*o asseveram os re- 
sultados. A plateia, apinhada de um concurso escolhido, 
applaude com vehemeneia o Cynismo e os' Dois Mundos^ 
producções ambas do sn Lacerda. E tem raz3o; porquê 
qualquer doestas producções tem mérito absoluto e relativo* 
Marcam os progressos do auctor, comparandoas com 06 
seus primeiros trabalhos, e representam com arte algumas 
phases da vida n'essas regriões onde ella é tempestuosa de 
ambições e affecti^, de paixio e vicies. A peça Dois Mun^ 
dos, menos ambiciosa no plano e pensamento ph^iosoptríco» 
resume um bello quadro, em que o espectador vd alguns pe- 
ríodos dispersos, colligidos e atados pelo auctor rrum etl^ 
redo fácil e cheio de lances vivamente dramaiicos, d'essa 
existência de luctas angiistiosas» que, mais que nenhuma, 
nos apresenta a sociedade moderna* 

No theatro de D. Fernando^, o sr. Braa Martins, engenho 
dramático já festejado das nossas plateias mais populares, 
apresentou uma engraçada comedia, a Abençoada diabrutú. 



^ Este thefttro )á bojje não existe, mas ateda estio bem recentes de cer- 
to, na memoria de todos, as representações a que me refiro. 



LtTTBRATtmA 165 

 simplicidade da acçSo e a sympathia qoe inspira o pro- 
tagonista, e isto disposto em algumas situações bem com- 
binadas, e manifestado n'um dialogo fluente e natural, tem 
feito que o publico de D. Fernando receba com applaoso 
esta producção. O Mouro encantado, mentira em 2 actos, 
« a Queda de Neptuno, foram doas d'estes improvisos des- 
pertados por factos que muitas vezes se tornam um senti- 
mento commum. Não tem merecimento litterarío; mas attes- 
tam a facúndia da veia cómica do actor, fácil em se impres- 
sionar das circumstancias externas, e de ahi encontrar os 
germens de suas composições. 

O romance, mas o romance convertido no génio máu da 
analyse, como o escreveu Balzac; o romance que sonda os 
mais escuros segredos do coração e imagina todas as lurpi- 
des que o cynismo de uma sociedade gasta e saciada peiaft 
«xuberancías de uma civílisação epicurista tem ido esquadri- 
nhar ao intimo da vida, como o reproduziu o auctor das Mè- 
marias rfo Diabo,' o romance positivo e dissertativo, espe- 
lho de todas essas depravações que levam o homem á cói>- 
demnaçâo de moitas das suas classes, como o concebeu Eo^ 
i^ gento Sue; o romance assim inspirado tem um digno repre- 
( 'scntante, entre nós, no sr. Camillo Castello-Branco. E eflèctí'- 
I vãmente, n'aqaelie estjlo, rápido e incisivo, que ri de umá 
I ironia satânica, que rasga como escalpelo, deixando rastos 
Ide sangue nas pagiáas, ainda n'aquellas mais inspiradas por 
todo o fervor de uma alma ^'erdadeiramente poética, predo- 
mina como a inspiração do auctor dos Dous Cadáveres^ z 
que dá todo o relevo de dicção, a qoe soggere aquella e<- 
pressão de sarcasmo talvez o estudo aturado do primefiro 
romaucista phantaslico do século presente, de Victor HugOL 
Os Mysterios de Lisboa, e o seu complemento ou a chave dê 
todos os seus arcanos, o Livro negro do padre Diniz, bem 
(como a Filha do Arcediago, obra que lhe serve de coii^ 
/tinuaçSio, tudo publicado no anno decorrido, s3o o rtíflexÀ 
I puro da influencia despótica, que hc^e a sociedade exefcè 
I sobre uma das melhores formas da litteratura. Este fact(H 
I fructo de uma época do transição e iocta, em que os coii^ 
/ <Uctos sociaes controvertidos pelas âtfabiçSés das classes dés»- 
/ locadas pelas 'atternátrvas da forma politica, fere e exacerba 
l todas as cordas do coraçfiò e povoa as imagináçOes dak hna- 
I gm$ pavorosas do presente, é cbmo o retrato vivo dos tetii^ 
I pos que pa6$am, sobre o& quaès o gemiò fulmifia ú» - séds 






186 



UTJE^ATVKA, 



C^ |.m3iores aijathemas e lavra os seus mais eloquentes protes- 
.tos, visto que não pôde detel-os na sua carreira deserifrea- 
,da, ou subjeital-os a condições normaes. O romance, leva- 
do a taes proporções, não é a sequencia da aberração ima- 
ginativa de um homem, é a phase, é a expressão do movi- 
jnento reaccionário de uma sociedade, que,, mesmo porque 
é. violçnto e anormal, tenta a imaginação do escriptor, e in- 
flue nas melhores paginas dos seus livros. Gondem^iar por 
tanto no romancista o que mais está no espirito da época 
do que na indole do escriptor, parece-nos erro ^m que se 
não deve reincidir. Emendem a sociedade, se podem, que 
lell^ é.a causa d-estes phenomenos operados no mundo das 
Jdéas;.mas se não podem, deixem que as phantasias se im- 
pr<^ssionem e vjvam do mundo real, como do seu alimento 
.mais natural. 

. O sr. Camillo Castello-Branco também tem enriquecido o 
•tl)eatro portuguez com producções, cujo acolhimento as tem 
-eopsagrado no conceito publico. O drama PMsia.e dinheiro 
lleve u,m successo no Porto, como a fiaiwe auo) Camélias 
• \j^ jParis, e os Homens de Mármore em Liisboa. 
• ^. O Porto apresenta-nos egualmente mais outros dous ro- 
; jgiaqçistas d^ engenho, que fornecem elementos a e^ta revis- 
ita. O Gmio do Maly pelo sr. Arnaldo Gama, e Yiver para' 
^Ojff^r, do sr.. Barbosa e Silva, são dois ensaios que devem , 
j ianimar os auctores á novas tentativas. O sr. Novaes, o To- 
j .lehtino portuense, da mesma sorte largou a satyra popular, 
; ,dp folhetim, para.se mostrar em toda a abundância da sua 
' -vêia cómica e epigrammatica sobre a scena. O Quipro quú 
tè uma chistosa farça, festejada com toda a alacridade do es- 
.pirítp portuense,, mas onde não desejáramos vér satisfeitas». 
. 'Cpm mão tão larga, as exigências do gosto popular. O sr. 
^ovaes tem no se^u talento recursos bastantes, dos quaes pó- 
4^ dispor com opulência,^ sem armar á ignorância das tur- 
. itias ,p9ra obter p3 seu3 melhores applausos. O sr. Licinio 
Cambem deu á. estampa; o segundo volume do seu theatro, 
/ <eontendo:o dfjíma, o Rajah 4e BonsotUó. Este livro recom- 
inendase principalmente pela dissertação que traz sobre a 
' jQrigem da arte jdramjaitica. É um bello, esludo onde o eru- 
4Uo poda enriquecer o ge^ espirito de investigação. 
.; ,A Revista Peninsular, i comp ' publioaiÇ^O' consagrada a fra- 
^rnisar a litteratpra dos doiis povos da peniQS«la. ibérica. 
' /Q a ligar mais estreitamente os laços que os prendem pela 



l 






UTTERATURA 187 

» 

historia, pela poesia das tradições e pela s;inpathid,(}as aspi- 
ja^ões moraes e sociaes, é ainda uma bella empfeza que o 
.anno de 1855 se deve vangloriar de fazer surgir, como um 
jpadrao da alliança intellectual de duas nações, a que a na- 
tureza mandou abraçar como irmãs. 

Tal é, pouco mais ou menos, a lista escolhida dâs pbras 
litterarias que viu nascer o anno findo. Se não é gloriosa, 
.senão marca um d.^esses períodos que irradia sobre a his- 
toria das lettras o esplendor que se estende a muiios sécu- 
los de distancia, é todavia notável de esforços, tentativas e 
resultados, emprehendidos pelo talento e coroados péla il- 
lustração publica. 

Mas custa-me a depor a penna sem ter de niiencionar, 
sequer, uma obra poética !... A musa da poesia, espavo- 
rida dos estragos da guerra, * velou a fronte e nega os ac- 
centos da lyra aos estros mais visitados dos favores da ins- 
piração!... Em Portugal, como em França, como em Itália, 
como em Hespanha, o alaúde dos seus bardos, se accorda, 
é para desferir os sons roucos de algumas d'essas Neme- 
sis, que mais aproximam as filhas do Parnaso dos furores 
eumenicos, do que das estrophes dictadas nos dias felizes 
da arte. Lamartine escreve a Historia da Restauração, e a 
Historia da Turquia; Victor Hugo, o grande poeta, tornou- 
se phamphletario; Alfredo de Musset exproba a sociedade 
no theatro. Em Hespanha, o auctor da Moro esposito, Mar- 
tinez de la Rosa, Quintana e outros, involvidos pelo turbi- 
lhão de uma politica fraccionada, ou emmudeceram ou sol- 
tam a voz apenas no parlamento; e tanto fogo e opulência 
de imaginação só esplendem nas invectivas de alguma apos- 
trophe tríbunicia, ou nas verrinas com que o jornalismo pro- 
testa contra a oppressão ignóbil a que o condemnam. 

Em Portugal o mesmo silencio da lyra, o mesmo retrahi- 
mento dos melhores engenhos! Mendes Leal, fadado pela na- 
tureza para pulsar todas as cordas do lyrismo, descreve hoje 
os horrores de uma lucta, ante a qual a civilisação recua e 
prantea a morte dos seus melhores filhos!... João de Le- 
mos, o bardo inspirado que sobre as veigas do Mondego sol- 
tou sons, onde tão indefinivelmente se combina o accento 
nacional com toda a elevação e melancholia da poesia do Nor- 
te, esperdiça toda a seiva do seu estro fecundo e original na 

* A g^aerra da Grimea. 



1S8 LITTERATORA 

escripta quotidiana de um jornal politico!... António de Ser- 
pa, BuihSo Pato, Lobato Pires, Palmeirim e outros filho& 
tão queridos da musa popular, deixam-se egualmente im- 
pellir por essa procella, que não deixa voar os espíritos, 
ainda que os impulsos da alma os atire para as regiões in- 
finitas do pensamento! Âté o cantor dos infortúnios do Bar- 
do, esse que, pela índole e predilecção de seus estudos, ata 
a cadeia dos nossos melhores engenhos poéticos entre Phi- 
linto è Almeida-Garrelt, até esse, entregue ao sacerdócio do 
ensino, solta a furto, e apenas ouvido de amigos, algum 
d^esses voos que tão alto o elevam!... 

Janeiro— 1856. 



, 1 



I ' > 



REVISTA CRITICA £ LITTERARIA DE 1868 



Já Dão é um trabalho difQcíl, nem sem fructo» esta tarefa 
de analysar o resultado do emprego dos nossos espíritos 
mais eminentes, no decurso de um anno. O movimento lit- 
té^ario, o seu impulso, influencia e diffusão tornam-se um 
facto que todos os dias apresenta noyas manifestações, e 
cada dia mais valiosas e significativas. É penoso lançar olhos 
inquietos e ávidos de curiosidade por um d'esses longos es- 
paços, sobre que a mão do tempo vem correr o vóo do 
passado, sem que uma obra se nos depare, sem que um 
vestígio se descubra, onde o talento nos prove, como 
marco milliario erguido pelas fadigas do viajante cosmopo- 
lita, os progressos e conquistas que vamos realisando no 
domínio tão largo e de tão vastos horisontes da republica 
d|9S lettras ; mas é grato e ensoberbecedor encarar de frente 
por esse estádio decorrido e ver que elle ficou assignalado 
por mais de um indicio que attesta que os arrojos do en- 
genho inventivo, que os voos ardentes da phantasia poética, 
010, as meditações solitárias do génio pensador, por ahi pas- 
saram no accesso febril do seu imaginar audacioso^: ou na 
pceocçupação insistente de um cogitar profundo. Gomo que 
um espectáculo, todo de actividade, mas de actividade in- 
teliectuaU da mais nobre e fecunda das actividades, se nos 
apresenta, enchendo-nos o animo de jubilo e ufania! É uma 
iwçãg^ a pensar e a recolher, em depósitos perduráveis, as 
riquezas do seu espirito. São as suas forças intelleetuaes, 
comprovadas nas tentativas já triumpbantes de seus filhos 
privilegiados. É a historia compendiada dos progressos da 
rasSo e d^ phantasia, attest^dia em fructos de pura inspira- 



190 LITTERATURA 

ção litteraria, ou iDfluida pela força e influxo da acç3a 
social. Â par do livro de poesias que nos confia as horas 
talvez afflictivas da alma que esvoaça sobre abysmos de dor 
inQnita, èncontra-se a concepção mais vasta e complexa do 
romance que se inspira da sociedade e a retrata: junto do 
drama que surprehende a vida na sua lucta inlima, vem 
agrupar-se a comedia que ri o riso da satyra, porém da 
satyra jovial e pulida que traz comsigo a lição, sem dispa* 
rar a setta hervada da personalidade. Mais longe a investiga- 
ção histórica, o estudo archeologico, os modelos de elo- 
quência, os ensaios da critica no seu empenho infatigável 
de esp^irgir clarões de luz benéfica por tod:is as veredas 
dos conhecimentos humanos, os tratados de philologia» os 
escriptos menos ambiciosos mas de generoso e fecundo al- 
cance qiie levam aos ânimos infantis as primeiras noções 
do saber: e por entre todas estas obras, producto de iriui- 
ta \igilia, exitó que eVIdenceia a eflicacia e seriedade dos 
esforços da intelligencia, convergindo por longos rodeios e 
vias indirectas para o mesmo ponto, apparece-nos a no- 
vèlla ligeira, o folhetim de uma hora, o desafogo da censura 
jovial, a polemica accesa nas indignações do orgulho, o pam- 
phlelo que vendica a rasão dos ultrages da insufliciencia pe- . 
tulante, . lampejos rápidos da mente phantasiosa, fogos pas- 
sageiros do espirito irritável, desabafos do talento repellido, 
que, em seus esgares de chufa e tregeitos epigrammaticos, 
se confundem, intermeam e entrelaçam cora todas as outras 
composições de grave e colossal estatura, como os episódios 
truanescos dos quadros de Miguel Angelo, agrupando-se em 
engenhosas combinações com os seus personagens princi- 
paes, personificam muitas das satyras da vida na sua ex- 
pressão mais condemnaloria e maligna. 

E doesta ahalyse momentânea, doesta apreciação em glol>D 
resulta um trabalho facH de avaliar n'um repente, e que só 
muitos tnezes e sérias applícações de estudo poderiam coq* 
seguir, quando se quizesse inquerir de per si cada livro 
que entra n'esta galeria. Além dé que, n'esta exposição de- 
todas as obras, isto é das mais notáveis, das que em si enr 
cerram os traços indicativos de uma vocação definida, oa 
que patenteara os fructos já maduros de uma cultura bem 
dirigida, é onde se pódè conhecer a direcção geral dos es^ 
píritos, as suas preoccupações, ou influencias a que ced6m . 
e' as leis de gosto que partilham. E da mesma sorte è de* • 



LrrrERATUAA 191 

baixo d'este ponto de vista que esta resenha se torna pro- 
fícua, pois é debaijco d'esle ponto de vista que resume, no^ 
esboço rápido das melhores producções dos nossos erige*' 
Dhos, um capitulo documentado dos andiantamentos da so- 
ciedade em que vivemos. Â iitteratura, e principalmente a 
litteratura dramática, a não retratar com exactidão o rtiovi-- 
mento positivo da sociedade, retrata o estado das imagina'-'* 
ções; e, quer n'um quer n*oulro caso, manifesta sempre, • 
mais ou menos, a expressão moral de um povo. É por istõí 
que, espraiando a vista pelo anno de 1858, deparámos com 
um quadro lisongeiro de certo para os estímulos do amor 
próprio, porque n'elle divisamos, já enlaçados pelos brincos 
da mente poética, similhando os festões que' pendem dos 
fustes de úma columnata corynthia, symbolo de força e es- 
teio de construcção, também trabalhos sólidos que podem' 
offerecer egualmente pontos de apoio e meios de equilíbrio 
e futuras tentativas da nossa mocidade estudiosa. 

Diga-se o que se disser: o anno findo é já para nós um' 
legado valioso, por que todos podemos haver n'elle o nosso 
quinhão. E é de certo no movimento que ultimamente evi- 
denceia a litteratura dramática que melhor se aprecia esta 
verdade. O drama histórico, como mania de época, passou. 
Falíamos do drama histórico obrigado a xácara, em que a 
castellã, mais esmerilhadora de antigualhas que o bibliophilo 
Jacob, nos dava uma edição verbal dos archaismos do Eluci- 
dário de Viterbo, nas imprecações tremendas de um drama ' 
enluctado de scenas horripilantes. Hoje a direcção dos es- ^ 
piritos é outra. O talento dramático conhece melhor as ne- ' 
cessidades do theatro, e a virtude do seu predomínio. O es- 
tudo da actualidade, como meio indirecto de estudo do co- 
ração humano, fecundou a imaginação do escriptor, e enri-" 
queceu-lhe e fortift ou-lhe as faculdades de analyse. Os Ho- 
mens sérios, drama bem recebido no theatro de D. Maria II, 
apresentaram-se como um effeito doesta elaboração de idéas. 
O titulo resume um thema moral dos mais difficeis de ex- : 
planar no palco, conforme se produz na diversidade e mul- 
tiplicidade de seus typos e accidentes da vida real. Assim 
considerado, a producção do sr. Biester restringe, de cer- 
to, o quadro a poucos traços, e o estudo offerece-se incom- 
pleto. Porém, o que mais prende o publico, o que mais at- 
trahe a sympathia dos corações generosos, é aquella vista 
resignada de um marido hypocrita e cruel. O fim da des- 



192 LITTEHATURA 

ditosa Amélia resume um lance angustioso que deixa n'al- 
ma do espectador penosas lembranças. Como a Margarídaí 
Gautier, de Dumas filho, aquelle espirito desata-se dos en- 
ganos do mundo, e võa para espheras de perfeição infinita, 
como quando animou aquelle corpo, que agora jaz inerte^ 
sempre voara também superior ás injustiças dos homens. Â 
Nobreza de alma, afiíectuoso quadro do viver íntimo, do 
mesmo auctor, é uma composição em que os sentimentos 
poros e generosos predispõem lances, onde o coração lu- 
cta com o caracter em nobre e magnânima lucta. Uma na- 
v^iQ, ligeira nuvem de desconfiança, annuvia por instantes 
os purpúreos horisontes do amor em que respiram aquellas 
almas. Leonor tem zelos de seu marido. Mas a nuvem pas- 
sa; e o céu, restituido á sua antiga pureza, torna a illumi- 
nar-se de esperanças, e essas esperanças convertem-se em 
realidade. Luiz Bacellar, o generoso pintor, abraça sua es- 
posa e o sympathico doutor, achando, n'uma, a esposa que 
faz justiça aos rasgos elevados do seu procedimento, e, no 
outro, o amigo dedicado que lhe grangèa uma posição va- 
liosa para a sqa carreira de artista. 

Esta peça representou- se pela primeira vez no anniver- 
s^rio da joven rainha ^ O publico, na expansão de seus 
iastinctos nobres, não deixou de entrever mais de uma al- 
losão que se fazia a um alto personagem ^, a quem todos 
estimam pelas qualidades eminentes do seu espirito illus- 
li?ado e liberalidade de acções. 

Depois tfisso vêem doas comedias, ambas portuguezas de 
lei, ambas cunhadas pelo séllo da tradição popular,, que são 
aS( Prophmas de Bandarra, do auctor do Gil Vicente, e a 
Pedra das carapuças, do sr. Cascaes. As Propkecias de 
Bandarra são obra posthuma e incompleta, mas ainda mes- 
ma assim basta o traço de mestre do dialogo, do sapateiro 
com o boticário, no primeiro acto, para assegurar os dotes 
de observação do grande escriptor, que nenhum, como elle, 
possuiu o condão de fazer fallar o povo £| sua linguagem. 

A Pedra das carapuças resume um estudo de costumes, 
a que.communica vida uma das mais lindas e poetisas tra- 
dições populares. Não sabemos o porquê, mas como que 
DO» sentimos levadoç para aquelles tempos ainda de tran- 



^ Â rainha D. Estep&anla. 
' £I-rei o Sr. D. Fernando. 



UXTBKATORA 193 

quilla e festejada recordação, em que a physíonomia do vo- 
lho Portugal transparecia mais limpa dos arrebiques estrao- 
{[eiros em todos os typos da sua alta e baixa sociedade. 
Aquella morgada empertigada pelas suas altivezas de lidai- 
^uia ; aquelle velho alferes de milícias do termo, e sem ter-^ 
mo^ como lhe chamou o padre José Agostinho de Macedo; 
aquelle boticário, chronica viva da terra e passatempo dos 
serões pela sua garrulice motejadora, todas estas figuras for^ 
mam um conjuncto agradável, eo) que reconhecemos feições 
nossas e avivámos sympathias. 

E que manancial inexhaurivel não ha ahi para os chistes e 
similhanças da nossa verdadeira comedia, da nossa comedia 
fina, trajada á portugueza ! O sr. Gascaes já nos havia apre- 
sentado Giraldo sem sabor ou a noite da Praça da Figueira^ 
e outros tentamens do mesmo género, que, seguidos como 
exemplo, podem servir para fazer reviver a comedia nacio- 
nal. Os seus serviços são incontestáveis. Ninguém, como 
6lle, inquire estes accidentes de localidade e procede á ex- 
homação dos segredos que a mão do tempo tem ido sepul- 
tando, extinguindo assim os vestígios de eras que não vão 
longe, e que comtudo o descuido ou antes a ingratidão dô 
todos nós deixa apagar de superfície da historia e da tra- 
dição, como se um lapso de séculos e a estranheza de po- 
vos longiquos se houvessem erguido de permeio. Felizmen- 
te ha homens estudiosos e desvelados pelas cousas da sua 
terra, como o sr. Gascaes, que vingam a índole do seu paíz 
4e taes ultrages dos próprios filhos; e, quando os não hou- 
vesse, lá subsiste a memoria do povo, essa historia viva 
que se transmitte de geração a geração, como um culto de 
x^rença erguida no íntimo de todos, que continuará a pro- 
testar, fundando n'essas usanças, superstições e lendas mui- 
tas das normas da sua existência moral. 

Não nos deve esquecer, como tentativa auspiciosa em que 
^e desata a veia cómica do observador dos ridículos da so- 
ciedade, a pequena comedia Cezar ou João Fernandes^ que 
denuncia no seu auctor, o sr. Moraes, um mancebo do Por- 
to, uma imaginativa fértil n^estes enredos fáceis, cujo alvo 
é aproveitar um typo, ou um caracter para o fazer sobre- 
sair nas combinações chistosas de alguns diálogos bem re- 
plicados. 

De um género inteiramente diverso, a Nobreza de Amor 
attrahe a attenção da platéa» pela singeleza de uma fabula^ 

TOMO 1 i3 



194 UViflsitAVimA 

que pôde ser de todas as épocas, porque se inspira dos 
princípios abstractos das grandes verdades moraes. Não é 
um enredo, com as suas curiosidades e effeitos de intriga, 
nem uma lucta de caracteres, animando-se a idéa inicial do 
embate reciproco da diversidade do ver e sentir d'esses 
mesmos caracteres, é uma dissertação sobre o mais nobre 
dos sentimentos, sobre os deveres do amor desinteressado. 
E nisto se explica o applauso do publico, porque estes exem- 
plos de elevada aspiração moral, embora não os singulari- 
sem todos os prestigies do movimento dramático, sempre 
encontram peitos escolhidos, onde acordem eccos e deixem 
recordações. 

A Caridade na Sombra também é uma peça do sr. Bies- 
ter. Basla-lhe o intuito evangélico, que se infere do titulo, 
para attrahir as sympathias de qualquer povo, como o nosso, 
cujo ahimo se inspira d*esta fecunda emanação da divinda- 
de. Mas é que o drama não vive só da sublimidade doesta 
inspiração moral; outros sentimentos, não menos fervorosos 
e dignos, dispõem um grupo de figuras em que palpitam 
puros e nobres corações. O sentimento evangélico illumina 
o quadro unicamente como uma frecha de luz que atraves- 
sasse as trevas das pequenas ambições do mundo; e é d'este 
contraposto de claridade e sombra que despontam os asso- 
mos de comedia que tanto concorrem para alterar, com apra- 
zível variedade, a acção sentimental do drama. 

Os typos pretenciosos e ridículos da baroneza e seu ma- 
rido sahem bem ao pé dos semblantes graves de Francisco de 
Gouvêa, de Miguel Tavares e sua esposa. E é n'este sentido 
que a Caridade na Sombra assignala um período novo fias 
lucubrações do auctor. O drama intimo, que viva só das 
luctas do coração, ou dos voos da alma que se compraza 
de procurar no desapego infinito de suas aspirações as rea- 
lidades do seu mundo ideal, ou produz a elegia, ou a ode, 
elegia e ode per?oniflcadas nas sensações de dois ou três per- 
sonagens, porém sempre esforços de um lyrismo que de- 
Tora pelas angustias de um peito ulcerado, ou desvaira pelo 
arrojo de uma phantasia delirante. Este género modificou-o 
agora o sr. Bíester, vendo a sociedade melhor, e acceitan- 
do-a como ella se nos offerece nos seus contrastes, excen- 
tricidades e ridículos. A historia da alma e da bete, de Xa- 
vier de Maistre, encarnada séculos antes nos dois typos im- 
jnortaes de Cervantes, apresenta um modelo e um conselho 



LTITERATimi 195 

que nenhum pensador deve despresar. Existe n^ella a fus3o 
dos elementos do verdadeiro drama. 

O anno de 1858 íecbou no theatro de D. Maria com o 
bonito drama, O Arrependimento salva, e com a comedia 
A fabula de leão e a pintura. Este ultimo trabalho do sr. An- 
tónio de Lacerda denuncia também, e de uma maneira vi- 
ctoriosa, uma modificaçlio nasidéas e predilecções litterarias 
do escriplor. O auctor dos Portuguezes na Índia e a Rai- 
nha e a aventureira, isto é do drama desenvolvido na al- 
tura da grande exaltação de sentimentos, passou de repente 
para os salões doirados e espirituosos da comedia da actua- 
lidade, da comedia satyrica, mas satyrica dentro dos limi- 
tes impessoaes do epigramma que se perde no vago das 
generalidades, mas não sem haver logrado despertar as gar- 
galhadas da plaléa. Verdade é que o sr. Lacerda já no seu 
drama Fazer fortuna nos indicava esta transição: já alguns 
personagens, criticas picantes de varias figuras da época, alli 
nos apparecíam, mostrando-nos com vantagem o que o au- 
ctor poderia, se tentasse o género. Tentou-o, e fez bem. A 
Fabula de leão e a pintura deve instigal-o a proseguir. 

Quando esta comedia foi á scena, escrevemos estas pou- 
cas linhas: 

«Ha comtudo a registar o apparecimento, no theatro de 
D. Maria, da Fabula do leão e a pintura, comedia em 3 
actos do sr. António de Lacerda, que teve bom acolhimento 
-B que nós por mais de um motivo festejamos. A Fabula 
do leão e a pintura significa uma mudança completa no gé- 
nero que até agora cultivava, com mais predilecção e insis- 
tência, o seu auctor. O sr. António de Lacerda, que deu á 
scena portugueza a Rainha e a aventureira e os Portugue- 
zes na índia, foi por bastante tempo entre nós o ultimo e 
fiel representante da escola que se inspira do jogo vehe- 
tnente de paixões do theatro de Victor Hugo e das peripé- 
cias dos dramas de Alexandre Dumas, pae. Essa escola teve 
as suas sympathias e as suas glorias: filha de um movimento 
de reacção litteraria, tornou-se exagerada como todas as 
reacções. Apezar dos rasgos hyperbolicos a que se sentiu 
compellida mais de uma imaginação desvairada pelos exem- 
plos dos grandes talentos que se apresentaram como cori- 
pbeos d-este género litterario, os seus serviços não podem 
deixar de se considerar notáveis. Reagiram e emanciparam- 
86 do dogmatismo clássico; e os germensde uma litteratura 



196 LITTERATURA 

nova, mais nacional, mais verdadeira, e por isso mais po- 
pular, ficaram depositados no espirito de todos, florescendo 
e fructiiicando depois em obras mais sasonadas e reproda- 
ctivas. 

«Porém o domínio da escola ultra-romantica passou: veia 
a reflexão e a analyse; e os voos audazes da phantasia, per- 
correndo os quadros mais lúgubres da historia, perderam-se 
DOS borisontes sem limites de um mundo de paixões deli- 
rantes, deixando á observação do moralista dramático o 
exame da sociedade que nos rodeia, com a sua multiplici- 
dade de episódios, incoherencias, typos.e excentricidades. 

«O sr. António de Lacerda, talento esclarecido por es- 
tudos bem elaborados, não podia deixar de sentir em si o 
impulso latente, mas progressivo, mas irresistível doesta 
transformação, e da mesma forma que se havia apresenta- 
do como partidário distincto da escola romântica, apresen- 
tar-se egualmente um escriptor apreciável no género que 
acceita a actualidade como elemento próprio e o mais fe- 
cundo para produzir os seus resultados no palco. A Fa- 
bula do leão e a pintura, comparada com a Rainha e a 
aventureira, ou com os Porluguezes na índia, mostra a 
distancia em que o auctor se collocou, não só nos géne- 
ros, porque o género histórico deve ter sempre as feições 
da época e dos personagens que a animem, senão na differen- 
te maneira de conceber uma producção dramática segundo a 
diversidade de influencias que actuam sobre o nosso espiri- 
to, e principalmente nos effeitos d'essas influencias, manifes- 
tadas na delicadeza e chiste de uma urdidura fácil, que prova 
quanto este escriptor se inspirou dos verdadeiros mestres 
da scena moderna, como Emilio Augier» Júlio Sandeau e 
Dumas filho. 

< A Fabula de leão e a pintura não é uma comedia de in- 
triga, nem uma comedia de caracteres, é um jogo ligeiro e 
espirituoso de perfis esboçados ao correr do lápis: é uma 
.galeria de episódios, mas encadeados com arte, e todos su- 
bordinados a uma idéa predominante. Esta idéa, que o au- 
ctor symbolisa na antiga fabula do leão e a pintura, é des- 
mascarar as culpas dos homens e a sua pouca generosida- 
de, retratando-se sempre triumphantes, porque são elles os 
pintores. Porém, n'esta comedia é a mulher que toma auda- 
ciosamente o pincel, e vendíca o seu sexo, delineando o qua- 
dro, e metteado-ihe o collorido de modo que nem sempre 



LITTERATURA 197 

fica dos mais lisongeiros para nós outros. E eis a razão 
porque o papel da mulher da sociedade presente apparece 
expresso com mais intenção, verdade e relevo, sacudindo 
para cima dos homens os defeitos, e por vezes os ridicTulos, 
que a pouca imparcialidade d'elles intenta fazer suppor in- 
natos e característicos da indole feminina. 

lEste pensamente, só per si, apresenta o sr. Lacerda como 
um campeão sympathico ao lado das phalanges amáveis; 
e nós, ainda mesmo vendo-o passar com armas e bagagens 
para o arraial do bello áexo. não podemos deixar de o 
applaudir, sem grande humilhação para a nossa vaidade, e 
dizer-lhe que tem razão.» 

No Gymnasio, o movimento litterario lambem se fez sen- 
tir. O Defensor da egreja, drama sacro de grande espectá- 
culo, do sr. César de Lacerda, revela estudo. Mais de um 
lance se inspira dos Martyres de Chaleaubriand, e Sebastiãa 
se não è o Eudoro, na elevação épica do poema do emi- 
nente escriptor francez, anima-se do mesmo fervor e puro 
affecto christão. 

Seguem-se duas comedias, ou antes dois quadros, um 
notável pela lição que do seu exemplo pôde seguir-se para 
as classes laboriosas, outro espansivo de movimento cómi- 
co, e ambos do sr. D. José de Almada. O Casamento sin- 
gular e a Associação na família mostram duas phases do 
seu talento para a scena. A Associação na familia é uni 
ensino á classe pobre: diz-lhe que da sua perseverança no 
trabalho, e da associação dos seus esforços, no santo e puro 
grémio da familia, resulta a abundância dos bens da fortu-. 
na. Avaliando os intuitos e alcance doesta comedia, já havía- 
mos escripto, entre outras reflexões, o seguinte: 

«D. José de Almada é do povo pelo coração, e homem 
de lettras pelos dotes de espirito. O pensamento que o de- 
termina n'estes seus ensaios, animado lodo de um desejo 
fervoroso de progresso moral, illnmina-se da verdade da fé 
chrislã. tão resplandecente e vivificadora em todos os pre- 
cipícios das veredas da existência. 

ffN'este ponto, o auctor da Prophecia está bem longe dos 
espíritos facciosos, a quem o desejo de lisongear o povo, 
e não o cuidado do seu adiantamerito moral, é a única ins- 
piração que os domina, inspiração que mal disfarçam, com 
os artiflcíos do estylo, as vistas insidiosas do falso reforma- 
dor ou do propagandista, que existe por detraz do romaa-> 



198 UTTfifiATURA 

cista OU do dramaturgo. D. José de Almada, pelas tendên- 
cias do seu caracter, pela eschola a que pertence e de que 
se tem ostentado soldado audaz e perseverante, não tem 
parentesco algum intimo com esses talentos agitados por 
um estéril pensamento democrático; pertence, pelo contra- 
rio, á raça sincera e franca, mas ardente de desejos e tenaz 
nas suas idéas de reforma, dos homens que, como Jeremias 
Golthelf, actualmente em Allemanha, desejam derramar o 
bálsamo da consolação em muitas feridas profundas, que 
roem a vida e amortecem todas as nobres aspirações nas 
classes inferiores. Esta raça de escriptores populares era 
bem que tivesse um adepto entre nós, e nenhum de certo 
melhor do que o auctor da Associação na família, pelo 
amor desinteressado ao pobre povo e pensamento fecundo 
de o levar pelo caminho da religião @ do trabalho a uma si- 
tuação perdurável de felicidade, que transluz em todos os 
seus ensaios d'este género.» 

O Abel e Caim é a estrêa de um mancebo de engenho, 
mas cujo titulo, que resume um profundo thema moral, o 
comprometteu de certo. Como indemnisação para o publico 
do Gymnasio, apparece o Segredo de uma família, drama- 
comedía vasado nos moldes da escola analytica, o qual es- 
tabeleceu lisongeiros créditos dramáticos ao actor Santos. 

Varias producções de menos monta ha que registar ainda, 
como o Café concerto, O juízo do mundo, Um dia de inde- 
pendência. Homem das cautellaSf distracções de alguns mo- 
mentos, satyras de occasião, intervallos cómicos, farças ga- 
lhofeiras, que são como os saynetes de theatro hespanbol, 
para desenfadar as platéas de composições mais sérias. 

Porém, que não esqueça o bello remate do anno, o en- 
graçado intervallo cómico, Os effeitos do vinho novo, era que 
Taborda resume todas as faculdades do seu prodigioso ta- 
lento de imitação. Os sectários de Baccho, não do Baccho 
mythologico, mas do Baccho muito dos nossos dias, a quem 
o oidium tuckeri devastou os domínios, festejam o confrade 
com inveja e ufania, e aquelles que o não são, riem a bom 
rir da jocosidade do comediante. 

Ha ainda differentes producções nos outros theatros, á 
que esta revista não pôde deixar de comprehender, no seu 
curso rápido. Anjo Maria é de certo a melhor obra do sr. 
€ezar de Vasconcellos: é um drama de uma acção simples, 
mas cajo dialogo prende a attènção do espectador pela sin* 



UTfBBAVOBA 199 

'geleza de algumas situações affectuosas. No Cerco de Ba* 
dajoz, do mesmo escriptor, appareee um episodio da guerra 
peninsular, disposto com arte para estimular os brios pa- 
trióticos de uma platéa popular. 

Mas façam praça, e deixem passar a rainha da época, a 
maga de condão irresistível, a Girce que reduz os especta* 
dores á condição de autómatos boquiabertos; deixem pas* 
sar a magica, a maligna tyranna dos espíritos, o salvaterio 
sonhado de empresas em apuros de ãnanças, a cubicada 
pasmaceira da população ribatejana; deixem-na passar, que 
ella ahi vae precedida do génio tutelar das bagalellas, sal- 
tando-lhe era turbilhões doudejantes, na frente e atraz, os 
gnomos e sylphides dos seus esconjuros, que se estorcem 
em visualidades de effeito assombroso, procurando os gei- 
tos, os esgares, as tropelias, as transformações, as incríveis 
o inimagináveis metamorphoses que só asMorganas, Amidas 
e Mesulinas todas do universo, tendo á sua frente o pri- 
meiro bruxo dos abysmos infernaes, poderão realisar, para 
ter suspensas, nas convulsões de uma permanente hylari- 
dade, as platéas mais boçaes dos domínios da boa fél 

E a magica não invadiu só as Variedades e Rua dos Con- 
des, scenas climatéricas de bruxedos e malefícios, onde nas- 
«ceu e medrou o magico de Salerno e o diabo engendrou o 
annel de Giges: este monstro, como a Sphinge, aliiou to- 
das as curiosidades e estendeu a sua fama a todos os po- 
yos. Novo Proteo, chamouse Príncipe Verde na Rua dos 
Condes, Ráno das Fadas nas Variedades, e até attentoa 
contra a santidade da Bíblia, indo furtar ao sábio rei Salo- 
mão o seu annel, só para obter entrada no Gymnasíot... ^ 

Vejam a que ousadias a temerária se não abalançou! 



r O romance é o género litterario que se identifica com o 
tbeatro por mais estreitas relações, por isso o vemos appa- 
recer com o mesmo desenvolvimento e symptomas. 

Á frente dos nossos romancistas continua a Qgurar Ca- 
millo Castello-Branco, o talento vigoroso, o observador pe- 
netrante que reproduz do natural os accidentes da vida com 
a exactidão de desenho e verdade de colorido dos grandes 

* Uma magica representada no Gymnasio com o titulo de Annel do Sa^ 
iomão. 



^2? 



200 LnTBlUTDRA 

pintores realistas. Torna-se diCBcil escrever d'esle escriptorSí 
em poacas linhas, e ainda mais do género de inspiração de A 
que elle é o órgão e muitas vezes o próprio heróe. É real- \ 
mente indispensável que elle possua o sentimento da poe- 
sia cavilhado á alma, como diz Cuvillier-Flenry. Paliando de 1 
Henrique Heine, para resistir ás mostras de máu gosto de / 
uma sociedade composta de indivíduos abençoados por uma j 
estúpida fortuna, como aquella que o rodeia! E Camillo Cas- / 
tello-Branco não deixa por isso de ser o poeta, a imagina- 
ção viva e prompta, mas torna-se o satyrico. Das tenden^ 
cias do seu espirito em conflicto cora as contrariedades bur- 
lescas que uma sociedade multiforme e absurda lhe poe ena 
frente, nasce a lucta de idéas que dispara os seus melhores^ 
epigrammas. Em cada quadro que sahe da sua* penna ha 
de certo muita dor compadecida, muita resignação nobre- 
mente exaltada; mas, no auge de indignação do seu anima 
irritado pela ostentação dos orgulhos ineptos que a ironia 
do acaso improvisara, o escalpeílo de Rabelais acode a agu- 
çar a penna do romancista, e o romancista acaba por tro- 
car a penna pelo escalpeílo e dissecar as carnes do primeiro 
parvo ou egoísta que se lhe apresenta. Porém, com que 
graça, com que rodeios tão frisantes e originaes, com que 
certeza e celeridade de golpe, com que gargalhada estri- 
dente e ferina elle não amarrota essas vaidades, atirando- 
Ihes ás faces as zombarias de uma satyra implacável I 

Ás vezes a observação das chagas postulentas da corrupr 
ção personalisada, que por ahi se pavonêa de commenda ao 
peito e titulo de visconde na algibeira, torna-o ura d'esses 
pintores nimiamente meticulosos, os quaes fazem consistir 
os prodígios do seu pincel na reproducção quasi microscó- 
pica das minúcias da realidade; porém, os voos da sua phan- 
tasia, pela força virtual que os impelle, erguem-no súbito 
d'estes lodaçaes, e ainda mesmo tocando a terra cora as 
suas sandálias, percebe-se que o talento lhe nascera para 
se ostentar na região das brilhantes ficções. 

Même quand Foiseau marche, on sent q'il a des ailes. 

Não é fácil dizer o porquê, mas o seu livro Duas horas 
de leitura é um dos livros que mais fundas impressões nos 
deixaram. Não é um romance, são as angustias de duas ou 
três almas desditosas^ contadas com a memoria da saudade 



UTTERATDRA 



201 



\ 



[que dilaceram, e a efifusão de sensações excraciantes. O cora- 
[ÇBO e a phantasia reinaram sós e despóticas n'estas paginas: 
as faculdades do philosopho e do eslylista obedeceram-lhe 
cegamente. Que melancholica poesia nao existe n'aquelles 
amores de Paulo e Mathilde! Aquella capellinha, que alveja 
ao sopé da egreja de Lessa, passa e repassa na imaginação, 
como o alvo phantasma de uma mulher que amassemos com 
extremoso affeclo. E que tristeza não respira, todo aguelle 
conto Sete de junho, em que o auctor narra a fatídica* e mys- 
teriosa morte de um seu amigo f Mesmo a Recordação in- 
delével, que não passa de um delírio de poeta, como os ima- 
ginava Hoffmann,;encerra um inexplicável attractivo de sau- 
dade e poesia. Ha o que quer que seja de vago, de inde- 
ciso, e phanlastico em toda aquella narrativa, aliás tão sin- 
gela e magoada. E diante d'aquella recordação da Maria do 
Adro, não é verdade esvoaçar-nos a imaginação, tentando 
fugir a tanta angustia, mas debalde, fascinada pelo segredo 
d'aquella pathetica sympalhia, como a mariposa attrahida 
pela luz que a devorai O esqueleto da pobre rapariga como 
que nos apparece. Aquella caveira de alvura de jaspe, sus- 
tendo ainda os dentes que conservam o verniz do esmalte; 
as phalanges d'aquellas mãos que o auctor beijava e que 
não tem a mais ligeira mancha; aquella symetrica inserção 
das costellas que faz lembrar a cúpula de uma urna, onde 
um anjo do céu foi buscar o coração que não era da terra, 
tudo isto resume a expressão singela de uma melancholia, 
que só o coração do poeta sabe sentir, quando geme ins- 
pirado pelo génio das tristezas infinitas. 

Camillo Castello-Branco publicou também, no anno pas- 
sado, mais dois livros: a Vingança, e o Que fazem mulhe- 
res. A primeira leitura do titulo d'esta ultima obra suscita a 
idéa de uma physiologia de Balzac, em qus a sagacidade ana- 
íytica do auctor e as maravilhosas faculdades do seu estylo 
descriptivo se poderiam ostentar com vantagem para a de- 
monstração de similhante these; mas tal impressão rápida 
se desvanece, vendo o assumpto reduzido ao quadro restricto 
de um amor contrariado, em que o sentimento filial se exal- 
ta na prova do maior heroísmo de que é capaz a mulher, 
pela resignação, e pela resignação em todas as perigosas 
consequências do pudor ultrajado da filha e da esposa em 
favor de uma mãe adultera. 

A Vingança será uma ficção ou uma realidade? É me- 



202 LnrmmAiruxA 

Ibor nSo o saber. Deixemos antes suppor que a mente do^ 
romancista se compraz de crear rfestas monstruosidades» 
que enchem de opprobrio a sociedade moderna, do que as 
julguemos possiveis de realisação. Mas em todo o caso, que 
negra sorte a de Constantino de Abreu e Lima, tornado de- 
pois barão da Penha ! Sâo taes factos na existência do ho- 
mem que explicam depois a demorada ago nia no pungi r 
a cerbo do remorso. ^ "*"*" ' — 

Ainda mais um livro de malaventurado desfecho, a Vida 
em Lisboa, de Júlio Machado. Custa a crer como aos vinte 
annos, com a imaginação a florir, possuindo-se um génio 
que desafoga tão facilmente nos chistes de uma conversação 
deleitavel, se escrevam cousas tão totuosasl 

O final da Vida em Lisboa é quasi um final de Dovella 
allemã. O leitor, engodado pelo titulo, presume ter de as- 
sistir a uma d'essas exposições physiologicas, em que o dedo 
do analysta vae indicando a natureza e funcções dos ele- 
mentos vitaes da existência da capital. E efíectivamente Lis- 
boa, nos seus accidentes mais caracteristicos, e no seu vi- 
ver mais universal, ahi apparece, como um quadro cheio 
de contrastes, onde brotam e robustecem os amores de dois 
jovens com quem desde logo engraçámos. Porém, depois? 
Depois o leitor paga caro a sua curiosidade de mero íou" 
rista, porque os trances aíHictivos de uma paixão infeliz 
começam de seguir-se, e a impressão é mais pungente, 
vendo a mão da morte cingir a coroa do sepulchro áquel- 
les amores que as nossas esperanças acreditavam risonhos, 
mesmo através dos infortúnios de uma sorte adversa. 

O estylo é tudo n'este livro, não pelo que é, mas pelo 
que promette ainda ser. Ha uma combinação de sensibili- 
dade e de Ímpetos de phantasia em todas aquellas paginas, 
que só é natural determinal-a o condão do estylo feminino. 

Observa-se, sobretudo, uma tendência para o género epis- 
tolar, o que mais justifica este reparo. Ha o sentir fino e 
delicado, e a fluência elegante, que parece facilitar a mani- 
festação abundante d'estes dotes. Já lá vae o tempo das no- 
vellas de mads. de Genlis e Cottin, comtudo talvez os mo- 
delos que ellas nos legaram, nas cartas de Amélia de Man^^ 
fiel e dos Serões do Castello, impressionando o auctor na 
infância, contribuíssem para lhe aprimorar um género, que 
não é commum á índole litteraria de nossa nação. 

A Mulher do século é outro romance de um mancebo 



uTTsaATimA 303 

que auspiciosamente encetara a carreira litteraria, o sr. Marr 
quês Pereira. Mas, por Deus, que é das suaves chymeras, 
dos sonhos fascinadores da mocidade, que esvoaçam como 
turbilhões de borboletas, cujas azas reflectem as cores de 
um matiz realçado por mil focos de luz?! Esse paraiso das 
imaginações juvenis seria já de todo despovoado pelo taci- 
turno e fatídico arcbanjo dos desenganos ? 

Os sorrisos da existência, o sopro embalsamado da ven- 
tara, não serão agora senão trevas, apenas fendidas pela luz 
sanguínea dos relâmpagos nas tormentas da sociedade? 
Cremos que sim, pelo menos os seus prophetas e analystas, 
os homens de lettras, assim nol-o affirmam. A Mulher do 
século é um d'estes tristes documentos de uma alma de 
mancebo que sente desbotar as flores do ideal para accor- 
ãar analysta do coração feminino. 

Todavia, a critica tem direito a não acreditar n'estes sce- 
pticos que, ainda nos primeiros passos da vida, se assentam 
já á beira dos abysmos das tempestades humanas, a con- 
templar os seus estragos. Devia talvez dizer-lbes o verso de 
Victor Hugo : 

Âllez vons en avec tos fleuis tautes fanées, 

mas não : a phantasia tem caprichos que uma alma de man- 
cebo não sabe reprimir. E quando esses caprichos são os- 
tentados em auspiciosas qualidades de escriptor, a critica 
emmudece e espera, porque os annos, a reflexão e o tempo 
operam o que ella não poderia conseguir. 

Entrámos agora mais desassombrados nos domínios da 
poesia. O seu borisonte límpido e banhado de luz deixa 
respirar largo e embriaga os sentidos. Os aspectos da vida 
real, como nol-os-ia apresentando o romance, traziam-nos 
uuvens luctuosas ao espirito. 

O anno findo conta três livros de poesia, todos de valor, 
todos desejados pela curiosidade publica. Parte dos Cânti- 
cos áo sr. Mendes Leal já o amador das lettras conhecia; 
mas agora, colhidos e agrupados pelo título emblemático 
de lyra, harpa e alaúde, reúnem, n'um conjuncto de raptos 
brilhantes de suaves modulações sopradas sobre a cythara 
antiga, e de endeixas que o génio da poesia moderna ins- 
pirara nas horas de desillusão, as três manifestações mais 
âistínctas do talento lyrico do illastre vate. Ha muito prir 



204 LITTERATDIU. 

mor de forma n'esle livro. E n'este tempo, em que as leis 
a segredos do machinismo poético são tão pouco respeita- 
dos, um livro d'esles possue a valia de uma riqueza litteraria. 

O sr. Francisco Gomes de Amorim também reuniu n'um 
bello volume os seus versos derramados por tantos perió- 
dicos e publicações, a que accrescentou outros recentes, 
pondo a todos o titulo de Cantos matutinos. Esta alvorada 
do sentimento poético desponta para o mimoso cantor com 
todas as suaves bafagens, com todos os vivos e prismati- 
ticos reflexos de um esplendido sorriso da natureza. Go- 
mes de Amorim é, principalmente, um poeta do coração : 
sente mais do que delira, n'esses delírios embora accesos 
pelo fogo sagrado da inspiração. Em geral, as suas poesias 
marítimas são as que se recommendam sobretudo pelo vi- 
gor do estylo, levantado por vezes de bellos pensamentos. 

Mas porque motivo o mancebo, poeta, que é nosso por 
uma adopção para nós lisongeira, e brazileiro por aquelle 
sentimento nostalgiaco que não deixg jamais de martyrisar 
os peitos abertos aos grandes affectos, porque motivo se 
não inspirou das altivas e vigorosas scenas da America, cu- 
jos aspectos e maravilhas de vegetação levam os germens 
da poesia a toda a imaginação viva e impressionavel? Infe- 
lizmente este reparo não cabe só ao sr. Gomes de Amorim, 
cabe a todos os vales brazileiros, com varias excepções. 

Deixem, porém, anininciar-lhes a segunda edição de um 
livro, que é como. novo pelas excellentes condições de que 
foi accrescido e pela anciedade com que era desejado. 

Falíamos das Poesias do sr. Soares de Passos, um dos 
mais incontestáveis talentos portuenses. 

Soares de Passos pertence á família de creaturas escolhi- 
das, de espíritos de eleição, que, no meio de um materia- 
lismo invasor e das túmidas provas de uma indiflerença cal- 
culada, conservam no coração e no pensamento, como re- 
fugiados n'um vaso de symbolico perfume, a pureza do sen- 
timento religioso e o amor ás cousas da pátria. É um ele- 
gante e amável theosopho feito para amar, para crer e orar. 
As impressões e inspirações de Lamartine agitam-lhe o peito 
e accendem-lhe o eslro. O gosto das meditações solitárias, 
os extasis do espirito ante as magestades da creação, os 
raptos enthusiasticos pelas tradições gloriosas da nossa his- 
toria, eis -os mysterios e os fogos que ardem e se refugiam 
dentro do sacrário d'aquella alma. Uma lyra, allumiada por 



LITTERATURA 205 

uma lâmpada de santuário, poderia ser o emblema do seu 
talento: o hymno exaltado pela unção religiosa. 

Quizeramos aqui reproduzir algumas das suas formosas 
paginas ou estrophes; e que paginas ainda frementes das 
sacrosanclas convulsões do estro, e que estrophes segreda- 
das nas horas em que o génio da poesia parece eucerrar-se 
todo no peito de seus predilectos! Mas a natureza doeste 
trabalho pouco o permitte. É-nos apenas dado lançar um 
olhar de admiração ao seu livro, e saudarmos o mancebo 
trovador na sua passagem gloriosa. Âs poesias, A Pátria, 
Camões, O Anjo da humanidadp^. Anelos e o Firmamento 
bastam para fazer uma reputação. Esta ultima é digna de 
figurar na collecção das Meditações de Lamartine. O estylo 
de uma belleza de forma admirável, eleva-se á verdadeira 
altura da phílosophia espiritualista pelas inspirações gran- 
diosas do poder da Omnipotência. O leitor está a pedir-nos 
decerto que traslademos sequer algumas estrophes doesta 
concepção notável, e nós não podemos resistir. Âlludindo 
ao fim predestinado da terra, Soares de Passos conclue: 

Um dia, quem sabe? um dia ao peso 

Dos annos e ruínas 
Tu cahirás nesse volcão acceso 

Que teu sol denominas; 
E teus irmãos também, esses planetas 
Que a mesma vida, a mesma luz inflamma, 
Attrahidos emfim, quaes borboletas, 
Gahirão, como tu, na mesma chamma. 

Então, ó sol, então nesse áureo throno, 

Que farás tu ainda, 
Monarcha solitário e em abandono 

Com tua gloria finda? 
Tu findarás também; a tua morte 
Alcançará teu carro chammejante: 
Ella te segue, e prophetisa a sorte 
N'essas manchas que toldam teu semblante. 

Que são ellas! Talvez os restos frios 

De algum antigo mundo. 
Que ainda referve em borbotões sombrios, 

No teu seio profundo! 
. Talvez envolta pouco a pouco a frente 
Nas cinzas sepulchraes de cada filho, 
Debaixo d'eilas todaç de repente 
Apagarás teu brilhante brilho. 

£ as sombras poisarão no vasto império 

Que teu facho aliumia: 
Mas que vale de menos um psalterío 

Dos orbes na harmonia? 



206 IJTTERATDRA 

Outro sol como tu, outras espheras 
Virão no espaço descantar seu hymno, 
Renovando nos sítios, onde imperas 
Do sol dos soes o resplendor (uvino. 

Gloria a seu nome ! Um dia meditando 

Outro céu mais perfeito, 
O céu de agora a seu altivo mando 

Talvez caia desfeito 1 
Então mundos, estrellas, soes brilhantes, 
Qual bando de águias n 'amplidão disperso, 
Chocando-se em destroços fumegantes, 
Desabarão no fundo do universo I 

Então a vida, refluindo ao seio 

Do foco soberano, 
Parará, concertando-se no meio 

D'esse infinito oceano: 
E acabado por fim quanto fulgura, 
Apenas restarão na immensidade 
O silencio aguardando a voz futura, 
O throno de Jehovah, e a eternidade I 

Qae magestade de pensamento I 

Ao leitor parece-lhe assistir a toda esta scena solemne, 
cm que os mysterios dos orbes creados absorvem as mais 
arrojadas reflexões do philosopho. Senle-se alé como arre- 
batado nas azas d essa inspiração ao mesmo tempo audaz 
e contemplativa, que o solta depois atónito e cortado de 
admiração e terror, no infinito dos espaços! 

Se é possível assignalar ao poeta as horas naturaes da 
inspiração e do canto, como se dá na ordem da creação 
com certas aves harmoniosas, dir-se-ha que Soares de Pas- 
sos presente as horas bafejadas de calor divino, e canta só 
n'esses dias esplendidos, em que as maravilhas da natureza, 
mergulhadas em ondas de luz, apregoam os altributos da 
divindade em hymnos de harmonia universal. 



Mezes apenas, depois de ter escripta esta revista, falle- 
ceu o talentoso mancebo. O seu termo já era presentido de 
todos, e eu havia-lh*o adivinhado até no fundo de melan- 
cholia de suas composições. 

Aqui ajunto o que por essa occasião escrevi na Chronica 
da Revista Contemporânea, eqoe de alguma sorte completa 
os poucos traços com que tento esboçar tão peregrino e sym- 
pathiço engenho poético. 



UrTERATORA 207 

«A chronica d'esta vez lem de se encarregar da mais af- 
jQictiva e solemne das missões, que é de registar a morte 
de um mancebo, a quem as lettras tinham perfilhado como 
um dos seus mais predilectos filhos. A perda de Soares de 
Passos é uma perda irreparável para todos os amantes da 
poesia, porque poetas da sua elevação nâo sobejam em Por- 
tugal, nem na Europa. 

«Soares de Passos era um talento que filiava entre nós a 
escholade Lamartine. Alma que um sentimento vivo do 
bello inflammava e consumia, póde-se dizer que todas as 
soas aspirações, todos os seus arrobamentos e desabafos, 
não eram outra coisa senão a manifestação d'esse mesmo 
sentimento, que, na arte e na natureza, procura as harmo- 
nias, cujos echos occuUos e mysteriosos só os pôde e sabe 
encontrar o verdadeiro génio contemplativo. Era de certo 
d'estas disposições especiaes que lhe provinha o excesso de 
sensibilidade, que se tornava ao mesmo tempo a melhor 
fonte de suas nspirações e a causa directa da sua morte. 
Como Gilbert e Millievoix, como Mozart e Bellini, organi- 
sações que se consumiram na intensidade das chammas que 
lhes ateiavam os mais ardentes e sympathicos Ímpetos, Soa- 
res de Passos era um d'estes espíritos para os quaes os li- 
mites do mundo são apertados e afflictivos, e que sentin- 
do-se impellidos por azas de fogo, e necessidade de as des- 
prender nos horisontes sem fim das obras dispersas pela 
mão de Deus, devoram o espaço com o vôo de águia. As 
poesias o Firmamento, o Amor e a eternidade, e o Anjo 
da humanidade, são a expressão mais completa d'este ta* 
lento. 

«Basta ler as estrophes seguintes, para fazer ídéa de uma 
d'essas arrojadas concepções. 

Gloria a Deus ! eis aberto o livro immenso, 

O livro de infinito, 
Onde em mil letcas- deiul^or intenso 

Séu nome adoro escripto. 
Eis de seu tabernáculo corrida 
Uma ponta do véu mysterioso: 
Desprende as azas, remontando á vida,' 
Alma (jue anceias pelo eterno goso ! 

Estrellas que brilhaes n -essas moradas, 

Quaes são vossos destinos? 
Vós sois, sois as lâmpadas sagradas 

De seus umbraes diviiíos. 



208 LITTERATI7RA 

Pullulando, do seio omnipotente, 
E sumidas por fim na eternidade, 
Sois as faiscas de um carro ardente 
Ao rodar através da immensidade. 

E cada qual de vós um astro encerra, 

Um sol que apenas vejo, 
Monarcha de outros mundos, como a terra. 

Que formam seu cortejo. 
Ninguém pode contar-vos : quem pudera 
Esses mundos contar a que daes vida, 
Escusos para nós, qual nossa esphera 
Vos é nas trevas da amplidão sumida? 

«E â melancholia vaga que transpiram todos os seus ver- 
sos, nâo é como o presentimento indefinido de uma morte 
próxima?! 



Mas se as flores dps campos voltarem. 
Sem que eu volte'com as flores da viaa, 



disse o poeta na sentida endeixa a Partida, maguado o fa- 
tídico adem que o coração proferiu talvez, como o profe- 
rira Millevoix na sua Queda das folhas^ antes que as som- 
bras da morte lhes cercassem de todo os dias da existência. 
«Soares de Passos deixou-nos um livro de bellos versos, 
mas o seu estro mal havia encetado o grande gyro que po- 
deria percorrer. Alma que apenas transpunha os limiares da 
existência, e que ahi se demorava a pensar nos segredos 
insondáveis da humanidade, e a admirar as grandezas es- 
plendidas do universo, voou para a sua verdadeira pátria, 
porque todas as suas poesias são verdadeiramente uma prova 
d'essa nostalgia com que certos espíritos privilegiados dos 
revelam a sua origem e a necessidade de volverem a ella. 
Na terra apparecem-nos apenas como peregrinos, e a mão 
da Providencia é-lhes propicia, lerminando-lhes cedo essa 
romagem, que para elles é de queixumes e agonia.» 



Falta-nos fallar dos livros que representam um valor 
real para muitas das necessidades positivas da sociedade, 
dos livros de indagação histórica, de largos e fecundos in- 
tuitos moraes, de vantagem para o ensino, dos livros, em- 
fim, que nos trabalhos do pensamento dispõem os materiaes 
e firmam os fundamentos do vasto edíficío intellectual. Neste 



Mofjdo» â Aea Cernia Real das Scienci^ publicou no aonofiur 
do (liaas.boasobraB q^e |Q4ere$3ain «á ^ossa historia, que são 
Q, Quadro Elementar dai! relaçõ^ politicas e diplomaiicas de 
P4)rtuffai e d^s tendas da índia poriGaspar Corrêa, Este uh 
timo trabalho, incumbido ao reconhecido zelo e escrúpulo^ 
do esclarecido çoUector, jo-sr. Rodrigo Feloer, contém .a bist 
toria da Ásia. É um subsídip iiuliapeasai^el para a nossa his^ 
loria geral e preslado pelo: testemunho e solicitude de um esr 
criptor contemporâneo, como |è Gaspar Corrêa, que antes d^e 
floroâo Lopes Castanheda, começara a lançar os alicerces d^ 
bisiofiada índia. O Quadro.elementar, um laborioso reposi* 
lorio de. documentos dipÍQníiatiQpS;,e políticos, levado até 3^ 
^y volvmie p^lo defunçlo yiscoí^^ deSaNtarém, p^osegue-Q 
^gora o sr. ftebello da gHva icqo^ a paciência e esforço d^ 
analyse.que dema^iclam eMas obras. Ma^a introducçâo, qu^ 
fi dí^tineto académico põe r)a frente dp. volunie, é um tra^ 
^aillioiqmmamente importaple para a publicação. Âinv^sãú 
dos Pbilippes, inquerida e examinada nas suas causas remor 
)^ e CfOmple^s^ ai>re caminbo ao. profundo analysla para 
URia bella. dissertação histórica,; em que, os reinados da 
D. }çio II, D. Mamueie D. João l\l, apparecem vistos 4 
luedp uma critica segura, em todos os seus. manejos de 
krtriga palaciana» descrimjnando-se do seip doestas «trevas 
de enredos surdos e maçhin^içoes U^aiçoeiras os vultos prior 
fuipa^^ que na fidalguia e. no. clero concorreram para a (^^ 
^aiJ^ncia. e; eçitr^ga de .P^rtugali .Prw^ium grarjde xqí^heoj^ 
.iSi^Qt(6|.das fuccassQs.da épip/i^a. çste pref^cjOt.e^qripto com 
ô jlqcijipz e facitoa^e .de,e|xpfl$jgâo,jí^ .^{^dad.eiro estylf 
Jki$rtor4co^ £ que grande vintMderjdej^ríed^de ps^ra a pepn^ 
.^bjtqada a voar,, .caípdolt^ô (}oísJ)icqs ós pr><^^^^ ^ niar 
.tj^e^ do idioma, resjtringír-^.ás liphas<se.vçr9s.d'e£te eslyi(>, 
4]ue «participa doaniigQ.pqj^^^ siD)plicidade elegaQf,eie.!)pr 
jtai^p.ds período! . ,. . . ... . íj 

■,■: A ; jísle ■ grupo . (^e. ; trabialhas: da .kd-^gaçáo , e anajy^ veíR 
jÍiptarTÉ;^.naiiirâhpeflt,e. o' úmio^da fJngtm Vortugi^e^iÇk, dç 
.^víPrap^isco Evjgristo; Jbepnii ya^o .triif)#p:.em qup.jO^.ãttf 
^qtpr i9coqw|u|qu ps <tnfiter?iaeS: colbi4Qs.^n^ longos ;ai;^i^Çi$i d^ 
Cl#fud0'}e de. trato ií^ifimp e.iT^flÉíctido cCiín.o;^;ne|i}brgp..pj^ 
.Cr4{>t^ír*5^ n»<^ip««es,;e. ^^fíujgsif^. ..)3 , qíRflVqbra ipái^p^n^^af 
.vfl,a,4o^,4? iw)9^ffl.clS,lgiitfl^s, .qçi Oj|í;inii^i«p l^-ft.flfi.HRf 
íPfiãp;#.a dicçipflario,.4aí.$^(/ingiia,:.tÇfljpfH) fl,i.§fie,jyí»tpçí]fj 

TOMO I 14 



2t0 LmisitÀTtTitA 

as rasSes philosopbicas e tornando vulgares os seus toais 
occullos mysleriòs. O Dtúcionario Bibliographico PorttJh 
guez, do sr. Innocenció « Francisco da Silva, apresenlâ-se 
também como um doestes livros úteis, onde o cròdlto en- 
contra, coílegidos e catalogados, os resultados de Fundas e 
laboriosas escavações. A obra do sr. Figaniére, a Biblio- 
graphia Histórica Portugmza, restringindo-se aos escripto- 
res históricos, e a Bibliotheca de Barbosa Machado, parando 
n'uma época afTastada, deram margem a que o sr. Innocen- 
cio prehenchesse agora com vantagem essa lacuna, aliás tSo 
prejudicial para quem tivesse de consultar ou lançar alguns 
dos traços biographicos dos nossos escrlptores dos últimos 
tempos. O Tratado de Metrificação, do sr. Castilho, livro 
onde as seducções do estylo fluente, elegante e puro do 
poeta casam com as atiladas reflexões do philosopho, com- 
pleta este quadro de lucubrações de utilidade real para os 
elementos do ensino desenvolvidos nas regiões da alta lit- 
teratura. 

N'esta digressão pelos domínios escabrosos da pbilologia 
toma um logar distincto a ultima obra do sr. Silvestre Ri- 
beiro, O Dante e a Divina Comedia. A litteratura italiana, 
com pena o dizemos, nunca foi muito cultivada em Portu- 
gal. O grande poeta toscano, o pae da poesia moderna, n3o 
tinha nem um expositor, nem um comentador entre nós. 
Dante abrange o seu século: a sua monumental trilogia 
abraça uma epopèa universal. A historia, a poesia e a 
sciencia do seu tempo, resumeas este poema admirável. 
Porém, o que mais assombra n'esta producçSo excepcional 
é a perfeição da linguagem que, como muitas das prophe- 
cias politicas d'aquelle génio que transcende os séculos fu- 
turos por uma virtude de previsão que realisa o mens dt- 
vinior dos antigos, adivinha também ella todas as formas e 
alcança os primores de estylo, que o idioma italiano, ainda 
depois de volvidas muitas eras, procura n'aquelle subfime 
repositório como manancial copioso em que se retempera, 
avigora e fecunda. Mas a dificuldade, como diz Yíllemaín, 
é interpretar e reproduzir em linguagem estranha tal per^ 
feiçSo, tão vivamente apreciada pelos nacionaes. Este tra- 
balho tem sido uma das grandes fadigas dos glossadores e 
traductores. Para dar idéa clara doesta vasta encjclopedia 
pbilosopbica, histórica e theologica, lembrou a admirado 
geral na Itália o criarem-se cadeiras em muitas cidades, onde 



umuuMfmu itl 

fossd explicada. Boccacio foi um dos phílologoft quo occnr 
pamin a cadeira de Florença» íDStituida para este fiai. De^ 
paiSt desde PiombíQO até ao padre Lombardi, e desde o ab* 
bade Le-Bassu até Rivasol e Ârlaud, os comentos, as oolas 
iliustrativas, as parapbrases, as dissertações mulliplicaram-se 
a ponto que constituem boje um ramo líUerario fácil de eih 
cher qualquer bibiiotheca. E comtudo» no seio doesta abun*^ 
dflocia, d'esta superfluidade, digamol-o assim, porque mui- 
tos dos expositores e interpretes n3o fazem senão repetir-se 
8 obscurecerem mais o texto ; no meio d*esta babel escolas** 
tica e tbeologica, histórica e critica, nós nada tínhamos se* 
n3o a.noticia vaga do auctor, fortificada por um ou outro es- 
tudo isolado devido á curiosidade de alguns raros eruditos. 

O trabalho do sr. José Silvestre veíu por tanto preencher 
esta lacuna. O seu livro de Dante e a Divina Comedia é 
mais uma obra didáctica, dentro dos limites da philologia» 
do que uma d*essas enredadas e metaphysicas dissertaçSes» 
que antes confundem que elucidam o homem de lettras na 
indagação do pensamento e nexo da obra colossal do poeta 
toscano. Mas é por isso mesmo que o seu mérito sobe de 
preço. Só o que desejamos é que o 2.® volume siga de 
perto o primeiro, e que este trabalho se complete, porque 
importa um auxiliar valioso para aquelles que conhecem o 
parentesco intimo que a nossa poesia tem com os queixu- 
mes que o amor e a saudade arrancaram ao talento apaixo- 
nado de Petrarca, e que Tasso modelou na lyra. 

Mas é impossível fechar aqui sem indicar, com certo al- 
voroço misturado de contentamento, duas obras que estão 
em via de publicação, e ha muito reclamados por grandes 
necessidades: referimo-nos ao $ermanario do sr. padre Ma- 
IhiOi e ao Orador Sagrado, collecção de bellos discursos 
que a modéstia de um talento educado nos primores e ins- 
piração das lettras sacras deixa correr anonyma.. Talvez nos 
losse possível, e até licito, levantar uma ponta do véu d*este 
aDonymQ,.e o nosso acto seria para muitos credor de elo- 
gios, porque a critica, n'estas indiscrições innocentes, não 
^ría m^is do que apontar um nome já bemquisto e quaai 
qme . presentido pelas sympatbias de todos. Mas não; res- 
peitemos este melindre de um sentimento delicado, de que 
9Ó pôde ser juiz a própria. (consciência. 

No Orador Sagrado tornam se notáveis os discursos do 
Jui;^> Final, da Fundação da Egreja, do Evangelho aos 



%n tmfÈÊáinmãi 

fobreSi e Sobre oWsçatiãalOi A éloqtienetá' do púlpito» eemâ 
aitfaa ée pepsoasSo psrà o calechislá,! e c(^mplexo de^pve^ 
oéítos para a arte da pálatra apostólica^ tífvba fecbadb o-sm 
eurso sobre o gra&dioiso moDomento -eí^oido por Vifetral 
Um ou oat^o sermSo disperso, aec€8áBdo mais a diBCSldiett*- 
oía dos estudos <écicIesia$ticos, que os fulgores da Ide tlva 
do talento luspirado pêlos dogmas do catHolicismo, Tdo*n6s 
aproximavam de sorte alguma d'èsses tríumpbos do putpttò 
que, depois de Bossuet, Massillon e Flechier, contíhuiaraDl 
com gloria piara a egreja Lâcordaire e o padre Vemuná. O 
Orador Sag^rado iem a importanôia de um esforço oom eséé 
fim. Os mysterios dâ fè e as regras éa moral eVaug^elioã» 
auimando ou dirigindo o deseuvot^imeoto de algumas ÚtH 
tbéses mais evadas do chrisíiatiísmò, estendem o 9eiJ>es- 
plendor a tarías doestas orações» em' Cfae ha o vigor, mas 
ao mesmo tempo a doçura dè uma crença fervorosa; A 
penoa queòs traça eleva-se pêlos viftos-de uma natureisa «f* 
dente e pela força do enthusiasmo«ohrl6tk). Sem serem'pii^ 
ramente iheologic^s^ o^ue>restriD^ria o seu influxo a bm 
auditório knuí limitado,' a forma dialéctica é quasi sempt^eá 
seguida, e decerto a melhor para um século emque-éi»* 
cessario fâlliar> ã raBão para realisar as conquistas da e^pM** 
to» O Oradof Sagrado^ a considerar o atraso da elo^iíettcía 
do púlpito, e asi poucas luzes do nosso clero, apresentai 
decerlocomo um'bom serviço feiíío á egreja lusitanaj etdl* 
vez aos bons é lucidóls 'mstí netos- do» poto pôrltí^héa; •'• = 
Ma1s duas palavras e concluiremos eáte trabalho, qdé já 
vae longo, e que todavia tí^o ht senão indicar mi saudar 
de longe, e: ao correr da' fJemtó, as 'manifestações' taáís' é^ 
dentes do éístudo e do talerfto, no de(íorrer dé om'a«ftt>'j >E 
«ejáffi essas poôcSis palavras, qufe ba áínda a {jVoférlr.yfttt 
referencia honrosa a um ramo de áppllcação, que tio dM^ 
iembr^ido das contemplações da criíica, i3o desauxiliad'0 d« 
tfm *ndbre è efficafc <tonflOf^so de forças 'vae comtudb pro*- 
çredlndò: Ariudiriíos * pibtura e á escolptura, entt*g««^ 
boje aols esforços e msplrações de algútis mancebos tsrieti^ 
losos, què estSo, polico a poueo e ã btaÇOs com serias) Úlf*- 
ficuldad^s, SádíficáTido um período de bom novne para 96 
artes em Poíiiigal. Omaj^níSeo et)isõdio do sr. Mettm^s^,-* 
Leitura dos Lmiaddé^' é já ânftá coMposiçSo' vasta, bém 

' < tldmprado por *átia magédiàdeô sr. b. >í'eriiân^o, pára a súa gafèfàtV 



SIS 

QiiiieebMa e deltoekda» em qoe ba a loovir abeUna ãiíi 
itntafis, o estudo dos gropos e o eflèito geral da fiaBaação 
dâ.asaombror que a ieilura do Dodso priíqeira potímo epko 
pmdQz na physioBomia dos cortesãos de D. Sebastilo. O 
•leinipto é grandioso e sympatbieo: (em effeito ii^ajaaalioo 
0,.fev6la estudo de época;. e tudo realOado peia entoaçSd 
giiral do quadro, em que o artista ostenta a faelUdade de 
toque e certa suavidade de colorido. Ha uma tal amenida-r 
de,, um sopro de fresi!ura agreste, uma harmonia serena em 
toda aquella paisagem de Penha Verde, que o espectador, 
arrebatado pelo mesmo sentímeolo do poeta, tem vontade 
de exclamar. 

Oh ! Cintra 1 oh ! saadossimo retiro, 
Oode se esquecem mai^^uasít 

Quem descançado á fresca sombra tua 
Sonhou senão venturas?! 

O pincel incansável, e sempre brilhante do sr. BodrU 
giies^ continua a provar-nos que se pôde ser retratista apre- 
eiavel e egualmepte um pintor distincto. A oslentaçio dè 
Boblíâpchia da- nobreza antiga havia tornado o retrato um 
ramo de pintura aprimorado, e até certo ponto apparatoso^ 
As galerias de família dos castelios feudaes, e os salões eon^ 
sagi^os á recordação dos vultos venerandos dos avoengos» 
otoigaram a ari&iocrada brítannica a chamar mestres cele^ 
bres, como Holbein e Van Dyck. Em Portugal esta mani^ 
fealaçio orgulhosa da fidalgpia,' segundo uns^ ou pireítq 
pago á memoria dos antepassados, segundo outros, nunea 
passou de excepçpo. Galerias de família completas, só as od* 
Bhecemes no alto Minho e Traz-os-Mqntes. N*um ou n'oQ'* 
tra solar derruído figiu-am os retratos gothicos d'eate oq 
é'Aquelto fundador de um ramo nobre, e d'aiguns seus de&» 
eeDdentes, mas isto alternado, incompleto, sem nènhuioas 
das ostentações senhoris da vaidade e escrúpulo da nobi<» 
tíarchia; que tanto pompeam ainda hoje nos velhos caiteHoa 
erguidos nas montanhas da Escossia e nas margens s(hi|a 
boifli^ do ftheno. E sobretudo, esses pintores elegantes, como 
Tb<M&az Lawrence e hoje Macnee e Graot, que souberam 
j«otar ás tradições da escola flamenga as graças e mimos 
da fitttasia opoderna, nunca os ho^ve entre nós. Hoje o 
ar* Rodrigues representa este genera, geoeroi (fue allia à 
similbança períeita as ostentações e degandaa da aiodaJ 



tf4 

Brbsenlèímènte raro é o fólio d» capitai que nSo at)rèseiile 
alguns dos seus trabalhos, que sobem de valor de dia paia 
dia. Similbança que illade, grtrça earacterislica na atlttodé, 
frescura e midio nia carnação;* velkidos e 8etín's que briKiaiiii 
rendas (^e voam, jóias e ornatos que scintillam, e isto lodo 
banhado na lu2 do uma atmosphera cambiante e frocRia^ 
como a darídadé crepuscular, com o fim de fazer sobresaír 
o assumpUo: principal do quddro, eis os segredos e priqio- 
res da sua palheta. Os retratos do failecido patri^arcba» o 
cardeal Guilherme, e o do arcebispo de Braga, o sr. Aze- 
vedo e Moura, reúnem todas -estas belleaas e qualidades. 

O do sr. Gonçalves, joven cirurgião arrancado á vida e á 
estima dos seus amigos (que eram todos que o conheciam), 
pelos seus excessos de zelo durante a fatal epidemia que 
ainda ha pouco assolou Lisboa, é também um trabalho pri- 
moroso, e que por ser feito apenas de reminiscência sobre- 
leva o mérito do artista, dolorosamente avivado pela saudade 
do aaiigo. ' 

- Um véu de luctò veiu encher de tristeza os lentes da 
Academia das Bellas-Artes, com a morte prematura de um 
dos seus discipulos mais distíBCtos; Referimo-nos ao sr. An- 
tónio losQ Patricio, pintor de gfenero, que ainda ha pouco 
ebameva a attenção dos entetydedores com a exposição d6 
alguns quadi^os, onde se notavam, com elogio, os dotes do 
observador. fino e chistoso de costumes populares,' que mais 
tarde o collocariam, cóm. vantagem, na cari^ira iHostrada 
por Hopartb e Wéikie. Mas parece que por um presenii- 
mento doloroso do seu fim próximo, o ieu talento desaba- 
Eira n*um instinclivo adeus ao munido, produzindo o^q 
ullimo quadro, A despedida alheira domar! Foi está com- 
posi(^ já a previsão da alma que procura, em scenas ana* 
logbs4 a maniféstbçao de um sentimeoto lento que a copso- 
me. ' A Tempestadei concepção influída talvez pela mesma 
ordem de idéas, completa a explicação do estado d'aquell6 
espirito, que via nas desordens da natureza a imag&m das 
afflieçees que se lhe debatiam no interior. 

Estes quadros, derradeira manifestação doseu talcftiíò apre» 
ciavei, foram comprados pelo irr. D. Fernando. O artista já 
1^0 o soube: quaado a compra ise ultitíiava linha o sr. Patrí-' 
cio déhado de existir para os seus amigos e para as artest 

Lance 41 magoa e. a saudade umafcoroa» de perpetuatl so- 
bre esta eaHipa de um engenho tão malaventurado ! . 



Lrpvum^A 215 

Q^. trabalhos do jsr. Annuocia^o |n3o. sSo menos dignos 
de eyiogio. A ída pçira o frabalho ', e três quadros de cria- 
{^0 .'i forniaip a sua cQllecçSo, inaisi notável, no anno flndo. 
£ ;que Daturalidade, que ipalj^ e vívjtfza dq pincel em todos 
dá)qelles episódios de aveçl A e^tes dciv^mps reunir o Cão 
de gado^f esforço felicissíniQ .de irpiuic^o dó xialural, e uma 
yista 4^ Socavem ^f \isoií\ia. pai^gejn de uma tinta suave 
e luminosa, em que o pintor ostenta os esplendores da sqa 
Hpaginac^Q e o estudp do qi^turaK.pa vivacidade e baripo- 
pia.de uma palheta ríca de realces. Os qua.dros de interior 
dq sr. Christino, a Estalogem^, em que Qseffeitos de uma 
grande íorça de luz dão reíevo;a tqd^ ^;Cpmbinação de per- 
spectiva, e a Fontie dan lagrimas ^ Pf^ti^ fonte que os amo^ 
r^ de um príncipe* ç os c^tos de. um bardo, tornaram ,im- 
fioortal, cçii^tituem, em pinlurai as producções mais notáveis 
do anno de 1858. 

O sr. Victor Bastos prosQgpç na $ua carreira de progres- 
sçs. A spa eisiatua^ en;i dimensões colossaes, do general 
coude das Antas ^ é um assombro para osjntelligentes nos 
segredos da arte, á considerarem ó pouco tempo que o ar; 
tista tem de trato intimo com o cinzel. Ostenta a severidade 
6 a elegância de linhas dos bons modelos, e o garbo e im- 
pavidez marciaes do guerreiro distincto a quem perpetuou 
o nome. Aquella capa descaída sobre os hombros, com a 
magestade que não exclue a singeleza, dá-lhe a grandeza e . 
simplicidade de uma estatua antiga. Mas a obra preciosa 
do sr. Bastos é o busto do fallecido conselheiro Fonseca 
Magalhães, um esforço de símilhante e um primor de cin- 
zel ®. 

Porém, este nome illustre leva-nos ao necrológio. Esta 
revista acaba como acabam todas as cousas do mundo, com 
a morte. E que morlet A morte de um estadista celebrado, 
e de um orador, cujos rasgos de ironia fina, todos molda- 
dos peja grandeza da tribuna antiga, ainda revoam nas duas 



< Também pertence ao sr. D. Fernando. 

* Egualmente de Sna Magestade. 

> Encommendado peio sr. Estevão Palha. 

* Comprado pelo hábil facultativo o sr. Alves Branco. 

* Pertence ao rei artista. 

* Do mesmo senhor. 

' Mandada fazer por uma commissao de amigos do finado para ser inau- 
gurada no cemitério dos Prazeres. 

* Mandado fazer por seu filho, o sr. Luiz do Rego. 



Ít6 



LtfffelÍA*ltnlÁ:' 



^la» (lo parlamento f A vida áós homens notayeis é sempre 
ânTTUviada de tempestades qae a inveja e a calomnia, de 
m3os dadas, sopram sobre os seus dias de maior gloria. B 
só qdando a m$o da morte arrebata estes vultos gigáuteá 
das scenas actuaes da politica, e se Ities abrem as porteA 
da posteridade, é que a rasSo publica, desassombrada db 
peso das ruins paixões, os avalia com justiça & lavra o seti 
fianegyrico com verdade. 

Triste condição do peito hmnano, que só em cima dtl 
lousa do sepulcbrt^ confeâsa as virtudes d*aquel)es que elM 
nos encerra para sempre! É m epitlaphio queciímeça a 
bíographia sincera dos grandes bomens. Com o conselheti>o 
Rodrigo da Fonseca MdgalhSes aconteceu assim. Em sua 
vida os ódios pequenos e as malquerenças de partido er-* 
gueram muitas vezes armas traiçoeiras, que foram até fferíf 
o ministro no mais intimo e sagrado de seus affectos de 
famiKa; mas depois que aquellá grande ]\n se apagou, és- 
âas mesmas arntós se viraram' em funeral, e em roda da 
lapida, ainda descerrada, nSo mars se ouviram senSo vezes 
de efogio. 

Fevereiro— 1859. 




BBVIBTíl LITTEBABIA E DRAHáTIGíl do AimO DX 1868 



O anno de 1802 terminoa» deixaftdo translusir mais a«i9« 
pÍGíoMS promessas. para ap nossaâ tettras, que o de 4863. 
K poesia, o romance e o theatro, estas três formas que tra* 
dutem mais cak*aeteri8ticamente a ni|»íTestaç9o espontânea 
do vigor Q efl^resbencia iitteraria de mna época, todos tí^ 
Meram, durante aqaekte pmodo, os seus apóstolos, as soas 
provas e os seus trinmphos. A mesma parodia, esse género 
áê satyra qqe precisa das grandes, concepções para realísav 
a Biqxima de Napoleiq: dfi sublime au redicule il tCy a 
qu*un pas, máxima que resume a sua tndole e determina os 
fif us melhores effeílos de coniraposiçSo, até a parodia pro- 
porcionou mais uma espécie de notoriedade ao livro de um 
Btanpebo, que tantas havia já Obtido pelas controvérsias e 
panegyncos que e seguiram por todi a parte ^ Parece qu0 
o irapoiso 4ado é nossa litteratuda, em tempos de mais fer^ 
vonosa e viva fé poética, se tinha. f enojado nas obras, nos 
desejos e na& pro^iiis aspíraçSes. Gomo que se annuncioa 
uma primavera Iitteraria com aquelle anno, que brotou flo* 
ree cdmo o poema de Thomai Ribeiro, como os Vtrsos de 
Bulhão Pato, como as CorôOB fMCimmteê de Pinto Ribeiro^ 
e prosas como a Chaw do enígnm éê Amor e mekmcholia. 

B esftas balsâmicas emanações, ^ ^a os ares rescendiam 
de tSo germinadora seiva liliersria,' «ioda no fechar do aono 
de I88S, houve esperanças de levaiMi seus eflkivios aos li^ 
Húies do anpo 1608. 



** o poema M. SaynUy 4o ar, Tl^o^oM nib^ro, e a chistosa parodia feita 
áo meroio poema por Manuel Roussadò; hoje bifffio de Roussado. 



218 UrTERATURA 

Os olfactos estavam lisonjeados por tão agradáveis aro- 
mas : tudo induzia a crer, que essa quadra de mimos da 
phantasia assimilaria novas forças, que as communicaria á 
futura estação, e que desabrochariam em novos rebentos 
poéticos, em concepções ainda mais bafejadas pelo balito 
de fogo do génio das artes e das lettras. 

E todavia não foi assim. Nem mesmo aquelle impulso da- 
do, que a estática chama força adquirida, a qual faz correr 
a machina quando a força motora já cessou, nem esse mes- 
mo imprimiu notável movimento Da& ia>agiBaçOes e hos es** 
piritos. Póde-se dizer, que o anno de 1803 foi um anno es- 
téril. O talento produziu, mas a inspiração, frouxa e, ao que 
parece, exhausta, não creou nenhum d'aquelles seus fru- 
tos que se perpetuam sempre maduros e appetitosos, como 
o fructo da arVone da* ilenlatões do:iparaís(K ! ' " 

.. Mas não noa desconsolemosi que ti ipal: neofoi sá nosso; 
a esterilidade tornOQtse geral. Relanceaodo os olhos pelA 
Anno litlerario de Vaperau e pela Historia litieraria eúrá* 
matica de Júlio Jaíún, achamos que a França apresenta á 
mesma escassez de obras quê atlestem o vigor de dotes in^ 
tellectuaes de úma ^pooa. A&proprias revistas litterarias de 
Berlin, Dusseldorf e Vieimá danundiam egufil pobreza. Db 
litteratura íngleza não traCéâios, porque es^a, como as piaoh 
tas exóticas, não viceja, senão debaixo de certas caqdic9e8 
climatéricas, e jamais se reproduz além das variedades )á 
eoohecidas e classiQcadas. 

Comtudo, lancemos ai ivístas por esse anno qpe.nòs pro^ 
mettiâ de certo mais, {Jíorém que ainda assim não noa deve 
envergonhar, se tivermos.de ooocorrer ao liíercado commom 
das outras nações» porque; outras boine^ e ha, que meoos 
produziram e pe;ior. Doesta vasta .e sublime plaboraçãò dob 
espíritos. Ill • ' I ; : 

Comecemos pelos, livros úteis, peloi» livros, consultivas, 
por aqiielles que são os grandes mármores. que os obreihM 
Ifiteliectuaes aprovaítaéi ^na, parte mai& solida da construa 
ecão de seus edifieios.. Moeste uumero entram uàidralmenlè o 
Diccionarío bibliogita^iQO db sr. Innooendio Francisco db 
Silva, as Lendas da Mia, botlegidas p^la» sr^ Feltíerr B ab 
Obras de Camões, ultimamente collecciooadas peio br. Vuh 
conde de íuromenha. Os porfiados e tão mal retribuídos 
esforços do sr, Innocencio já conseguiram publicar q 7.® 
tomo do seu trabalha^ trabaSiò colossal que/ em substaiú^l^ 



e indireòtamente apparelha os materiaeá para a nossa bis* 
toria geral de lilteralura* O sr. Feiner completou, no tomo tu 
da 2.* parle, que abrange dezesete annos, que são aquelles 
em que decorreram os feitos de Pêro de Mascarenhas, Lopo 
Vaz de Sampayo e Nono da Cunha, um dos grandes e sem- 
pre {[loriosos capítulos da historia das nossas conquistas. 
Quanto' ao sr. visconde de Juromenha, esse dôu â estampa 
0.3.° e 4.^ volumes, o que foi de certo um bom presente 
feito ás letras pátrias, e principalmente aquelles que vêem 
Bas eàtropbes do grande épico lusitano um culto de gloria 
Bacional. 

N9o esqueça o livro do sr. Chaby ii^esta collecçSo de 
cdiras, que o philologo ou o hisloriographo collòca cuidado^ 
sãmente na sua estante, não perdendo o mpmefito de as 
considlar. Os Excerptos históricos formam um consciencioso 
trabalho de investigação histórica a topographica. A nárra^ 
tíiva. cirenmstanciada da guerra peninsular encontra agom 
um valioso auxiliar n'esta publicação do sr. Cbaby, quefoi 
eoUegida e estudada em archivos e sobre os próprios locaes 
dos variados episódios d'esta peleja notável E não só se 
referem es^es estudos á guerra da Península, senão á cam* 
panba que a precedeu no Boussíllon e na Catalunha, o que 
réalísa um valioso resultado àò investigações históricas que 
foram resuscilar muitas das nossas glorias militares n*esta 
mBmoravel guerra, obscurecidas pela ignorância, pelo tempo 
ou acintemente pela malicia dos in^^ejoaos dos nos^s feitos 
e brios nacionaes. 

E que árdua se não tornou semelbante tarefa para o dis^ 
tincto officiâl a quem o governo deu uma tal cpmmissSol 
Felizmente encontrou no reino visinbo, cujas glorias, n est0 
ponto» sSo commnns, verdadeira sollicvtude ; e tudo que ú 
pK^eria esclarecer, lhe foi ministrado e indieddo. Mas a^ 
diSerentes transformações porque as exigências da civilisan 
^ moderna fízerain pasâar, durante mais de meio século^ 
os diversos sitios onde se deram tantas batalhas e recoikr 
tros, reduziu o trabalho da sr^ GbabjF qoasi a um trabalho- 
de mui diíScil inducção. Quantos campos, 'outr'ora monta- 
obosofi» estão hoje nivelados ou cortados pei:o,balasto dft 
ferros carris! Quantas florestas, que abrigaram oma reti** 
radai, ou mascararam uma emboscada^ n^birãpi' debaixo do 
machado moderno I As alterações são por força .graodissí-! 
fiaaa, e só a.tradíçio, que tambeai.é un»a parta da historia. 



& víria-seicaoprer.n^^es apuros, ém qpe a besita4So:0 lor* 
naria. perplexo diante das coÉktradi(ões e mudanças topograt 
phicas; que nola^sa, confrontando o que via aclualmeQtè cocD 
o& bolaiins d^aquèllaB épocas. 

Mats uma obra em que a política se funde com a liltera^ 
tora. A bella Memoria escripta pelo sr. Rebello da. SíIyq 
ic^^ca da vida política e lítteraria de D* Francisco ManincQ 
d6 la Bosa é <l'e$ta todole» e resume o quadro de duas gran^ 
des revoluções e de duas fecundps iniciações. É, oomo o 
duque de Ribas, Alcaiá Galiano e Pastor Dias, em Hespar 
nha, e Almeida Garrett e Alexandre Herculano, em Porio^ 
gãl, um dos fundadores do systema liberal, e ao mesmo 
lenipo u« dos inauguradores do moderno movimente Uttd^ 
rario, que a penna de Rebello da Silva escolheu para este 
estudo, que Ibe devia abrir as portas da Academia Hespa<» 
Dhola. Va^te conhecimento da historia politica e Uiterãria 
do reino visinho, rara sagacidade de apreciação, mão finnie 
em lodos os per4s que o quadro encerra, estylo abundante 
e harmonioso, eis em resumo o mérito absoluto doeste* es** 
oripto, que pôde, sem favor, ser inculcado como modelo 
no género. Depois de o ler, tornasse supérfluo recorrer aos 
trabalhos da mesma espécie de D. Eugénio Echoa, Fernanr 
dez y Gonzalez e Gary de Monda ve, porque a analyse do 
ar. Rebello compendia o mérito de todos. 

Ainda doeste auctor mais dois escriptos, o Elogia hidUh 
rice de B. Pedro F, e Lagrimas ê titesouros, romance sua** 
citado pela leitura da correspondência do viajante inglês 
Willíam Beckfort. O Ehgio foi lido, em sessão solemoe^ na 
Academia Real das; Soiencias, e escusado è acrescentar, para 
qtiem^ conhece os dotes de^ estylo do insigne escriptor e t 
lembrança viva que deixou de suas virtudes o desditoe<) 
príncipe, a impressão que causou a soa leitora. Logo ^i^ 
eomo nsmuneração condigna, o Senhor D. Luiz agraciou o 
illosirado académico que acabava de perpetuar por mais uib9 
ftrmaos dotes preclaros de que seu augusto irmão sovibera 
sobrèdoOrar a corda portuguesa. 

Lagrimas ê thesôiêraã é um romance que só pertence ao 
anuo de 1803 pela data do Nvro: foi primeiro estampado* 
em folhetins» no Commercio dó Porto, Pobre aono, que sA 
viíf oste, no te» melhor^ doestes innocenlss latrocínio» biUie^ 
gnqpbfcoal 

O entredio â*esle pomasee è singelíssimo; e, se não toã^ 



sem òs SQCcessos bistoil^os a q»è se Mirelaca, diffieil serk 
levaUo além dé uin capitulo. Mas ó auciior coIIocoq*o íí|0 
«eio de tíma ipoca qile estabelece uma das transições mais 
fiotaveís da nossa hrstoria. É no começo do reinado .4e 
D. Maria I ; e o grande ministro de seu pae acaba de expi- 
lur^ no desterro. A influencia da poderosa acfão governativa 
êe Kiohelieu português aindsí tem mão em todas as rédeas 
do Estado, com a for(a 'de um grande impulso a que uma 
sociedade inteira obedeceu ; e as inacbinaçães subterrâneas 
das famílias dos fidalgos suppliciados e dos membros dis^ 
persòs da Companhia de Jesbs atrevem-se já a saltear em 
síiM'etO'0 animo supersticioso e tímido da rainha, que, por 
Hbo mesmo que é supersticiosa e tímida» obedece á rudeaa 
à seu confessor, o arcebispo de Tbessalonica, única raz3^ 
clara que na relutância doestes conflictos aillumina: O.bos^ 
:c[oejo doesta lucta, etti que sobresahem alguns retratos da 
época tocados com mão de mestre, espiana^o Bebello.dá 
Silva com a habitidade que já' lhe applaodiiaios na Mocidade 
^ A. João V\ O livro prima, entre tudo, pela Ouiencia» ^, 
por vezes, belleza narrativa. Talvez algum critico amanle.^a 
<}onci8lo e sobriedade de» estyto D encontre Siiperabundante 
eiti eíflorescencias de locução. Uzs este defeito quasi ées^ 
tapparece n'Qma peça assas notável do mesmo •eseripto, -que 
ó a Carta que William Beckfort escreve ao seuami^ Hairi, 
ii qual prova quanto seria fácil a Índole littenaria daauetor 
criar: modelos no género epistolar^ 
' Âs Ckrúnicas do sHuto XVU^ do Br. Melndes Leal, pQ^ 
Uipadas^m livro^ no anno findo, também pierlettcem;-áquell6 
«noo tão somente pela nova data bibliograpbica. TodosiUÓS 
-as lemos em folhetins 'em diversas foihaS .periódicas: coltif- 
gii^asi e publicâl-as em livro, «ra de certo odeaejo de todos 
*c)ueiapreciam doesteis estudos históricos». embora, fabplados 
féla imaginação do. romancista. O /V>r/6 de.S. Jorge é um 
Unrdo Tomanfcer mimoso de desoripções, apaixonado fdelwr 
•€88,: florido na linguagem. ^Ifezíbe. notem, fiimío euidaao 
de retoque, o qu^ se. explica, ci até certo ponto • com- des^ 
dolpa, ipelo ejfcessivo zelo 'do escriptor que. reviu e jreowp- 

•detou differentes vezes .» sua obra. .:'::> 

. Tdmos ainda: dS-Vietgens^^ na êerta^ alheii^, do sr.. ^^i^eint 
dB' VasdonCeRoi, Bt Seenas ^.mdaaméemica^v.áoiiSit. GUr- 
•flfaa BeNem, em qoe o auotor nos entteiaça fi'«m<anl«ficlK) 
feoiii 06 ppisodios da vida aiiíivecstlaria)em Coimbcii; e'4í«^r 



Mrias para genie moça^ de Júlio Machado, coUeccSo de pe* 
queDos contos, uns oríginaes, outros imitados. Pena é que 
talento t9o fácil e aprasivel se esperdíoe em trabalhos does- 
tes, poique, sem sair do anecdotlco e engraçado. circulo da 
sua individualidade, encdntraria o embrião de agradáveis e 
varíadissimos romances. Nos Contos sem arte, de D. José 
de Almada* tem elle o estimulo, e também o modelo doeste 
género, em que o auctor, relanceando olhos pelo seu pas- 
sado de mancebo, se reproduz e comenta a si próprio, pro- 
porcionando^nos deleHaveis leituras. 

Temos depois í^mbras e Luz, novella traçada pelo sr. 
Bernardino Pinheiro na tella histórica do reinado de D. Ma- 
nuel. Chamei-lbe novella, e mais lhe cabe a qualífieaçSo de 
romance-poema, porque o auctor, para fugir a singeleza de 
forma do seu primeiro romance, a Arzilla, elevou este a 
proporções, que de certo o Eurico lhe inspirara. Não me 
parece ter feito bem. Se Fenelon nos deixou no Telemaco 
um exemplo ímmorredouro do poema em prosa, e se o sr. 
Alexandre Herculano, pela ascensão virtual do seu talento 
que tende naturalmente a abraçar-se com as estaturas gi- 
gantes da edade heróica da nossa historia, gravou paginas 
com essas dimensões grandiosas, admiremos-lhes o rapto, 
mas nlo tentemos o esforço, porque o romance, como a 
tragedia, a comedia e o próprio drama, tem a sua forma 
peculiar, forma a mais completa de todas, porque se cons- 
truo de todos os elementos da composição litteraria e abrange 
todas as variedades do estylo. A Noire-dame apresenta um 
luminoso exemplo d*isto, porque, desde os transes em que 
a paixio desabafa em explosões trágicas, até ás scenas gvor 
tescas da mais inSma plebe, cada individuo e cada lance en- 
contram sua voz e physiooomia particular. E o romance é 
isto, porque o romance é a vida em todas as suas multípli- 
ces e íncoherentes contraposições. E tanto assim, que o da- 
3ue de Ribas, quando quíz resuscitar os quadros do viver 
e uma época, apesar de escrever um poema, e em forHia- 
sos versos, teve de modelar o metro pela índole d'esses 
mesmos quadros que erguia do passado. Esta variedade 
constituo a natureza e também a riqueza das leis do roman- 
ce. É por isto que nas Sombras e luz se nSo pôde deixar 
de notar uma certa monotonia, proveniente da falta de alguns 
elementos constitutivos e essencialissimos na forma pre»» 
trípta ao romance* Os elementos narrativo a descriptivo por 



acaso apparecèm n este Hvro. tJmlyrismo insistente enche^ 
sim de flores, mas de flores exuberantes, as paginas de to« 
dos os capítulos, onde o leitor desejaria talvez antes encon-^ 
trar os personagens a desenharem fortemente a sua indivi- 
dnalrèade, aue é o verdadeiro interesse da novella, do que 
assistir ás divagaçOes poéticas do auctor. O que ellas pro^* 
vam sobretudo, é que o talento do sr. Bernardino Pinheiro, 
pelos incitos phantasiosos que o inflammam, pelas clausu- 
las sonoras e medidas que procura, acharia Tacil e natural 
transubstanciação na forma metricãi. O mesmo dialogo, quasi 
sempre pomposo e raras tezes dobrando-se ás particulari- 
dades da condição dos interlocutores, prova isto. E é por 
esta mesma raz3o que estes personagens s3o mais uma 
ta*eaç9o da phantasia que o fructo da observação. Nâo foi 
o estudo do analysta que os reconstruiu dos elementos dis- 
persos da historia e da tradiçSo, foi a imaginação do poeta 
que os contornou e coloriu. Falta-lhes de algum modo a 
realidade, a parte verdadeira e humana que torna estas crea« 
ções perduráveis, porque só da verdade ellas podem viver. 
S9o a estas condições positivas que Walter Scott deve a cele- 
bridade de muitas flguras de seus romances. O mesmo Sba- 
kspeare, remontando-se nos mais altos voos do pathetico, 
atava sempre esses voos a ligações tão peculiares e cara- 
cterísticas dos personagens/ que os seus dramas não só nos 
preoccupam a imaginação, mas deixam-nos muito que pen- 
sar. 

Basta a natureza doestas observações para se ver, que, em 
todo o caso, o ultimo livro do sr. Bernardino Pinheiro pos- 
sue subido mento litlerarío. E é realmente como um esme- 
rado esforço liiterario que o devemos considerar. A parte 
histórica suggere apenas alli o pretexto para aquelle sobre- 
sabir. E, se o avaliarmos em referencia ao seu primeiro ro- 
DdãDce, a Arzilla, redobra de valia, porque entre um ro- 
ttiance e o outro ha grande progresso no moço escriptor. 
O sen talento adquiriu inquestionavelmente mais individua- 
lidade, e o estylo mais variedade e primor de Tórma, grande 
resultado, e, sobretudo, obtido em tão breve tempo. 

Para a fecundidade de Gamíllo Gastello-Branco é que sé 
leraa escusado fallar em annos estéreis: a sua penna pro- 
duz seinpret e produz com agrado dos leitores que o admí- 
nni. Ànnos de prosa^ Estretioi prvpkiãs, Scenm innocen 
te$ da comedia humana, MémariOÊ de Guilherme do Ama^ 



ml, Aveniuras ide Afo^f^t^ fernandes Enxmadçít O bem' {^ 
amai, tudo isto são vólupe^ sabidos ; a pat)li£o qo.0spais& 
de um aono. 

Verdade é> que em algno^ d'e|[les ijiSo fez o aactf)r. seoao 
coUigir escriptos de aaiç^ épocas e retoçal-os e crisnal-os 
depois com o nome collectivo que lhes serviu de Fótulo 
presta recente edição; m^s. Guilherme do Amítral e a&,Af?ef^ 
turas de Bazilio Fernandes Enxertado são obra do âuoQ 
de 63. N'aquelle percebesse que Gamillo Castelto-Braocò 
quiz adoptar uma fórvoa .de enredo mais çom^plíQ^d^i^ou fo*- 
zer a sua satyra, ex^geraqdo-ra. O romance eiUreteçe-se^ieih 
4eia-sê, e emmaraDba:se.alé< porque o auetor^.pariã rêb«ter 
o reparo que alguns criticos Ibe fazem de pouca JDventiva 
na urdidura, curou deappareihar surprezas e lances inipre- 
vistos, deitando 2) vis^ar seus herqes por e^ses nôqpdos áleiQ» 
dispersando-os, e mçtlendorlbes o tempo, a distancia e os 
estragos da vida de permeio^ o que depoi^ lb:es proporciona 
encontros, reconheci qaentos, desabafos de sauJades .a eoa- 
firmjsições de. protestos de ^tima, que dâo incnvel relevo 
ao livro. Mas, se querein^gue Ibes, confesse a verdade,, pu 
prefiro a fórma naturt|il . do. 'Oniíe está a felkidade^ e até a 
acção singeirssima, mas profu^dao^enle senpment^l de alguns 
dos pequenos contos das ,Scenas, da Eoz e das Dtias féorãf 
da leitura, a estas falsadas, de íocidentes inopinados» qué 
antes enlabiryntham. qijd preoccupam a noj^nle .4o ij^ítor. .A 
attençãò segue-os, não ha duvida, porque tudo que é impf^ 
Yjstp, surprehençkii tadp que.é maravilbpsp» ei^tr/^t^^]] no 
jrâitanto seguemos ma^ arrastada que attpabída. Bopo.é gq^ 
j)'eMe romance tudo acabe em be^ou desenlace pouap cqm^ 
mum na máxima parlei,da^ aventuras na^raidíis peloauctQiv 
sempre avexadas. por» »m deslinq (ír;uel. . ,:. ,, i, > 

.. É as^im succede aos Umentaveis j^ .;por vestes, [fisjjvi^jy^ 
episódios da hi^lona A^ Bazilio Fervi(J^nde^ Enx^rtfidQ^^^ 
eavôlyido nos trances d^, uma nQvelIa fl][)è,tãQrgal|i^f6ir^£y^ 
jbeça e depoisi s^iti^rna/illio angustiosa^ 9pre^U}ij)€)rsoi]^> 
ficada a 3aLyra :d^ 4uqa das pbaisies mai§ car^cteristiei^ ^ 
Dossa épo(;a. As aveniiiçii^ do fijho do antiga negOQ^I^.4p 
Porto» resumem; a. per^oni&G9ç^O)íl96 incpinpa(ib4ida(^.<fQo- 
jaes do$ nossos, tempos». .d'^3les tenop^^ V^^^ufAt^t» i^%^4(W- 
Jtes, .^.onlradictorio^^ i^i^t^f.emi.que o 4ii^hqírá;^i iiON^tí^oj^M 
viscondes e a .falU4'^|l^.,a£rilbqi9 ins^q^^eji/i^J^ 
agiotas, 0.dínl|QUq\d«,ey^lii,Q^^ffnaju^ flÍ«ll§t.WiVJaDqT 



2251 

ta(nBm^65loréíd elegante); ufn^diíieclor^^ phyiarmoniiia?, ui»} 
aiiif)^;tili9o celebrada, «m^paitídoidiàpiitado: pelas bellezask 
portiiei)9e8>(mm .proteciDniiÂeífiymphas <de'.bas4ídori mas q 
obenaò <|j)Qiid«'faBer>:d'el)e'»fbi «if& amaalá fílrz. Ò <dedo da* 
desgraça; </biií òavarín^eslftphyaidhamia bofKiebêfrona e foK 
gosS inlcoa ipbronde-Dãotpaiica^fVeees.correrain) lagrimas* 
de^bnia paíx|io qDelfcrdèiadboMno s«ia jreoompefisa. E eáteí 
0DBtl'a8tb| da «fttèifioHdàâB fioWeasat dU' |K)bre lEnxertado^; 
Gdmi.cè M^ifealnslioctobiAalâuaoliaa^ipr^^ um jogQ 

deioeBtMiJu9âi()5€6^Hdondbi!suf)em' iM.ttfieii^ peripécias do> 
FoiiiM€k^tA.içotifièpffi(>.iift0-é4)Ova(>4é eèrui^.e desde o Qaa*; 
8iSDò^«io:iiyp(v*exagèpadfj:iQxoliQbstlid*esU laBãoiem locta* 
ãengnnteíoò fCN(ta'»b pâtltôtiqov AOi^edista^vé. draitualurg^s a 
MmiireajisadoiídanimàtSiOuimMhiQd ins^ifatãd. CamillQ Cas- 
tattaififáncp pódefae jac^toitidlí bbvef jsidb dositnaísíalizes»! 
pebqoe (lusuai oreacio; «iAéaiiid^eat&íyaibrwIisiioOft encerrai 
Qilíiroifiieiocriiqw](é>sér pxà profi^doibaUido decosfomese 
amilioá íodlneíctflr/eiohisloblsBiiila.^sanoi&tlias sbciee^ . deSf{ 

'Mas: votieitio-^nosuparaa* poesia» is&ipoesta fédf» reflbrifi 
BQs.>espiHtoál>n''èsta quadrtienv que iQ MIM ideal) eàá n^^ 
oarta |da:cQDselhov 011 em traten.ãdirpeho mn seleêstrelkv 
de'^ifl|ear6Si •A>nifati(iaç3o ^rotíiica « o sytoriti^md doa oom-tl 
Éiodoâ ' fttaterf aes isdbondHidm i tedos' os. impulsos* gieiierosoãi 
dalphatUalia; A iningina(}i4h<ho}e ooUíge «ais auas forças e de-»» 
so^í.MbS' ji||mepa rios, i roaâ: para rAalísâr; easea immensos púTH 
t60tod:da iiidnftiríft vMétlrmi Naf< A*a»>pa4ríârcttaesi'.D'e8atf. 
iogtíimin adorável lera^^e rgdorandiaiii-osi^acerdQtes eram! 
OAipp0Ua^^\Bitítgwv\h;fmnoèjde\dàg^ presença dai' 

harpioDíasi tottíver^ aea^ leoilsiiiUiia .aiaoa totif alo constante* De^ 
peiiia jfaiDi(ía« !d€se&nolv^u*-9ei >e< tD^noansei iaoeíedade»; e » íoh 
aibdif|d6^:iurgafns8Dde<aer íeziselt&açãQinOs poetad' pacsatoatu 
ealioi a! iObamaiHse/ Mtbs^ Gaeeki<»e iRdma ! pei[tetidenani maisí 
que oliivH-oi»iifamtai\]x}Ufceram I ti^re^ièllee (Ihjeadtfwiistassieiíi: 
osíifatiirosb i í Já • ^ulaenaoi' (fiqzer; d!e9left'>«atefit iospirados oo^ 
eibmemo de xúAilidàdeiiCoiiii o jpawgoe^iritfii otvilitofio sf^ 
^Mfíaà^prdgtoUraiiiKtambttft^^ei.oa: t0iDp«s d^ agora, pd^ 
âtivo8i(lfiaáeiriÍ9to^< 4i efcaenoialmei^eiiQtiiilirkls, .leitgtoeiram: a 
CBltiwt «ltp»Ardi;aeuiidealie (drparan <míin.|dljrejr$B< natureza 
de4)D6t0i;iá)Sê:poMas^)d<)rfaoje^i0<iiiiaiJn^ 
trucções maravilbosas que surprehendem as sociedades pre- 
sentes e lhes proporòainaw,Qfh,Mij(^ii|igU;i9«'^ij^ «em 

TOMO I 15 



podia deixar !dè' âer assim, •n^bmaèpòca' ekn^iO^oiflDio^ 
se iornòiF a ipola ireal doil interesses pbsilivte et das pm^ 
prías relaçSeS' irioFiies. Pawatt^air d aUencão;; pa»<pDhar 
d sufffdgid de iòdós no^seíe ^dleslb ÍHiineDb(>i(arlpithlO'4e 
atonteoimentds qod se agitamf tapiíe' é dia/ :é indispensavw 
ião só ferir a imagioaçlla, mas; íodíspeDsavel onoslpar uim 
lado úiiU nee^ssarto;, de-converiieneiáiéiraeija e pessoalvim^ 
poMai iFiMidir no ii|e6flio:.moMe <^ ttU('e<o bella A' pbaBiasia 
qaer-se' apasioeDlpr^ innsiia atilidade!índiviãBali Imoisaiide 
arieoRilpar unia neo^ãsidadei aiteadidia e'salísfeila.' Étosta á 
feiplè prcíemlneale' da é^MM^i Nas enas^fqytbhotogitò&bastKVft 
aiprèstigio daik façadhalf dois grandesi heroes para inâpírar 
08 Hom^riàMBl' Ageit^ib bf aço< f òtebte! deíNapoteio!inr'ae<- 
selaiatGrimda ^^ada a Hate*n'um sáid€minM>l>e (iraaiet^ 
tao eír^uèr dianie do teaodd WatertoQ Mlrò^dp garraéimila; 
temeresaseameaçaddrasjiexbnitnéo DeiQtuflo poerna «[ale-i 
TB ata a« decantar «limaffhoi leAoB^ É«<p0lo^cioiilriiri(»,'O'graiille 
pridcipio' ^e ^Btntoi ao <|i]8l ise-id^rf^rdm-ivelihdès^de ooii-f 
quistadores e interesses particulares, chaauNloteèiKeBieiíaíai 
pifbiíòai qèé potTrea as^demasiaa 4a>gQ€|rpa'e"ob0^|!a/a^abbi- 
gnariai paE^de^Wilifll FJ-ancai Atnd^ititiiid^KiedirMaieuin* 
vá^saPa lèr mie ila cubica' dos' imperanlsa' e^ i^inlbper >a 
hanfHoaíá > dos! ínceréiíses geraé^ ' ép ' vanflMiiis /da -oon^i^tal 
Este século^ iiiimenso' peld'<skt] 'deBènvdlvtnaentoIntelteelQak 
o ibaterial^ ãe mode v^èfm «edufêitarís m^&t o tèMiitrò« piai' 
ambiçãesi 'de ' am^ eonquisibdor^ t embore . eHe : se i apt)e(iMasto 
Alexandre, P»m(ièo| ou Napofe30k' fiblesi seattnDlm(o^>d6'bii''< 
bi(a'de8ilielsoraidtei4emde' ceder o passo laoatitms mm^íeg^^ 
tíBlos B? iBodpstos; %s gpaMeé » glofw, ' prese«lefnei>l6^< ppn 
se'tlâO'apdg0rem>Fapida oe AO ès>aMhsmia9 :qQe ilkomiiiaaipiir 
mooieti toi^ »o: ftrmaanefilo^ '■ tOb* ^á^r ergder^se^sèbrèl 'om ipedes^^ 
tdr.de- asqeritímeo td >u nfíioPAl^ ^e ebse I asebníiineiitv )D3Mit p^ 
mattip^n'ds4»q^nid€^iiilemseis^exctt]Bfvim 

senSaidaoodvenMhoiat ide ^eaila mm: l&ifstai urbrdadeii tat ^ taq 
pPoTtindav ' e' mimntaniciliva, qae\pii9sm >}ái f)os Uomínid» lia* 
foielés^diis^relãí^es jielitioaB a nrories' tolrè|^iSe8tsefém8'dk> 
pbqniamg Abi tmm^ mèSsMtabvtbmBrirMe^jlUÀ^^ 
a OBceasttade <ié ! alô ' só' jiiwdrar * tr l)etlor itiâb > t^ 
imtiiii'Oiiillli'Vèjání'0 eaempto ddsnldisJiBaiDra^ipòetaaidflD 

I OKOT 



pM^riot dor moral noiferaiU ^ (^^martjj^/^atrQgs^ riiaria-i 
manto ao& prelos f^cumM» pâglw(# 4^ e«siPQ pqbiUpo. , 
-^fi entra mte eg^^liodiitekra.Maior ^os* po^ta» çmfòíê, a est^ 
i9O¥tfiient0< qi96 é aq momatt^eo oin^p^il^Q e a índoier 
4«!SQefedade«aique .Tiv^ipoa.*'.- •., ,; :r rip'-:-! . . .;.m 
rO.iDspíracto e fcxgosof eantpr ãM^^Çmmf) ^vB(vào Iott 
Mwtsdio naif^;flrdenle>a!t9nvic(o 4òt no^s/WtP^dfgogOi^-G 
aí&da,.pqblbando. e9$a.apfi)€íav^l collacçSp â« pçe^e^e yron 
sit$v <|ae. iotítiitou* O OmÍ¥k^ mai^. de. icorlq. (^ar , CQpbee0r^ 
dftta refifriamento 4e Boapo^ dí^ afe^n^itoíKlf^lfraeia? 4a 
iiMigiiiaçSe, do que per sentir o<^>da^ f^b^^a» dafW^brh 
Uianie «fflorascencia p<M$Ueai.iÍM<H}a.pM)>lk^K)dQ €^(e Mo^ilin 
TIO leividaneeid esta verdade,; poiSi^i)f)epede de u^ .soberbi» 
Abeei^tatSQácwca.dae we9»i49<ta9i da>^^ 
Sinai em PoirtugaU Qtp()eia,)iflm<iQÍWr9€^e^ocarnan$e napes^. 
soa aastera do preceptor* A pioieM» YfmfN^BAa^^.com tOa 
9e«Si 'relevos de ^li^v\coin «Si<msi;ii4«H^a8.s»blifBes.)i!- 
bimíqar estas pagina$»4ife 4eifeaiis|an M^.^ m»iXtí»^^ poi; 
todo$<'porqqat coiMaein. weoQM2^t«)ei3 yefdaÃ^. A^ pcodoch 
fSes poetH^V do ire$tanlp 4o liv no,, «fia» icomo ioda« li^ |do 
iHQstn» reOcrÂptor» m») recfi^ f e^W»< aisiqo ; .fpruaosps. e. ins<; 
píiradoa trdcbo$„ e todoqufiifSBai de.mi^^priiiQro^ aiingfi^ 
portag^ea»!. A GelebMiri^ha£iai!a,!da fS^ipron^a ,/Ve^ar^* 

4)liaip.€|i»triz.do Qra^rfftlpoeM.AtVadAm Tejje^ete^iprodti 
gíí»Sf4e engelho 4>oeMeA> a esp^ndidas o^ntofões dp Hh 
qtn^xa/^dp.foosse» idíoAia. 4|ida m ^i^rAQ^ligÂdo ii^i^Ate, yohit 
llM*>a. pM* 4P)Oqtr.as.p0imí4AiV4HN*!egiepi{r6ii: q»askifi9i]al.s 
r ii^man^rqfie. versQSntfiea.ea^aff tr^in ,AÍà ^!,aipisiedi94e4eíf 
a»p4eirea /4*$ «o^«i9»i«w^l jtftAnr^s qi)e e^ proonrem^ a 
que esses sejam tio poucos n'este tempo de prosa òtil.itárM 
.niO (ibeetr^, centre *Bte,pMmP r#PV)(odfi 1 2hMrte<r<maiúr9sta 
imda4?kat4eeadeeeíA{lítteiwírie.(>QrflWtaT«)iw 
pi4H4ai7f 9 )e$fa)ag»4o»#)ffffi^ai8«(miQanftefil^:fK^m 
«uKm.e 9ia Mi^râdfiti«aiPRli«a4Mi aftf eripf^mas íiaprei» 
vistas, os espectwM«s4í^3ta4^9tçe-tf|mf#rwhêwiasi4^1a^^ 

l04ff]iimft'9t]nprefaiin4efitee 4e^fiii9^l«4«4^» !aiJ«fl<;es imposf 



sido cón\é^\m&^^tít''esk mm^eôènõb M^ A^ exfgeiioMi 
áii&'\\\2mi d0'4détat^^^éU9áMem(y^(}t)(d^pl^diy<iá«8^^ ífts- 
tftniciab; Peli2hlti«ftè/>alglMS^€%(»fpWr6è/toím)SQâá obm W 
esforços, tentam ainda oppor^iitfftt^ielWa dHeafáenola^. MA9Hçiiiè 
p6de'Àttí^^i)d^^t)tttftt'^'èpferth(J<lèírtâdi)-'(»^^ tío fttali éón- 
}énrc9o <!é'élefAêntd^t< tl9fi<''d« ^éNé^^ieiCfriStaiud^ iya$^am$ 
dt) teta-ploífák âffié; <jtláttdío'(/íi^l*w tfeíjfa' (>'teltíplo vfciíií 
é dtscré' dêl Itetísí Vérdddeif^sA»fMlei^^MNltí-M pdde eatl^ 
^if* táriMf:ilEm^1ittéràttíi1i>'nSè>fe )M0 ttitfh>TlO'^iée'eaíiAf^ 
nh^' (!fárd>i' gflot^', '«'S(Ã¥è 'ò |^i(l(^ %fld otiieaníeRté ds 'fflotu 
tídões (jile-^tTisígrtfííí éi ($ò(«Míni<«Í^'€fn«el>hos; -É 4ridrspéiiSAU 

a- aoçRd isinlpl^s 'do'^ ârmmmtíAoJ'^»k^ adO)^íâ!r''biétireâ» 
c(m)f»«Ca(lò'dO árâttfí áétíàíJ ' .i"!':" ■ » :• -n n - 

' O Jé9^^:'dssn»MfrtWarSMf>érú^ 
ittereéérátti táttibetíi a a])pr([^VtiÇSb 'dáieeíff^pá dráinratioa; volò 
die^bís Èof(firmâd<^ ip^âB^f^tériSiMMbi^b^ ' ' < 

> Fallafifdo èe do ihesl'tfo>"aiã èrn 0díiifV'>dl deiiâri -de appã^ 
reeet' o^mimào tr.^lllèúilíê^^htMi ^^(míi o seu^dramal Pb* 
éMtK< it|i4e' apês^i' dó k«l^dW^0dt»'lanbs' anfiosi pd^a^ ob'NHÍ 
cÒMItè^^^dft^^^i^hiiO '(l(^<lhèa(f^ji'dflhftib' rep^tidía^sr 
ld$ ««iCDhta^já bn^is \ík]''Wèè'«d<)^/ E será ta«fidr}ba*iáiioi 
dsdó :póf-^r ò i«tf9^(^ «liiAenMr'áft)#aér«tnatiba dd*^. Méiv* 
deis '£eát'?'Pafrede-it)aâ '^TÒe Ma? OsMdtitoB 81^ d^ eerto ^iMÍ^ 
t^os/ e talteí Mto^errémeifs m bbifekplHiirmo&^assÉn.' N^Ai^ 
dm ()&i^^ver ál^ljiHV''cO(^'fUfidáiHm)tor dii setii ê*le,< qm 
(MaKef ' Idlsii vi Aá<> db McWr J • D)feii!í^s6' ^òer eite ^^e «persoAífiéhra 

1 ) Aò(M^I«toeQÍ l)«ef nRb< édr^tto^dWfta-^sfr^hl^/^do, tni6^ 
fro^dr^Aiatfirii^ltiiliJMMiatío è^^MbiUdfi «conteéiiiièt^ 
Hifít»9^ fòi^efltelii^métíté b(«tf«té^inH(^ 
sempre <Mdd»op«f dé^^aMritl<4i«Mrridbi3;^utz vér waui^m 

eiw (0tl«!}^a9'i^piittÍMM)i^al-«lft9^V^^ 
tMái|Har>Mliki4edíÇBMi]^iâJÉ «^%D^lêdHéieM)(tl?iiilMn^ii 
flo!lo^J&v«|ri|k]iliiiqiw M WHyi H Hi tM ^ peta 4brttt^mai»»ii^ 



UTTERATUIU 229 

gitima que o homem possue, pela intelligencia; e entre este 
mancebo e o novo ministro verdadeiro encontrou analogias, 
de que resultou applaudir, e applaudir com entbusiasmo, 
porque, coroando assim o dramaturgo, deu um alto teste* 
munho de moralidade, porque também honrou os esforços 
do homem. O publico fez bem. 

Temos ainda n'este theatro duas comedias deCamillo Cas- 
tello-Branco, o Morgado de Fafe amoroso, continuação de 
outra que os frequentadores da nossa primeira scena tanto 
festejaram pda vercfeoisidotnyaíque a alegrava de.jovialis- 
simos episódios, e Duas Senhoras briosas, quadro de cos- 
tumes em que tanto prima a veia sarcástica do auctor. A 
Penitencia, trabalho de collaboração com Ernesto Biester, e 
extraído do romance os Mysterios de Lisboa, attrabiu tam- 
bém o favor publico peta arte eomque a ai^çao se eamplica 
•em' lanços de verdadeiro iotòreàae (h^amatico. 

É impossível deixar de coneluir esta revista, sem ter de 
avivar lembranças dolorosas. A morte. do oosso primeirp 
^x>mpositòr musical^ Joaqoiíii Casimiro Júnior, o Verdí por- 
tuguez, tornasse uma i^erda de que com diiQculdade se po- 
derá indemnisar a classe, queelle tanto enobreceu com os 
esforços prodigiosos do seu talento. 

Rodrigo Paganino, o auctor dos Contos do Tto Joaquim, 
também deixou a vida, exaclasmeote quando o talento lite- 
rário frucliQcava n'elle com mais incontestáveis e brilhantes 
provas. 

Foi da mesma sorte B^eále anoo que se realisou a trasla- 
dação das cinzas de D.' José de Almada, para o tumulo er- 
guido pela saudade de seus amigos» que eram muitos e de- 
dicados. 

Não deve esquecer esta solemnidade, fúnebre pela dor da 
amizade, mas de gloria para as qualidades do finado, cuja 
devação de espirito sqbresahia pelos nobres dotes de um 
cai^a^ter bondoso e inteiro. 

Honrandoo e perpetoando-lbe o nome, n^aquella pedra 
rústica e singela, honrou-^se digna e nobremente a classe dos 
homens de lettras. 

Janeiro— 1864. 



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ALGT7XS LIVROS ipi/TpfiâJCEKlItt FUBUCAD03 

o allemão Archim de Arnim escreveu ufp livro, a que 
poz o titulo OontúA ^^amtoltcaf, e 08. fraocezes Tbeodoro 
de Banville e Emílio Sooivéstre, e o inglez Edgar Põe, qae 
ihe não quizeram ficar atraz em matéria de títulos pliantas- 
lícos^ escreveram os £(mlos fÊfíèqmbulescos, os Qmto^ iw- 
traordinarios >e os Contqs á bordando lago. Ha pouco o 
D08S0 amigo Júlia César Machado, que tem tanto direito 
como aquelles escri piores para; escrever contos, e dizer-oos 
rate quaes foram os quadreis da natureza, ou influenciasmo- 
raes que lh'os suggQriram^- publicou também os. Contof ao 
luar. 

E porque os denominou elle contos ao luar, e nãoeontq» 
ao pôr do sol, contps^emroda 4o poetioo e intimo con- 
cheada lareira, contos de baixo da sombra voluptuosa. da 
-gruta de verdura, oontos oaioira, coalos na praia, oq contos 
no viso da serra? ..{.. .. 

U atíctor nSoiO sabeJ ; . / 

E quem o hade saber,, se a aoçtor não o sabe? . 

«E depois, eu não. sèèibem' porque chamei ao meu.Uvro 

Contos aó luari>, diz elle, n'aquelleâeu eslylo. negUgeot^ 6 

^ao mesmo, lèmponeentimftbial,iiqiii9 concilia tão faciknente 

os caprichos e necessidades 4* phantasia com as tendências 

do peito angustiado de sensações penosas* . :.;, .• 

O auctor não o sabe. Mas que importa o titulo? Importa, 
oh! se importa! Importa sobretudo ás imaginações 'roma- 
nescas e namoradas, que, se não são femininas, vivem^ como 
ellas, das suas illusões, dos seus sonhos, das suas sauda- 
des; vivem emfim de todo esse mundo de affectos em que 



231 

iOOPi^o e 1^ pbfmtagjatomun. partes c^uae^, -e qoe fa^m 
•doB. primeiros axinos da. existência da miiilber uni saei]aríO| 
«m;euJQ interior. andem dese}os^ <|iie o mysterio trecata e ò 
amor iniammaj.fl é por bio qnp ó título de contos ao luar 
jobresaltá. e acçorda lemtranças e sympathías. Lembraiú*- 
Dos aquelles lances da nos^a existência qoe fí oâoivoltam^ r^ 
«ordara (Mtotesítds taUvz perjurados, e avivam a imegem: de 
d^uma noite feliz. lE quem sab;» sp querem dizer ais óonflh 
4óncias segredadas a tnedo Rebaixo do copado uimeire» eqi 
noite 'estiva? ou ^ nos pintam aqudie poético passeio, rio 
abai;(04 em barquinho, que tranquillo deslisava pelas.ondas, 
icomoitranquillas des|isavam, ^ brandas e ffigubiras, as horas 
para os venturosos- entes que iam dentro?! Ou serfio antes 
ji'recordaçSo<4las promessas que o delirk) arrancou dos lá- 
bios frementes da paixlo ao par que fugiu do reboliço do 
toile, e que veia, «no eirado, no caramachSo, ou junto do 
lago do jardim, respirar as auras da madrugada, os perfiir 
mes 'dá^ flores; q6e os orvalhos da noite reverdecerão), os 
jbinandos e tépidos tsuspii^os dá natureza no seu accordar, 
pbrque as lu^es dos salões^, os ottiaresi importunos dos con^ 
vidados e as indagações da curiosidade indiscreta eram pri- 
são sufTocadora. para aquellas almas, que só entre as rama- 
dqs das náurtbeíras e espreitadas peto frouxo olhar. da lua, 
sentem praser em desabafar oimnienso aflecto que as a^ 
trabe e dovora? 
> Serão. tudcJ isto os Contos aojuar? 

.S9o; e se, a todas estas. scenas não bafeja a viração, em- 
balsamada da noitei, soinfio as poetisa e envolve, como de 
attraeU^'08 -mystiM*ioE|i a. penumbra da claridade incerta da 
lop, 'todas ellas penencqm a esta ordem de sensações. O. tir 
tulo inculcou-lhes mais a indole, q<le'iliés descreve o sitio 
e a occasiãó. A jiivehtudíe brincando -com o amor, e o amor 
vifigandcvse da leviandade conoí qde o pretende tratar a ja- 
ventudé, é a fabula, constante qne se reparte nosi diK[ersos 
"Opiso^ios do livro do. espirituoso folhetinista da itcjt^âiupão. 
i Iforémvákiias iirat)ressões mbtivam estes quadros,' 4 lá 
•está um ou dois, qiie< se (!|esiigam de taes sentimlentospaia 
'dtiaarem' voar oiáis desafogada a peo|ka do^esor^ptpr^ qiue^^ 
sabe támpersir; . como I (poucos, >na$ cOreiSivivas> e^naturaefe 
dói estylo nétrativoíci^it^^aâí daíNáztíretk^t/Umaarêáía 
do Roberto do Díàbdi «s&o! duasilomlosas diíArúrãsi d^lie 



. Díabrqras?!..» I>kibft]ra^,.'sim;>iei.pei^tl^ai-m6 d* termo» 
porque sÀielle <èttipriniè aquellei esty lo faoilii;tpavósso^;ga)fao<- 
feiro, e ao m&sino tempa a^soibbrtdo; de iigoiro&itoqaes 
saotiraentâes, còm<!)t'D'deapqrlana najinRá^ioBiçãa.ál itnagsm 
ÚB' donzella triste e^-syfnpatfaica, vista' fi'aai haWei atravez 
•áa vertigem da poUqa 'que doudeja. ' . , •; 

' Ea ^stou certo que. HKHtos leitores: .ef08tarãota| vez mais 
do Peérinho, por exemplo, d^eâsa poSre (ireafuca devorada 
qaelas : chammás de um amdr i prematuro, ba das Jf^morta^ 
de umia^le, singular aventura de dois corações que se 
amam^e que o destino separa; mas eú acho mais origina- 
lidade,: encontro tnais ò eset*iptor^ palpo,; r.ecoDiyeçoimais a 
sua individualidade litteraria n^Fiaskis daiNaaareth^ Ler 
aquella narrativa éi Viajar oqm J«iikiiAiaptiadO'; ó buvir-lbe 
os seus commentoâ vryos ç salgados ide amaível ironia; é 
observal-ò e applaudUhO oo.seuimode fácil d? ver as coa- 
eas, facilidade que i\lò> exclue a ob^rvação do analysta 
perspicaz, nem o acertor nem até o fundçi pbiloãoptlico* do 
moralista, embora jovial e IjgeiroL- Gomo^aquçlta companhia 
de cómicos é descri pia t Gora que verdade a penna de Ma- 
-chado, como se fosse o lapts de Ga varni,. traça rápido os 
peras truanescós d'aquella. pobre gente,..qjue diisfarOa as mi- 
.serias reaes da sua ej^isfeBcia conoj a Qngidâ alegria com qoe 
entretém o publico! Como depiois vém a; narração do ar- 
raial da Nazareth, e sobretudo a pintura da rocba^ onde se 
realisou o milagrel Que poesia; solemne é triste, como a 
amplidão das ondas que vêem quebrar-se n'aquelles frague- 
dos aprumados sobre as aguas I A praia lá em baixo, o mar 
a rogir ao longe, e cá em cima, a tapetar com as nuvens, 
^ penedia ergueridorsoroomo um pensamento religioso que 
se alevante paha Debsi ) , 
Como é grande, como é maghifico, tudo istot 
A recita de Roberto da dia^o aSo' passa de um bbistoso 
brinquedo, que dá a lembrar os voos pbantâsticòs de Hoff- 
mann, porém esboíçadòí; com as tintais frescas e risonhas 
de Méry. AqueUa mescla phantastica damarrativa da opera 
de Meyerbeer, com os toques epygramaia ticos da figura do 
homem pequenino, que ,se iâiagiâe um Holofernes domes- 
tico, dispõe um bello jogo de cómico e dQ terrível, de fa* 
miliar, e extraordinário. Ha Edgar Põe, ha Aiexahdrè Da- 
mas» ba Archím de Araiioi em tudo isto. . . 
Salvador e Magdalena é um caso da vida» como qmiíIqs 



>cfranmjiiA S38 

<|ii^piMr M^m dtfo.^lcpb lnd^eemMe(>€dfRMmíigfaoradóâno 
4lirb)Hi3o daifiKMSje^iáde^lDdiflarenfejíNiti itera itovidiade( frio 
4nÉ enredo? o$ 'seoi iriesmòs<pepsmegeiisiiD3o -dieemuneiÉ 
-dasetn i cobsá6 ndvdspin9s< IdClálesUi^^ayealQra/élaniniaida âe 
<Í8rtáHp<!M$sia' de'''seiiUiilento'6'>dp'i6s^ylov'qiie'a'fhsiler fCi^ 

Quizera talvez menos abanAobd; qMm^âlgdnHiMd^estàspa^ 
^ioaÈ! se (deâ»{a8S0(OoPr^r >niei(ips.\a; /penna:p.qiiiÍKera'.^que Ma- 
•òhB^Oy bofDOfO caysileirD iqodiH^niâ dematíada ia <rapMÍ6Z 
m e^hinça do «proel é négilgentemenle lhe larigaa rede&i 
(tím > se entitegi8i«/ OnuéAi cej^as; so ' âcaso- dia sua ;veia i fluente 
e rápida. Âs carreiras precipitadas nem .semjpre^ldciixaai àp 
•aartemeraUias, pònqae'>qsTarçps^Q{|lepiíckl do \'iolteaídor não 
desfazem as escabrosidades do terreno. Como jsasi »vbtap 
âdeitbealrOy.qUie dísoeqesr^Ho^piaCou' t^míbem aiiiotrer^e a 
largo traço, o escriptor deve repousar de ve2 em qndiulOi» 
íe olbar detofige er^seo* trabalho/ p(¥rque é assim; etn 'globo 
jQ^-zeonjuncto do sed tòdò, q^ lhe abrange' o complexo, IHe 
-âeieobré os* defeitos, éofs aperfeiçoa; . ' ; 

'^PeíÊm^ estes di^feitos s&o lar^amenle doríipeRSddos. Est-e 
desalinho, no estylò de Machado, 'constitue a fóriria »at«tf- 
<jtíl,.éspoQtaóea/ transparente do deèalínho das idéas, gra- 
-dofo desalinho que só pôde ser comparável ao adejar doa- 
(dejânte da borboleta,. que «gora esvoaça de flor eol flor, ex- 
-papdiodor.as azas dambiantés pelo ^raãoiriÈonho e maiifs^ 
4o; agora volteja sobre abacia <lo iago, ctijas- aguas tui^vas 
(lãOi^se atreve a passar. .Ee^ta idistora de melancholia e 
prazer» semelhante alabaile;qu!e resoa alegrias, em quanto 
a um lado suspira a donzella ferida do perjúrio do amante 
qiida abandonou^ é a vefdàdé}ra^expr^s9o:da talento' do 
lailobçr dos Ccmíos ao luar, talento que precisa de acbar a 
flãrma fácil, que^nãp a escolhe, que nem a prepara, nénriá 
-embeUeza, poí*que. tem na phaíntasiàfògoâ impetuosos para 
-desafogar, ^ no coraçSo gemidos sinceros que necessitam de 

Prosigàmos n» leitura do lirro. « j 
-: ) Gòmoé melandbolico o conto áo^ Pescadores de Lessa 
dai Palmeiral. .4 Beot i^e vô iqoe ' lhe servom de quadro as 
rochas áridas e tristes, que se debruçatíi ao longo da cosia, 
òfide os olàoá, ; espi^aiando^sb: ao largo, ' encontram só 4 so- 
;Udio das aguas qoe Táe. fecban com a cinta affogueada do 
:liOFisonlet • '• ''.-J .<■ " '• . • • ■':•• •' :• 



891 t gínmunfOíJL 



Víi mad. deiStàfhcfiidr^os habitantes ,dak eastfts; aSoi sêbuí- 
f ne pòetaB de fiejitiitfeitital e inistb poéskk, .porqob o.aSptalè 
taimeiíso idas ondas, imageqs dOiiofiDUo, «Dgrandeeoía ím^ 
^na^o e eleva :o esptnto. E'i6to é yerdade* Maehajdoilaiifh 
btm o iRota^ oDpta-ò porque o sentiu .e<€UYíUt quapdo mir 
sitou as praias de Lessa da Palmeira. Vejam como^bHejo 
«xprime ooofttaritã.nailioraKdadei ' . '•..': 

e....; Quando alguma vez, por estar mni ]ri}o iO venlot,! ^ 
o mar em vagalhões,' nSo podiam cairia pesca (os bar^nâir 
vos), o pobre rapa2. passava a tarde nai praia, ajudaade Ji 
concertar as redes» e deixaodo iBftecifiiv<etHiente correr (O 
pranto pfelas faces. .i ;I. . 

«— *(^e diabo tens tp, rapaz? ^tergpntavam^he oacoB^ 
panbeiros. 

( c^-Tristezas a que sou dado! respondia ellp,. sorrindo se 
á^sfercando. isto é do siíio. ' : . . . • i - ^i, 

. «Os barqueiros espalhavam a vista em» redor, e paréeiana 
dar^lhe razão. A natuk^eza, alli, . è' tudo; naturiSKa agreste, 
ainda que cheia de encantos em 4odo ,& séili tom de metaii- 
cbòlia, de saudade e de fé. Rio, arvores, e mart Esfi-se 
^m alli, mas senle-se a necessidade de chorar.» ' -- 

Este conto é um dos que revelam a indole poética, do 
auctor. Parece: até qqe.Machado nasceu qm fheále da poíe- 
-sia grandiosa è scismadora das aguas.. Gomd é bem contpda 
•a lenda do Senhor de Maihosinhos, lenda ^ue a crença.^ 
pular conserva da mesma sorte :que O; mar conserva,. e reb- 
peita a singela capellinba edificada na praia; inâo apenas 
<beíjar-lhe os maros, quandQ» as rajadas da. borrasca i>tin|- 
pellem a esseiarrojo. ' i u.: • 

{ Depois vém< Á Noite de S.J^m^ essa noite deamoresite 
preságios ponqucanoeia o coração da donzel^lâ, e t>a qilaiia 
icredulidade de povo véipil.valâcHiios «proferidos áiloBidite 
•'fogqeiras, tio rédemoiniiar doudejamte das danças, i^s.tOS- 
coDJurós^ que: o:qmor consultarei quê ainda, passad^strl^- 
pos, lembram com terror ou saudade. Poética e popnlaris- 
simã noite que os moços.>coQK'eittem tfdm periodoi fetíi da 
sua existeotiá,'^e^ á.qoie. os; próprios : velhos* assistem idé la- 
^imâs nos olhos, ip6rt|tie scj >recoráaiK da mocidnde^^ (^ue^^já 
tVíie longe enío fvoltaj . , .'^'::r ; . >.:!m. 

> Estas crenças !e'fes<i98popuiarei9(iD8da^perâeali da sud>(k9i- 
ç&o^ primitiva deiscriptasi poniMachado, aqtesiadquifémii^âlÉa 
certa cõr de tristeza, um poético vago» tão de accoird&iaodi 



O rsentimefrto poético pwmuIaPi et iq^e leiqbni algiupip copsa 
o ideal 4a mebiocbolia alIemS^ 

Só e&cofitro iim defeito qoa Pe^ocf^^es^ úe í^esia; è v^ 
laUar equella bôa gente a ^ua liaguagei« própria, k sr.* Apoa 
exprime-ae cooto uma^paisoa da capital ; e, inais ou qieno^^ 
oa oulros íodividQos d «íBate. quadro m^fítimo» por i^soiati- 
0am iDom a figurada a siiaigjeiÁ iloguagem da geoie do mar^ 
CoostiUie esta uma das, maiores. difficuldades n'e$te^ esta- 
dos ^pulares,. porque é o seu viver» o seu peosar, os s^up 
costumes e inclioacSiea, maoífiostado tudo na palavra. 

Dos Noinooit declaro qoe.olo gosto tanto» Aqui. o talento 
fabril de Machado, que bprtiolotea como o esmaltado insiectp 
•que salta de arbusto em arbusto» dá-lbe para philosopbar^ 
ser atè ídissertativol 

Vejam que transtorno.l 

O dialogo toma por vezes o tom, e até as pretenções de uma 
eatecbese sentimental. O amor ,é mais discutido, qqe sentido. 
Carlos Eduardo, quando, .namora, moralisa, critica, chega a 
pregar; e os amantes, os verdadeiros» sentem apenas e apai- 
xonam-se. Nada mais longe :dO;4iscurso que o amor. Car- 
minho éque éuma creatur^ sjfmpatfaicà; inconsequente, sjm^ 
mas reproduzindo naturalmientB .a. phrcmetica volubilidade 
dos quinze annos na muUier. O seu ami^nte, porQ^B, não 
.passa de um d^estesDesgenais, que só Octávio Feuillelsoubo 
exceder pa feliz creaçau doiseu eayalbi^iro Car^ioie da Doi- 
JUá. Estes mQrali.stas» q(íi$/ andam .á espreita da primeira 
palavra que escapa, de qualquer. puapiro que lábios distraí- 
dos 3oltem, de um vestido .mais Durto que apparega n^.uqoi 
passeio, ou de uma muU]ker deitri&ta annos que, dance .a 
polka, para nos dizerem ]ogo.que<^o:0M)ndo está perdido, 'e 
isto no tom grave e sisudo das máximas de La-Rocbqfop- 
.cauld, estes ^moralistis fsizem^e leinbpar aquelle per^<^na- 
gem de uma comedia de Rçgnar, qiue destaoitpava com a 
mulher, com os filhos» e^atè ^(som a vjsinhança, querendo-os 
chamar aos bons caminhos :âa; moral, .e ia depois muito s(i- 
tisfeito de si mesmo, passar a noite em casa da amasia.. 

Passamos ago.ra a. outro liyrOè em tudo, diverso dos i(l[on- 

to8 ao, luar, porque nem é de ooqIqs, porque. é >de hístiffcia 

e historia escripta na memoria^e ao xorac&o d.o povo^ .{^epi 

tSo pQuco fora inspirado pêlas^ impressões, da poesia suavi^, 

. senão pelas recordações |tttrioticas (davindependeiMiiia . de, Rof*- 



236 ^imfí^utmik 

'■ É diflíéil passârde-tttti-livròniiaftanesco a^oi^^ 
toria, e de historia severa, potvjtíèo bufetór dos JBHí(W *«- 
^òícò^ irtqoiíHuos ãt*dhfvo^V manuseou 'bs'fíhirOíiicas"e devas- 
sóú^as épdcas, 'pardal áyjtillisítar à ver(laiáte''do?í fàctòs-loniados 
cara afeàbmptona giílefrift dé (|uadno|sí(joe nos apresente; - 
•' Eréírtittenle a hettbtimá oottsíf^j^Ae^riielhõr compàrar-se 
éí^W' oÀt^a do sr. Pdt^eiradâCiibto, do ({in atima galeria de 
fitnrlia, 'onde o ré9peiÍO'dos s«i]à>6 a veneração traditíonaíl 
íièíjamcollocadó' os diteffeòs: retractou dosvarõeá e dona^» 
brazõei lYrefragaíveís da hobrèw dfe orna lortgá estyrpe. 
'Más n^ôSíía galeríai que é prefdara, fforque a lílusttà o 
%btHitneíriítò ênergteo ^ amfifr dà' p&triai; e lohgá>' por qbe 
'at>rahgeos succeSsasdd^varioBifceculoSj' figuram só muibe- 
res. Exisle unicamente uma differença i vé-sè alli a iataltier 
do povo e a descendente dos reisf/poréiffí o affecto': heróico 
^jielàs cotisâS da paÇriaf' égtíâMs» ailodafs. Hoje' a pòsleHda- 
5e chamal-lhes' heroihas, e quando' ti vet- de as mencioríar, 
nJo pódé deiícar dé colllgir Jos seus retratos, e pendurai os 
iodos no níesnio salão de h&nra, como fez o auctor dos 
Brios heíwws das )^rííêgukza^. Jidco lonj^e da temerosa 
Ignez Negra, que, étn feWga^smgularde braço a braço de- 
fende a praça de Melgiaoo dhmvasSo' dos castílhanos, lá va- 
mos stírgir o Vulto severo 'de Brites (íonsalves de Moura, 
a nobhe e solemne pèrsonlllcaçio da cásiellã de outras eras; 
~è ao lado da decrépita e' engelhada Iria Vaz, cuja patriothca 
indignaçuó livra Santarém' ^o vilipendio do jugo hés;][)aDt)bU 
appar^ece a ^rave personagem ddduqoèza de Bragança, D. Ca- 
'tharina, què, com odeedem altivo do direrto bíTendldo, des- 
pede o próprio Pbilippe II,' elbémillogra os projectosde 
apossar-se doestes reinos' com as apparencias da legUlmi- 
dade. 

É mister, porém, oSò disfarçar *o pVoposilo doeste livro, 
porque o auctor é o tnesmoqáb ò' declara, e como alardo 
que nM excltie a ufania: Nãoièm nenhum outro fito a obra 
^e Sê' vae Ur, diz o ^; Pereíira da Cunha, no prefacio de 
que a precede; e este /I/o '(cominua; elle) é pôr em relevo 
o heroismo dás nos-ás contí^rraneas, mais famosas pela. sua 
adhesão é independência e ab bom credita do reino, com o 
éuplieàdò intento áé concitctr 'oi -brios na^cionaes^ por- meio 
db influxo saudaviU f d^ lènibrar^ também aos esquecidos 
que, em Portu{ial,muiiãsmk^rib0$trdn soberba hèspanTwla, 
FORAM DE SOBRA AS MULHERES, asserção esta que seria teme- 



r^pia,.se.Dlio fQ9M ve^d^dwq. X^(|Ha.iiâffei:(Uvan)enteft<PQjq^ 

c^S| bjfiforits dq. nações .Q^M^iecJdaail^Wi^iBi»,' coma a.bialonifi 
i^yAgwi^f n>3ÍK/asl«tí|a64^a9&irfq!f«(piniQ0 cpntna ^s imr, 
mW^fi^ di).pr^dQroii«i^flstMi>fwv ]RiiíK:sei,.^e por uin«i l<ai pron 
videncial, se por coincidência qv^ei^iifpnia ãQ;a^M),se uci^ 
cuaibiu..d« opecanvfivuiti^.Wjftiffia^íina. parte .dp&inobres 
repttlw^icom -qjjft Q,iuai|n(^,iíft7iQWaflQvo. saciuliu;,fypi \o^ 
otmW.^^^^^^^^^t^-Oí^ ;»eoapne .de {leítof 

feminino. ..m».:uu;.; hm. í-.I» i- ■.•.!. rjini jh 

.. Er.DliOi 8Ó.o.p!^tOi(.aw^(;KtJ9: RiK)prí9^braço i^i não ipQijcas 
YMfl9i 9í (íl'les4?^&í.w^f^an«íS|i bftriífiirps 4q» brios, da Venvdaoií* 
€i>ittQi Pifo» v$çi.,íjntc». wjrsia* « twrjvplJBrj.i;ç^ da;Alnieiii9u 

9^<fm«erada padeira. jda AUllt^^f rotina que. ró/ i su^iifiont^ 
s^t¥)dQ^^ ljepdak.'e#Píti(ou(,s«|f^casi^e)baf)oa«xi)ai aq^^UakMi 
menda pá de forno, que ainda se conseryom dapoiSup^.iAM 
gp ,\Aíujpf) leiQ. Al(p^gai)i9p^Afl>^/e«n{]i^ho quQoPhilippe II 
P92ieraí.iem a 3Mmir, o qnii(ji^c^<pnsegviivi«.grdca3'ás.^vati 
siv9í».<^omique.lb«i |rn»Uirpi»}#>iHQpQMlQ;4,^ y^rea4offa«^dar«^ 

,M9^.^&,o,iojU>itO:;i{)|0ljfj|S0^imx); iQtuUo. ^ oacjpnal ^.i^r- 
U^to. pQbre.alé:.ceiit^;pe)jiM.Q, jp?rp. par iwo taes s^nlim^m 
tosi^.qqa 4iàsAçHm de!6fj?,gríAo§ ?k,íI»^05 que.çe pra^am 
de, r^cofidar DQS3f)s .íi^^I|s £)()ri;^,ie i^S^^ dia, iudepfjnd^Q^ 
cia, deçcvUpaqi^ ajgmujsi^. p^gioiaf.dQdUvr^K dçi ^r. (^er^ifiaiâ^ 
Cunha do azedume parlid^W (IW\^^ irrU?-! À s^Ú9 i^lroijípc- 
çSa^i prinpipalrojBftte,niCheg%.a-.lonmp pç..inodos ígg;:^sivos 
de pftmpbitíío .facfiÍ9«)HíWê:W.,|(QgPiqi» ft.o !pis$.ipi)ani(x dp 
um^ religião poliiioa^ (iii^qn.piaMiPO tainbf^ qne,;yas falR 
l^ffi ^ bem se.í^d^dpawr.wei.p armqwia.íiS3Ífn.JEs^,dpc|a-» 
ragSo,teai e :$ii)08ra ,^HfJAF^90/»im* iffias d^lai^açSi(>,de.4M) 

cortoiífredOifluftTlãfl «íO.dfl .^odQÇHdq sjíppipalbias qi«i fqW| 
id«.^fi(riandp», ^:Pfi«(]ilefisQe9'|qq«;jp, a,qxpflpend^.mip.apaT 
gp4(H ,da .^PU)H$j^iQf]|S^;4WÍ PI>Prpgri<F^^O d«scou$a$ tçn,4^ 
ipyeií(f»dQ w (?w*qra^,:jji?jp,páíe,íípiiiaf (Jflf,6r4e3flbre«yi#ft 
op Witpi^ qpe D^i»fJiwlÍn»n.ih9Fa.,?^ ij^íiíÇçs.fíefluctQÇi 
O livro lese, e com desenfastio, e com desvanecimentq f^]/^ 
porque varias das suas paginas, pelo vigor do perfil e bri- 
lho do colorido, s3o gloriosos retractos éa nosBh fooililia 
nacional, que olhos portuguezes nSo podem avistar seu or- 
gulho, porém haveria mais desejos de que o pintor nSo ata- 
viasse essas nobres e audaciosas figuras de umas certas co- 
res e insígnias. O sr. Pereira da Cunha armou-as a todas 



eltiztidob dê úfiú pengaiwetoti péitttid),: e mandoa-iis i eoD- 
qtústà éú Smicto 8(eptttctin)iJ;i'Sé|>cílchro?l déeerto, porque 
a Mstoría dá pasiso^, cujo |yrô tiSo iMMte Vir d enfeontrM^ de 
oovo ^ ftíèánftasí era^ doMe paHlu. Sssft^ ébcerra-a» o teiii- 
pén e a reMvação dal ídéa^i 

Eè por iâto qiie éii qllil^HiqM os Bríoê kerôkos, s^m 
|)érderèm id9lit)efdadè3 d» v^rilioa hí^ioriòâ, fodsenr menos 
(yéiMico^, ô Sobretudo que ti^ásetetné&ob os âdllbnues 
de uma determinada doutrina partidária. 
' E adoptando este'sy^teittti: Afio offendería o aoctor a ín- 
dole das^^soas berofnàs, pòrqde a Itídependencia, a* altiva 
lAÍte eoihmúm da liberdade^ é dsl Mòíonalidade» foi em todos 
0!Éi tempos o voto, ú fito/ d^ bidáo de todos esseá avriMiòs, 
dààm ^hfàr qae torcer i qcfO osr. Pereira da Gunblr ISo 
btt^ihoíiénie reuníor. 

*- Ntn enlato (digaf-sé á veí»dlHie {tara jost)^ folta aos raros 
dotes do escriptò^), ésCe preipodito insistente encontrado 
40BSÍ setilfpre fSrd hisinoanteáfieMtis identificado òoMiòpeiisa^ 
mento ^eral das glorias d'esta terra, qOè áO leitór suoeede 
t|ue aconteceria ào individue^ qué pi^aséede um ramè^de 
f^útt^l r que,' embeNrekídO' á cónten/plal-as, se Híe fossem 
6« oibos f)ó'^u nbáiKz, e é>s'seiltirioi todos se It^ artobas- 
seoi yydsseiu!^' aitmiaisl settl^arpoi^e entre eitali se es* 
èòndia b èspmbo dé toilòii ootrd afrbfoÀto silvestre. 
'' É este' ò 'coòdló dòs Briái k&óiéós. 

Ò-^que desejo, ém t()def'0''clisò^ é que b seguhdO' ^blonie 
d-eâttt sêrrer apparêça em breve. "Queremos todoè ttOMpleta 
a 'galeria, eaâ^m fidafettío^ dott tidl livro de curiosa noti^ 
cfiatiarai ^s fftveslfgadòréâ da nbs&a história, e de tangia 
Ateo' recreio até pãHa O sextyfediii^ido, qtíe deve de 9er o 
ffflttiet^d' a proctofU- e a dá^at^ está' linha^m ' de < m^ribe^ 
HM' òèflebrès, 'c(od excéiisMproédíá» trmdmrram- dá: j^esma 
tíkhm; er ttídeai' senhoi^^ida jM^èsMtH épotíá' encdntrakrSe 
ttíétivo dé (yr^Miò, jjiorrqué^^è «eáj^rè mwy p^ra hobMef aU 
tívtéss b 'iâbei"'^ l[)oèi»idd$'tiM qiíiftbSb tiifsglbi^aé da 
jllsítria. '■■•'•' '.'« .... f ■ r. í. II- .•.:■.! -.' 



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iRTROMCI^lO. 



Ma. 

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Ahtoííio. FiELièiAiiro tó tlXsT^tiò.— Dos eíliWòs àdís lettfis gregas e la- 
Imas— Falsos priQòi^Çols da Ufteratura mythologica— Â imitação etH . 
Acta com á! Wttiré^á^é missão da Vék-dadelra poesia— 6b d^sicò e 
A) roma^tico —Kesfi^^^ mo^erjia^ Q genii> poético 49 to^os^ os tem* 
pos— A paraphrase dos Amores de Ovidxo^ pelo auctor dos Oiumes 
do Ativfe-^Otiãib e Bett pd«n«Er— Atvályse do pi0émir e-dá pai^ - 
phrtiie ;......... ».i./...uv i ' 1 

Luiz knoiow^ RebcimíO «^ ^UiVAi-^CoBatço 4a Sool^^ade fi^oolaslioo- 
PhUiHnatioa— A QQf^mocMademteram d^tojtríRMt af)P06'*-*0 re- 
nascimento romaii|ic«i ^ of\eíf^ÍtOB exagera4o9 4a j-amaoíifiiwQo-- O 
romant^e histórico --.Q^t^nèloff^. da i^; ^roíMíii «do Mf9ír$ Gfú^(> 
> impulso partido de AllepmMWtiâ de f/'ança gèoeralw^âentre^iH^ 
— Byron e os seus poemas— Influxo de todas estas causas nos nos- 
4q% eseriptof es— o itottfso por ^omMj^i-i4 tlIffiMtf «MHUtt elè i&utta 

.,em Âz/vo/erra- Rebello da Silva ^oj^^i^pr p9|ijljíçp— Fun^açãq do | 
Curso Superior dèTéllrás'. !'....'....* ..'..'.* tà 

Ròdrígò dá Fonsécâ Magalhães.— a Imprensa tornada arma insidiosa 
-r4^ Amor que o iUustre estadista confia^mni ai esta iutítiiiçiii-^ Des- 
assombro do seu caracter e a Revista do armo no Gymnasio— Os 
calumniadores e o homem publico— O paoegyrico académico do 
sr. Latino Coelho e a escola politica de Rodrigo da Fonseca— A In- 
glaterra e a sympathia pelas instituições liberaes da escola ingleza 
—Discursos do grande parlamentar— As necessidades da politica 
appellaudo para o seu tacto governativo— Sua ida a Coimbra— O 
grande estadista no gabinete e na tribuna— O jornalismo escola 
pratica dos maiores estadistas— Talento oratório de Rodrigo da Fon- 
seca—Famosa replica de improviso ao discurso do dr. Bazilio Al- 
berto— Morte e funeral .!...« 67 



83ft / iUmMioui 



Dní niQd;:deiStiifh»cfiie:!OS habitantes ,dM eostus. aSoisni^ 
ft% poetas^ de âeittkttehtai e Inbtb pod$ia, popqob o/ailpèolè 
temanso idas ondas, imsgeqsdo.infioíto, engrandece. a ms^ 
^Da^ e eleva :o espiritto. Blíelo è yerdade. Maehajdoiianíh 
èem o^nota^ eapta-ó porque o sentia eeuYiu, quapdoivl- 
sitou as praias de Lessa da Palmeira. Vejam comotbt^e.:o 
exprime coia tanta. naitpraUâade 2 ' < V 

c..,.QciaDd0' alguma yez, par estar m^i Ftjo lO venloi,! le 
o mar em vagailiões, nSôi podiam eair.i ]M)sea (os bar^nâi^ 
ros), o pobre rapa2. passava a tardena* praia, ajudando a 
concertar as redes, e deixando iBseoiivetHte&te correr lO 
pranto pfelas: faces. • ;í .i»^ \ • 

c-^Que diabo tens tp, rapaz? <pei9|intavamilhe os cooir 
^[lanbeiros. . 

í c^»Tri8tezas a que soo dadol respondia ellp, .aorríndote 
4^$fcirçando. ' Isto é do siíio. ' : . ; - .,1 

. cOs barqueiros espalhavam a vista em» redor, e pardeíam 
dar-lbe razão. A natuk^eza, ail^, . Ê tudo; náturiBiza pgreste, 
ainda que cheia de encantos em todo, o sieik tom de tnaiai^ 
cbciiaj de saqdade e deié^ Rio, arvoneà^ e mart fisfi-se 
-bem alli, mas sente-se a necessidade de chorar. > ' >->: 

Este conto é um dos que revelip a. indoie: poética, do 
auctor. Parece: até qqe. Machado «nasceu .qn> fhente da pde- 
-sia grandiosa è scismi^ora das aguas.. Comd é bem contada 
>a lenda do Senfaor de Mathoçinhos, lenda Hfne a. crença j^ 
pular conserva da mesma i sorte 'que a mar. conservante vÁ- 
peita a singiela capellinba edificada na praia; inâo^^peiúis 
•beijar-lhe as muros, qnando.^as.rajadas da. borrasca o^tint- 
l^ellem a esseiarrojo. ' i . n :. t 

( Depois ván< bNoUb dê 3. Jòàoj essa noite de anoiareaiie 
presãgios pofiqueianepia o coração da donzeUá, e i>a qikai/a 
ícredulidade de potvo véipil. vaticínios «pô^oferidoá á>liiBrdais 
•fbgqeiras, tio rédemolntiar' âoudejante das danças,. >ntos.iS9- 
eoDJuròs^tfue oiqmor cohsuiiá^.eiqHá ainda, passadasile^ 
pos, lembram com terror ou saudade. Poética e popolaris- 
sima noite que os moços «conK^eiftem ri'iim. período feiíi da 
sua existência,' «^ á.qtiei oeíproprios-velhosi assistem. idè^ la- 
cunas nos olhoss iponitíe sq >réooráaw da mocidade^\*(^e>^ 
,vae longe enSo ^vollaj . . ,- •.• i* . . >» i! )^ . 

- Estas crenças le* festiva popuiapei3iiDàda,perdeoi> da sud^fei- 
ç8oi primitiva deiscriptaSiponiMacbado, aqteaiadquiiPémiálÉá 
certa cõr de tristeza, um poético vago» tão de accotrdoiQodi